O Estado de S.Paulo 14 de fevereiro de 2014 | 2h 04
No primeiro dia de consultas, governo deu explicações sobre incentivos fiscais, mas europeus parecem determinados a continuar com a disputa
Jamil Chade/Genebra e Lisandra Paraguassu/Brasília
GENEBRA/BRASÍLIA - A Europa caminha para acionar os juízes da Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o Brasil, ainda que ontem, em Genebra, o governo brasileiro tenha tentado a todo custo evitar a abertura da disputa legal no primeiro de dois dias de consultas entre europeus e o País.
Bruxelas questiona os incentivos fiscais dados pelo governo a diversos setores, como automotivo e de produtos de informática. Além disso, os europeus questionam as regras da Zona Franca de Manaus e dizem que as práticas brasileiras seriam violações às normas da OMC.
Pelas regras, os europeus precisam realizar consultas bilaterais com o Brasil antes de recorrer aos juízes. Mas em Bruxelas a etapa é considerada apenas uma formalidade, e a UE já teria indicado que deve continuar com a disputa. Mesmo com todas as explicações brasileiras, os europeus consideram que os fatos "falam por si sós" e que as regras internacionais estão violadas.
Em Brasília, o caso é visto com especial preocupação, já que uma condenação da OMC exigiria do governo refazer toda sua estratégia industrial, justamente em ano de eleição. Em seis horas de reuniões ontem, a estratégia do governo brasileiro foi a de responder a todas as perguntas da Europa, mostrar que está cooperando e explicando como funciona o sistema de isenção no Brasil.
O esforço dos diplomatas era no sentido de mostrar que, na realidade, era o sistema tributário "complexo" nacional que impedia os europeus de entenderem que não existe de fato um benefício específico derivado dos programas do governo. Apresentando o sistema tributário, o governo tentou mostrar que um importador também tinha benefícios fiscais.
Para isso, Brasília levou uma equipe de cerca de 15 pessoas, incluindo Itamaraty, Ministério do Desenvolvimento, Fazenda, Receita Federal. Suframa e AGU. Hoje, as consultas serão concluídas.
Mercosul. Enquanto em Genebra o Brasil tentava se explicar, em Caracas o Mercosul vivia mais um dia de tensão. A Argentina se recusava a aceitar o projeto brasileiro de redução de tarifas de importação e barrava os esforços do Brasil para que o Mercosul apresente uma oferta conjunta para destravar as negociações com a Europa.
Ontem, numa reunião em Caracas, a delegação argentina apresentou um veto à lista preparada pelo Brasil e abriu mais uma crise no bloco, que ameaça enterrar o processo de aproximação com a Europa.
A reação da Argentina na reunião foi causada por informações de que o Brasil havia feito críticas à condução das negociações por parte deles, especialmente a lentidão na melhoria da oferta. A delegação argentina cobrou explicações do Brasil e a reunião chegou a ser interrompida, mas explicações foram dadas, o Brasil negou ter feito quaisquer críticas e a reunião foi retomada. Depois do incidente, de acordo com fontes do Itamaraty, as negociações passaram a correr bem.
O Mercosul espera apresentar uma oferta aos europeus sobre os setores que estaria disposto a liberalizar, em troca de uma ação similar por parte da União Europeia, principalmente no setor agrícola.
A crise com a Argentina vem justamente em um momento que o cancelamento da cúpula entre Europa e Brasil pela presidente Dilma Rousseff caiu como "uma bomba" no meio diplomático em Bruxelas. A presidente argumentou problemas de datas e o evento foi adiado, ainda sem uma nova data.
Com isso, pelo menos cinco iniciativas diferentes ficam suspensas entre o Brasil e a União Europeia, incluindo o debate sobre o setor aéreo, a proposta de um entendimento sobre investimentos e, claro, as negociações comerciais com o bloco do Mercosul.
"Não nos culpem depois se optarmos por dar prioridade para a Ásia", declarou um diplomata europeu, visivelmente irritado com a atitude de Dilma de cancelar uma cúpula duas semanas antes do evento. "Não vamos ficar esperando pelo Mercosul", disse.
UE acusa o Brasil por incentivos fiscais e zonas francas
12 de fevereiro de 2014 | 7h 52
JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE - Agencia Estado
GENEBRA - A política industrial brasileira será submetida a seu maior teste em 20 anos a partir de quinta-feira, 13. Em Genebra, a União Europeia vai acusar o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) por violar as regras internacionais ao dar incentivos fiscais a vários setores e vai pressionar por uma reforma profunda nas regras de zonas francas, como Manaus. Uma derrota do Brasil pode forçar o governo de Dilma Rousseff a rever toda sua estratégia comercial e, num ano de eleições, o impacto pode ser também político.
O Brasil terá de dar respostas a quatro ataques de Bruxelas: os incentivos fiscais do Inovar-Auto, entre eles a redução de IPI, incentivos ao setor eletrônico, a redução de impostos para vários outros segmentos da economia e as regras consideradas ilegais de benefícios a empresas que se instalam em Manaus. Na visão dos europeus, isso cria uma distorção da competitividade das exportações nacionais e dificuldades para produtos importados no País.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, o comissário de Comércio da UE, Karel de Gucht, declarou que a disputa não tem relação com as negociações entre Mercosul e Europa e espera que o contencioso não contamine a relação bilateral. "Tratamos disso de forma bilateral e levamos ao conhecimento de todos. Como não houve reação do Brasil, decidimos levar o tema para a OMC. Mas não há relação com as negociações com o Mercosul."
Brasília vê a situação de forma diferente e, nos bastidores, deixa claro que não há como evitar uma contaminação. A interpretação no governo era de que os europeus, sabendo que as negociações entrariam numa fase decisiva a partir do fim de fevereiro, passaram a usar os tribunais da OMC como forma de pressionar o Brasil. Um dos pontos da negociação entre Mercosul e UE é justamente o que fazer com Manaus, considerado em Bruxelas um "buraco negro" nas regras comerciais.
Para se defender, o Palácio do Planalto enviou a Genebra uma equipe de peso para defender a política industrial nacional, liderada pelo embaixador Paulo Mesquita. O argumento brasileiro é de que os programas estão dentro das regras internacionais e as importações não têm sido afetadas. Prova disso seria a balança comercial negativa e o fato de que as exportações europeias ao Brasil continuam em alta.
Impacto
Numa primeira fase, as consultas serão realizadas apenas entre Europa e Brasil. Mas, se a UE deixar Genebra na sexta-feira insatisfeita com as respostas, poderá pedir que os juízes da OMC avaliem o caso.
Um dos temores no governo é de que empresas que estejam pensando em investir no Brasil para se aproveitar dos incentivos fiscais revejam seus projetos diante da incerteza do julgamento na OMC. Outra preocupação é de que uma decisão poderia ser anunciada às vésperas das eleições, com potencial repercussão negativa para Dilma. O que ninguém esconde no Brasil é que a disputa promete ser a maior já envolvendo o País.
"As duas partes estão conversando e esperamos que cheguem a um entendimento", disse Roberto Azevedo, diretor da OMC. No ano passado, ele ainda era o embaixador do Brasil em Genebra e, em diversas ocasiões, foi obrigado a defender a política industrial brasileira.
Agora, o governo também terá de dar uma resposta sobre um assunto que por anos deixou os europeus irritados: as zonas francas. Em 21 de dezembro, o Estado revelou com exclusividade que a Europa havia submetido documentos à OMC exigindo o fim dos benefícios do governo federal a zonas industriais especiais. Além de Manaus, as zonas francas questionadas são: Boa Vista e Bonfim (RR), Tabatinga (AM), Guajará-Mirim (RO), Macapá e Santana (AP), além de Brasileia e Cruzeiro do Sul, no Acre. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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