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sábado, 1 de fevereiro de 2014

JANTAR DO BARULHO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2306 | 31.Jan.14


Governo tenta esconder pernoite de Dilma e de comitiva presidencial, em Lisboa, com direito a jantar em luxuoso restaurante da capital portuguesa. O episódio reacende a polêmica relação entre o público e o privado nas mordomias do poder

Sérgio Pardellas (sérgiopardellas@istoe.com.br)



FLAGRA
Depois de o Planalto dizer, no sábado 25 à noite, que Dilma estaria
“dormindo”, a imprensa publicou foto em que a presidenta aparecia
entrando no restaurante Eleven, em Lisboa, acompanhada de assessores

No sábado 25, enquanto protestos contra a Copa do Mundo ocorriam em diversas cidades do País, a presidenta Dilma Rousseff participava de um animado jantar na companhia de auxiliares em Lisboa, Portugal, regado a peixes bem selecionados e bons vinhos. O local escolhido foi o elegante restaurante Eleven, um dos mais badalados de Portugal, com vista para o Rio Tejo e classificado com estrela Michelin, referência da boa gastronomia no mundo. Mais cedo, pela manhã, Dilma havia aberto mão de se hospedar no palácio do século XVII – mantido pelo governo brasileiro e que serve de embaixada em Portugal –, preferindo ficar num dos hotéis mais caros da capital portuguesa, o Ritz Four Seasons, inaugurado há 54 anos pelo Rei Humberto de Itália e os príncipes de Saboia. Uma parte da equipe acomodou-se no mesmo hotel que o dela. Outra, no Tivoli. No total, a comitiva presidencial ocupou 45 quartos. Só a diária da suíte onde Dilma pernoitou no sábado, mobiliada com a coleção Espírito Santo e cabides de seda acolchoados nos armários, custou R$ 26 mil – o equivalente a 36 salários mínimos.



A prática de hospedar-se em hotéis caros, esbaldar-se em restaurantes renomados e confundir o público com o privado – ou seja, desfrutar dos encantos e das delícias do poder – é uma tradição dos governantes brasileiros. Não se trata de um privilégio deste governo ou do PT, partido inquilino do Palácio do Planalto desde 2003. Remonta ao Império. Os esplendores gastronômicos do período são famosos até hoje. Por exemplo, a predileção da extravagante dona Leopoldina, mulher de d. Pedro I, por salmões salgados importados era conhecida. Na República, o presidente João Figueredo acabou enfrentando um problema com dona Dulce, uma primeira-dama de modos exuberantes que gostava de levar o cabeleireiro em suas viagens internacionais. Até que o SNI (Serviço Nacional de Informações) entrou em ação e recolheu o passaporte dele, para evitar polêmica.

A questão é que a estada de Dilma e de sua equipe em Portugal ocorreu às escondidas, com direito a entradas sorrateiras no hotel e foto-flagrante em rede social ao lado do chef do restaurante, e foi tratada pelo governo como segredo de Estado. Aí reside o problema. A ida de Dilma a Lisboa só passou a constar da agenda oficial da presidenta às 13h50 do domingo, horário de Brasília, quase 24 horas depois de a presidenta chegar à capital portuguesa. Para tentar explicar o inexplicável o governo foi constrangido a desfiar uma série de versões, o que fez com que o jantar e a hospedagem da comitiva presidencial em Lisboa se transformassem numa trapalhada ainda maior e gerassem muito mais barulho e polêmica do que se tudo fosse feito às claras, com a transparência exigida pelo cargo. A viagem só começou a ser explicada pelo governo depois que o jornal “O Estado de S.Paulo” revelou o momento em que Dilma entrou no hotel Ritz. O jantar no suntuoso Eleven também estava envolto em mistério. Inicialmente, enquanto ocorria o convescote, o Planalto havia informado que a presidenta estava “dormindo”, ao mesmo tempo em que outros assessores indicavam que “desconheciam” qualquer plano de saída da presidenta. Até que uma foto publicada no jornal português “Expresso” deixou a comitiva sem justificativas. Na foto, Dilma apareceu entrando no luxuoso restaurante, acompanhada pelo embaixador do Brasil em Portugal, Mario Vilalva. A ministra Helena Chagas, então chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, também aparecia na imagem. Ainda se observava um dos seguranças e o próprio embaixador carregando uma sacola com garrafas de vinho.

Diante do flagra, a primeira explicação para a parada em Portugal, fornecida pela ministra Helena Chagas, que em meio à polêmica anunciou sua saída do cargo, era a de que se tratava de uma “parada técnica”, pois o avião da FAB que transportava a presidenta e sua equipe não teria autonomia para viajar da Suíça, onde estava participando do Fórum Econômico Mundial, em Davos, para Cuba, seu próximo destino. A segunda explicação dizia que o plano era sair da Suíça no sábado, parar nos EUA para abastecer e chegar a Cuba no domingo, mas o mau tempo teria obrigado a comitiva a mudar de planos.



Essa versão, propalada pelo ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, não parou em pé. Informações do governo português deram conta de que, na quinta-feira 23, a passagem da presidenta Dilma por Portugal já estava confirmada. Desde aquela data, o diretor do cerimonial do governo de Portugal, embaixador Almeida Lima, já estava escalado para recepcionar Dilma e sua comitiva no fim de semana. Além disso, antes de deixar o Brasil, uma equipe de precursores do governo tinha rumado para Lisboa a fim de providenciar os preparativos para a chegada do comboio. Ou seja, nada havia sido feito de improviso, como argumentara a assessoria do governo.



Para tentar atenuar a polêmica sobre o jantar, Figueiredo alegou que cada um dos integrantes da comitiva presidencial pagou sua própria despesa. A mesma frase foi repetida por Dilma em entrevista horas depois. “Eu posso escolher o restaurante que for. Eu pago a minha conta”, afirmou Dilma em Havana. As justificativas, porém, não produziram o efeito esperado. Àquela altura, a trapalhada já estava feita.

Como tudo que envolve os presidentes em geral normalmente adquire uma dimensão maior em ano eleitoral, a oposição, cuja uma das bandeiras é exatamente a contenção de gastos públicos, aproveitou para explorar o tema ao máximo. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) classificou o episódio como “mau exemplo”. O pré-candidato ao Planalto, senador Aécio Neves, disse que a viagem da presidenta foi “dissimulada” e “envergonhou os brasileiros”.


LUXO
Durante pernoite em Lisboa, parte da comitiva presidencial hospedou-se
no hotel Ritz Four Seasons. Com mobília Espírito Santo e cabides
de seda, a suíte que acomodou Dilma Rousseff custa R$ 26 mil a diária

No fim da semana, caldo entornado, pairou a sensação no governo de que a confusão poderia ter sido evitada. Em princípio, a suntuosidade que cercou a passagem por Lisboa poderia explicar a tentativa de manter a estada sob o manto do sigilo. Mas o valor gasto em terras portuguesas não foi excessivo, se comparado a algumas outras despesas da presidenta. Em março do ano passado, Dilma foi à primeira missa celebrada pelo papa Francisco. Preferiu hotel à estadia na embaixada, instalada no Palácio Pamphili. Pagou-se R$ 204 mil apenas pelo aluguel de 30 veículos da Rome Vip Limousine.

No Planalto, há quem dissemine que, por trás disso tudo, reside uma antiga polêmica: o alegado direito presidencial de desfrutar de agendas privadas longe dos olhares da imprensa. Dilma costuma dizer que quer poder “ser gente normal” vez ou outra. É compreensível. Porém, queiram ou não os poderosos, a transparência nas ações, principalmente quando há dinheiro público envolvido, é pressuposto básico da boa e velha democracia.

fotos: Nuno fox; BORGESE Maurizio/Hemis/Corbis

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