BRASIL DE HOJE
Há uma corrente de conceituados pensadores apontando que as eleições tendem a ser opacas, com fraca participação dos movimentos populares que convulsionaram o país no inverno de 2013. O sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier vai na contramão. Prevê uma campanha eleitoral “acirrada” e interpreta que os rebeldes de junho “se robusteceram” ao não perderem tempo com reuniões, escolha de líderes e discussões sobre estratégias. A espontânea agilidade foi o seu trunfo. Atual membro do Comitê Assessor Acadêmico do Clube de Madri (criado em 2002 para promover a democracia no mundo), Lamounier concedeu entrevista a ZH, por e-mail. Ele chama a atenção para o que chama, em um eco de Nelson Rodrigues, de “Imponderável de Almeida”, o ente sobrenatural que representa a indignação dos brasileiros.
Zero Hora – Que tipo de eleições se pode esperar para 2014, a partir dos megaprotestos de junho de 2013 e dos questionamentos atuais às obras da Copa do Mundo?
Bolívar Lamounier – Vamos ter uma eleição aberta e acirrada. Dilma começa com uma vantagem muito grande nas pesquisas, quanto a isso não há dúvida. E não se faz de rogada quando se trata de usar o gasto público e a máquina do Estado com o objetivo de se reeleger. Lembro, no entanto, que ela não venceu com folga o segundo turno de 2010, quando a economia estava muito mais forte e não havia uma onda de protestos como a atual. Com todos os desgastes sofridos, a oposição levou o pleito para o segundo turno e foi bem votada. Esquematicamente, podemos portanto afirmar que a campanha começará com três peças relevantes no tabuleiro. Primeiro, Dilma Rousseff, contando com a máquina do Estado e uma ampla aliança governista. A oposição, agora ampliada, com Aécio Neves pelo PSDB e Eduardo Campos pelo PSB. E o “Imponderável de Almeida”, representado pelo descontentamento geral, com uma indignação muito grande contra os gastos da Copa e com a economia rateando a olhos vistos.
ZH – Quais as vantagens, legítimas e ilegítimas, do atual governo?
Lamounier – Entre as legítimas, estar na presidência é em si uma grande vantagem; ter o apoio do Lula e do PT, é outra grande vantagem; ter um eleitorado cativo no Nordeste e no Norte, graças ao bolsa-família, outra vantagem importante. Entre as ilegítimas, a gastança, que é real, e o lançamento de novos programas na base do SPP – “Se Pegar, Pegou”. Tudo somado, a presidente tem uma rampa de lançamento em torno de 35%, o que parece imbatível à primeira vista.
ZH – E como qualifica a oposição?
Lamounier – Faz anos que o PSDB é duramente criticado por certas parcelas da classe média (basta olhar as redes sociais) que não o consideram suficientemente oposicionista, avaliam que Aécio Neves não tem “carisma” e discordam do cronograma: acham que a campanha já devia estar na rua. Tudo isso mereceria ser discutido, mas vamos ao essencial: o PSDB começa com um índice de intenções de voto que mal chega à metade da rampa da Dilma. Ainda assim, convém lembrar que as três últimas eleições foram para o segundo turno. Em 2010, o José Serra fez uma campanha muito ruim, mas Dilma não venceu o segundo turno com folga.
ZH – Os movimentos que foram às ruas em junho podem influenciar nas eleições?
Lamounier – As manifestações iniciadas em junho nada tiveram a ver com o PT. Ao contrário, foram contra ele em grande parte. Em alguns casos, os manifestantes hostilizaram os petistas e rasgaram bandeiras do partido. Se voltarem por ocasião da Copa, os protestos serão certamente autônomos. Não se deixarão dominar pelo PT, até porque o seu alvo será o governo Dilma, responsável por esses gastos absurdos: essa absoluta distorção de prioridades que a Fifa impôs ao país.
ZH – Esses movimentos conseguirão se articular ou são forças esparsas?
Lamounier – É verdade que os protestos de junho-julho não tiveram uma liderança nem objetivos bem definidos. Mas, naquele caso em especial, isso não foi um fator de enfraquecimento, ao contrário, foi de robustecimento. Se vários grupos se sentassem à mesa para definir objetivos e escolher líderes, teriam gasto meses nisso, e as manifestações não teriam acontecido. Sem esquecer que os líderes teriam constituído um alvo fácil para o PT, que trataria de desqualificá-los. O PT bateria o bumbo dizendo que eles não representavam ninguém, que tinham objetivos políticos escusos e por aí afora.
ZH – Poderia ser diferente em 2014?
Lamounier – Não sei, vamos ver. Em princípio, eu acho que não vai ser muito diferente.
ZH – O brasileiro estaria desencantado com a política e as eleições?
Lamounier – O tema do desencanto retorna a cada ano eleitoral, mas, na hora H, os eleitores comparecem e votam. O envolvimento popular poderia ser melhor, mais intenso? É claro que poderia, mas também é verdade que nós analisamos esse assunto numa ótica muito idealizada, imaginando um padrão de civismo e participação que não existe em parte alguma do mundo.
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