O Estado de S.Paulo 19 de fevereiro de 2014 | 2h 10
OPINIÃO
Tido como o mais ponderado dos ministros da linha de frente do governo Dilma Rousseff, o titular das Comunicações, Paulo Bernardo, encarnou a beligerância com que a presidente reage costumeiramente quando se sente contrariada. Confrontado, numa entrevista a este jornal, publicada domingo, com a realidade ofuscante da insatisfação do empresariado com o Planalto, o ministro retrucou de bate-pronto: "Empresário ficar fazendo beicinho não dá". Um viajante recém-chegado de Marte não poderia ser criticado se imaginasse, diante desse enunciado desdenhoso, que a economia nacional está bombando e que o setor choraminga porque é de seu feitio, qualquer que seja o governo de turno.
Não bastasse a canelada, Bernardo ainda reduziu o descrédito da presidente nos meios empresariais a uma rusga conjugal que pode ser superada com uma boa conversa. "Temos de melhorar o relacionamento. Só isso", diagnosticou. E, numa bizarra mistura de burocratês com psicologia de esquina, prescreveu: "É preciso fazer uma boa DR com os empresários e ouvir". Saibam os capitães da indústria e do agronegócio, além do público em geral, que, na sintaxe bernardina, DR significa "discutir a relação". À parte a falta de senso do ridículo, vá o ministro chamar para o equivalente a uma terapia de grupo o presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Passos.
Ele e a entidade que chefia podem ser tudo, menos opositores do Estado como indutor do crescimento econômico. No domingo anterior, também em entrevista a este jornal, o insuspeito Passos provocou ondas de choque ao declarar, singelamente, que a confiança dos seus colegas no governo "acabou". Ou vá o ministro sugerir o mesmo ao usineiro Maurílio Biagi Filho que, dias atrás, refugou o convite para ser o vice do candidato do PT ao governo paulista, Alexandre Padilha. "É difícil ganhar a eleição em São Paulo com o agronegócio ruim", disse na presença do mentor da candidatura, o ex-presidente Lula. "O problema é causado pela política do governo federal e não adianta mais promessa."
Bernardo ainda poderia testar a poção mágica da "DR" junto ao presidente do Moinho Pacífico, Lawrence Pih, ligado ao PT até o mensalão. "Não adiantam só palavras", aponta. Ele demanda "ações concretas" para conter a "desindustrialização". A expressão remonta aos anos Collor quando os beneficiários da reserva de mercado entraram em polvorosa com a abertura da economia. Voltou à tona contra a política de rigor fiscal de Fernando Henrique. Eram falsos alarmes. Mas a atual derrocada da indústria se traduz em evidências incontestáveis - que, entre outros estragos políticos, obrigaram Dilma a nomear um interino para a Pasta do Desenvolvimento, à falta de líderes empresariais interessados.
Há muito mais no governo, além do impróprio "beicinho" do ministro das Comunicações e de sua fé na "DR". As ideias, digamos assim, que circulam no centro do poder contêm material suficiente para uma versão dilmista do Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago. Conforme o Estado noticiou, a presidente estaria querendo criar um fórum empresarial voltado para a campanha da reeleição para tentar neutralizar as críticas do setor, amplificadas pela oposição. Cada um fica livre para imaginar o calibre e os efeitos desse novo Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social criado em 2003 e que ainda precisa dizer a que veio. É certo, de todo modo, que o fórum será mais uma câmara de eco para Dilma.
A certidão de batismo desse ente seria um documento em que ela proclamaria os seus compromissos com o soerguimento da indústria, à maneira da Carta ao Povo Brasileiro do candidato Lula em 2002 - como se o empresariado precisasse de compromissos em vez de atos que, já não sem tempo, façam sentido. E estes não virão, a menos que, por um sortilégio, a presidente se transfigure. Boa parte do seu fracasso na economia se explica pelo caráter errático de suas decisões, ao sabor da vontade da hora. Some-se a isso o vezo autoritário, donde o déficit de audição de Dilma, e o resultado só pode ser o ceticismo dos agentes econômicos. Se algo faltava, era a acusação de fazerem beicinho.
OPINIÃO
Tido como o mais ponderado dos ministros da linha de frente do governo Dilma Rousseff, o titular das Comunicações, Paulo Bernardo, encarnou a beligerância com que a presidente reage costumeiramente quando se sente contrariada. Confrontado, numa entrevista a este jornal, publicada domingo, com a realidade ofuscante da insatisfação do empresariado com o Planalto, o ministro retrucou de bate-pronto: "Empresário ficar fazendo beicinho não dá". Um viajante recém-chegado de Marte não poderia ser criticado se imaginasse, diante desse enunciado desdenhoso, que a economia nacional está bombando e que o setor choraminga porque é de seu feitio, qualquer que seja o governo de turno.
Não bastasse a canelada, Bernardo ainda reduziu o descrédito da presidente nos meios empresariais a uma rusga conjugal que pode ser superada com uma boa conversa. "Temos de melhorar o relacionamento. Só isso", diagnosticou. E, numa bizarra mistura de burocratês com psicologia de esquina, prescreveu: "É preciso fazer uma boa DR com os empresários e ouvir". Saibam os capitães da indústria e do agronegócio, além do público em geral, que, na sintaxe bernardina, DR significa "discutir a relação". À parte a falta de senso do ridículo, vá o ministro chamar para o equivalente a uma terapia de grupo o presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Passos.
Ele e a entidade que chefia podem ser tudo, menos opositores do Estado como indutor do crescimento econômico. No domingo anterior, também em entrevista a este jornal, o insuspeito Passos provocou ondas de choque ao declarar, singelamente, que a confiança dos seus colegas no governo "acabou". Ou vá o ministro sugerir o mesmo ao usineiro Maurílio Biagi Filho que, dias atrás, refugou o convite para ser o vice do candidato do PT ao governo paulista, Alexandre Padilha. "É difícil ganhar a eleição em São Paulo com o agronegócio ruim", disse na presença do mentor da candidatura, o ex-presidente Lula. "O problema é causado pela política do governo federal e não adianta mais promessa."
Bernardo ainda poderia testar a poção mágica da "DR" junto ao presidente do Moinho Pacífico, Lawrence Pih, ligado ao PT até o mensalão. "Não adiantam só palavras", aponta. Ele demanda "ações concretas" para conter a "desindustrialização". A expressão remonta aos anos Collor quando os beneficiários da reserva de mercado entraram em polvorosa com a abertura da economia. Voltou à tona contra a política de rigor fiscal de Fernando Henrique. Eram falsos alarmes. Mas a atual derrocada da indústria se traduz em evidências incontestáveis - que, entre outros estragos políticos, obrigaram Dilma a nomear um interino para a Pasta do Desenvolvimento, à falta de líderes empresariais interessados.
Há muito mais no governo, além do impróprio "beicinho" do ministro das Comunicações e de sua fé na "DR". As ideias, digamos assim, que circulam no centro do poder contêm material suficiente para uma versão dilmista do Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago. Conforme o Estado noticiou, a presidente estaria querendo criar um fórum empresarial voltado para a campanha da reeleição para tentar neutralizar as críticas do setor, amplificadas pela oposição. Cada um fica livre para imaginar o calibre e os efeitos desse novo Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social criado em 2003 e que ainda precisa dizer a que veio. É certo, de todo modo, que o fórum será mais uma câmara de eco para Dilma.
A certidão de batismo desse ente seria um documento em que ela proclamaria os seus compromissos com o soerguimento da indústria, à maneira da Carta ao Povo Brasileiro do candidato Lula em 2002 - como se o empresariado precisasse de compromissos em vez de atos que, já não sem tempo, façam sentido. E estes não virão, a menos que, por um sortilégio, a presidente se transfigure. Boa parte do seu fracasso na economia se explica pelo caráter errático de suas decisões, ao sabor da vontade da hora. Some-se a isso o vezo autoritário, donde o déficit de audição de Dilma, e o resultado só pode ser o ceticismo dos agentes econômicos. Se algo faltava, era a acusação de fazerem beicinho.
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