ZERO HORA 12 de dezembro de 2014 | N° 18011
ALOYZIO ACHUTTI
Está tão na moda a apropriação indébita do que não é seu, que a gente se pergunta: será somente uma falha moral numa espécie que naturalmente respeita o que não lhe pertence, ou seria uma característica instintiva que a civilização teima em controlar? Se consequência de comportamento mórbido compulsivo, receberia um nome mais sofisticado – cleptomania – mas, pela frequência, estaríamos frente a uma epidemia...
Há quem queira justificar o comportamento como uma estratégia virtuosa de redistribuir a riqueza, atingir mais rapidamente nobres objetivos, ou facilitar o acesso ao poder para corrigir as desigualdades.Elucubrações à parte, o que nos deixa inseguros e incomoda é roubalheira, ladroagem, furto, subtração, assalto, apropriação indébita, saque, rapto, propina, desvio, fraude, ocultação, abafa, mentira, corrupção, formação de cartel, consultorias de mentirinha, concussão, ou peculato – seja por que motivo for.
Como, para guri, roubar era mais feio do que mentir, meu pai, para evitar esses pecadilhos muito comuns, dizia: “Quem mente rouba”. Os dois vêm juntos ou se confundem. Quem mente está roubando a verdade do outro, e para não ser pego é preciso ocultar e mentir enquanto der, ou enquanto não for mais compensador recorrer à delação premiada. Como coisa que possa merecer recompensa: o delator traiu a sociedade que roubou e depois trai seus comparsas. Nossa salvação está na briga de bandidos.
Frente ao crime organizado, à predação em matilha, ao uso do aparelho do Estado e de recursos sofisticados destinados ao desenvolvimento social, ao aproveitamento de posições privilegiadas na hierarquia do poder para fraudar, é difícil até classificar o ladrão de galinhas e o punguista, que se expõem geralmente sozinhos para produzir malfeitos (como ficou na moda dizer).
As desculpas das artimanhas de mercado, das necessidades para gastos de campanha e da propaganda – não raro exagerada, se não enganosa – contribuem para banalizar tais desvios de comportamento. Não há mais reduto isento ou local sagrado, cada um precisa se cuidar e ajudar a organizar sistemas de vigilância e controle social. Estamos sendo roubados pelos impostos, nas taxas bancárias, nos salários, nos preços dos artigos e serviços mais necessários, nos medicamentos, nos custos de assistência à saúde, no financiamento dos custos de guerra e conflitos (mesmo que distantes), através de projetos com fachada de ajuda humanitária, até no Banco do Vaticano...
Se não for como sequela de períodos de fome em que a humanidade teve que se defender de qualquer forma, acumulando para fugir da penúria, estou seriamente preocupado que nossa espécie tenha herdado algum gene de rato ou de animais predadores...
Médico
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