ZERO HORA 19 de outubro de 2014 | N° 17957
CAROLINA BAHIA e GUILHERME MAZUI RBS BRASÍLIA
ELEIÇÕES 2014. EX-PRESIDENTES EM AÇÃO
DISPUTA PRESIDENCIAL virou um duelo paralelo de padrinhos. A sexta polarização entre PT e PSDB contrapõe dois modelos,personificados nas figuras de Lula e Fernando Henrique Cardoso. Como ocorrera em 2010, Lula é o grande cabo eleitoral de Dilma Rousseff. Já FH tem a imagem resgatada, após ajudar a viabilizara candidatura deAécio Neves. Para os ex-presidentes, eleger o afilhado também significa defender o próprio legado político.
Fernando Henrique Cardoso está afastado do horário eleitoral, não é visto em caminhadas ou palanques, faz poucas aparições públicas ao lado de Aécio Neves (PSDB), mas grava vídeos que circulam nas redes sociais. Aos 83 anos, é um padrinho decisivo nos bastidores.
Apesar do emprego ainda comedido de sua presença, o ex-presidente vive um processo de “resgate”, em especial quando se fala no Plano Real e no controle da inflação. Estratégia que o coordenador da campanha de Aécio, senador José Agripino (DEM-RN), garante não ser “deliberada”.
– Fernando Henrique é citado porque nos orgulha muito – diz.
O receio de que o eleitor recorde de temas como apagão e desemprego alto manteve o grão-tucano “adormecido” nas últimas eleições, e ainda exige atenção no uso de sua imagem. Contudo, diferentemente de José Serra e Geraldo Alckmin, que evitaram se vincular a FH na disputa pela Presidência, Aécio elogia com frequência o padrinho.
Embora já fosse conhecido pelo mercado como senador e ex-governador de Minas Gerais, Aécio foi levado pessoalmente pelo ex-presidente a encontros com o empresariado. O prestígio do sociólogo que governou o Brasil de 1995 a 2002, período de estabilização da economia, foi decisivo para o candidato conquistar o coração do sistema financeiro.
Ao contrário de Serra, Aécio aceitou ser apadrinhado e correspondeu à ajuda recuperando o governo FH e o Plano Real. Foi assim na terça-feira, durante o debate da Band. Quando Dilma Rousseff criticou descuidos tucanos com a meta da inflação, o senador rebateu.
– Candidata, tenho a impressão de que muitas vezes a senhora olha para mim e enxerga o presidente Fernando Henrique. Me sinto honrado – disse. – Quando o presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu o governo, a inflação era de 916% ao ano. Ela chegou a 7%, e aumentou para 12% depois da eleição do presidente Lula.
FERNANDO HENRIQUE TEM EVITADO LINHA DE FRENTE
FH teve três participações fundamentais na campanha de Aécio. A primeira foi em 2013, quando abençoou publicamente a candidatura. A manifestação, de acordo com lideranças tucanas, emprestou credibilidade aos primeiros passos do senador, elevado à presidência nacional do partido.
A segunda intervenção veio no conselho para o afilhado solidificar a aliança com o PSDB paulista, inclusive com o senador Aloysio Nunes no posto de vice na chapa. Antigas rixas, como a mágoa de Serra e a má vontade de Alckmin, foram abafadas pela composição. Agora, o senador e governador eleitos são cabos eleitorais de luxo do mineiro em São Paulo.
O terceiro auxílio foi o contato direto com Marina Silva. Em setembro, quando Aécio parecia liquidado com o crescimento da candidata, FH chegou a titubear, pensou em abrir espaço para a ambientalista. Porém, continuou participando de reuniões para viabilizar a reação. Após orientar um tom ameno contra a rival, conselho ignorado com êxito, FH recebeu Marina em seu apartamento, em São Paulo, neste segundo turno.
– É um homem de bastidores. O papel de FH é de articulador e de conselheiro – resume o senador Paulo Bauer (PSDB-SC).
Ao contrário de Lula, FH evita a linha de frente. O próprio Bauer, candidato ao governo catarinense, usou no horário eleitoral um antigo vídeo do ex-presidente. Sem tempo para realizar uma gravação exclusiva, foi autorizado a utilizar a imagem defasada.
Por sua agenda externa, FH nem sempre está disponível para ajudar na campanha. Nas últimas semanas, contudo, o tucano dedica tempo para gravações. Em vídeos, faz a defesa do seu governo e rebate ataques petistas. Disse que “Lula mentiu” ao afirmar que ele teria criticado os nordestinos por votar em Dilma. Pelo WhatsApp, circula depoimento de FH com adesivo de Aécio no peito e discurso vibrante:
– Chegou a hora de nós termos orgulho do que nós fizemos e do que nós somos.
Pela geografia, o padrinho anda distante da afilhada. Ele viaja para um lado, ela para outro. O que não significa que estejam separados. A imagem de Lula na campanha é ostensiva. Aquece a militância, está no jingle, em santinhos. Prestes a completar 69 anos, o ex-presidente continua como o principal cabo eleitoral de Dilma Rousseff.
Fiador da vitória de sua ministra em 2010, Lula intensifica a participação no horário eleitoral na véspera do segundo turno. Na TV ou na rua, mantém as falas de defesa ao PT e ataque ao PSDB. Uma presença massiva reforçada por pesquisas. Na quarta-feira passada, o Datafolha apontou o ex-presidente como o padrinho com maior potencial de transferir votos para o afilhado, trunfo utilizado pelo sagaz marqueteiro João Santana.
A aposta indica que a popularidade e o carisma do metalúrgico que governou o Brasil entre 2003 e 2010, período marcado por avanços na área social, poderão resgatar valiosos votos de indecisos e cristalizar a simpatia de quem já está com um pé na reeleição de Dilma.
– Lula e Dilma, FH e Aécio representam dois países diferentes. O nosso com emprego, mas igual para todos – diz Miguel Rossetto, um dos coordenadores da campanha.
Com a disputa ideológica em voga, a fusão dos índices de Lula e Dilma faz parte da estratégia desde o início da corrida ao Planalto. Se a candidata tem números baixos nos assentamentos da reforma agrária, a saída foi somar as duas gestões, empacotando 12 anos de governo petista. Outros temas seguiram esta lógica, com dados divulgados na TV, sites e debates, como o da Band, na última terça-feira.
– A educação é prioridade no meu governo. Se considerar eu e o presidente Lula, nós triplicamos o valor gasto na educação. Da creche à pós-graduação – disse Dilma.
LULA VOLTOU A VIAJAR PELO BRASIL E ATACAR AÉCIO
Apesar das imagens associadas, chamou atenção ao final do primeiro turno a ausência do ex-presidente no pronunciamento que a candidata fez em Brasília. Petistas negam qualquer mal-estar e reforçam que os dois conversam diariamente por telefone.
Na prática, porém, Dilma isolou o grupo do padrinho e escalou seus nomes para o comando real da campanha: Rossetto e Aloizio Mercadante. Presidente do PT e próximo a Lula, Rui Falcão ficou com a missão de responder pelo partido, em especial as acusações, a exemplo do envolvimento do tesoureiro, João Vaccari Neto, com os desvios na Petrobras.
– Isso é como Tarso e Olívio, nos velhos tempos. O que existia era uma briga de assessores – afirma um interlocutor de Mercadante.
De fato, com as limitações de quem superou o tratamento de um câncer, o ex-presidente mudou a estratégia de atuação em 2014. Se há quatro anos dominava cada passo da afilhada, agora, anda mais sozinho. As viagens apartadas integram a divisão de tarefas.
– Faz mais sentido que cada um visite locais diferentes para reforçar a defesa de um projeto de Brasil – diz o deputado Henrique Fontana (PT-RS), líder do governo na Câmara.
Depois de descansar da maratona do primeiro turno, Lula voltou a pegar a ponte aérea. No meio da semana, o petista saiu em roteiro solo pelo Pará, Acre, Amazonas e Minas. Um roteiro no ataque, sem poupar Aécio Neves.
– Como uma pessoa se recusa a fazer um teste do bafômetro e diz que vai governar com decência e competência? Palavras são fáceis de dizer. Difícil é ter caráter – bradou.
Apesar da popularidade, Lula já amargou derrotas nesta eleição, a maior em São Paulo. Ex-ministro de Dilma, Alexandre Padilha foi escolhido pelo ex-presidente e carregado pela mão em portas de fábricas e palanques, mas de nada adiantou: o tucano Geraldo Alckmin se reelegeu no primeiro turno. Petistas históricos, no entanto, se negam a admitir que o ícone do partido “perdeu a mão”.
– Lula não se abate, está mais vivo do que nunca. Espere para ver o resultado do segundo turno – afirma o presidente do PT gaúcho, Ary Vanazzi.
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