ZERO HORA 10/04/2015 | 04h03
por Carlos Rollsing
Projetos de Sartori seguem uma incógnita após 100 dias no Piratini. Início da gestão foi marcada por discussões sobre aperto nas contas para enfrentar déficit
Nos cem primeiros dias de governo, Sartori foi assíduo na abertura de feiras e eventos, como a Vindima, em Bento Gonçalves Foto: Porthus Junior / Agencia RBS
Eleito sob a desconfiança de que não tinha propostas, sentimento reforçado por suas evasivas nos debates e entrevistas, o governador José Ivo Sartori chega ao centésimo dia à frente do Piratini com o freio de mão puxado. Suas medidas mais significativas foram dois decretos para reduzir despesas.
A crise financeira, que trouxe consigo a ameaça de atraso de salários, foi praticamente a única nota tocada. Somente oito projetos pouco expressivos foram enviados à Assembleia, a bandeira prioritária do governo não foi apresentada e Sartori, entre silêncio e frases poucos esclarecedoras, segue enigmático.
Dois grupos se destacam na análise sobre os cem dias. O primeiro, que inclui oposicionistas, sindicalistas e peemedebistas descontentes, entende que o governo ainda está perdido, sem saber o que fazer para driblar as dificuldades impostas pela situação financeira deficitária.
O segundo, integrado por aliados e líderes empresariais, acredita que o período inicial foi utilizado para um profundo diagnóstico e preparação de medidas de reforma fiscal. Os defensores dessa tese apontam, ainda, que o comportamento de Sartori, agregado à caravana criada para espalhar pelo Estado os relatos sobre a falta de dinheiro, são parte de uma estratégia para obter apoio da população e pressionar os deputados estaduais a aprovarem medidas amargas de ajuste de contas.
— É um governo que ainda não disse à sociedade a que veio. Até agora, só se esgaçou a questão financeira, dizendo que não tem como pagar — avalia um prócer
peemedebista.
Internamente, também é feita a avaliação de que o Piratini cometeu “barbeiragens políticas” que renderam polêmica e desgaste. Por entenderem que as medidas de corte poderiam ser tomadas sem a necessidade de alarmismo, alguns aliados acreditam que Sartori criou uma armadilha para si ao assinar os dois decretos determinando cortes no orçamento e prorrogação do pagamento de dívidas herdadas.
No calor dos contingenciamentos, pelo menos três episódios contrapuseram a teoria e a prática e trouxeram constrangimento. O mais relevante foi o caso dos salários. Enquanto diminuía o policiamento nas ruas pelo corte de horas extras, Sartori sancionou os reajustes aprovados em 2014 pela Assembleia para carreiras do topo de Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público.
Com a péssima repercussão, ele e o vice-governador José Paulo Cairoli voltaram atrás e abriram mão da remuneração majorada. As polêmicas foram potencializadas por terem ocorrido em momento de discurso de caos financeiro. Ficou o desgaste político.
Foram nomeados 910 professores
Entre os aliados, existe a crença de que Sartori traçou o planejamento e está determinado a deixar uma situação financeira mais saudável como herança.
— Ele age estrategicamente. A crise existe, é fato, mas ele está levando isso ao limite para criar o clima necessário à apresentação e à aprovação de propostas amargas. Quem tira o governador para bobo está muito equivocado — assegura um deputado do PMDB.
Líder do governo na Assembleia, Alexandre Postal (PMDB) ressalta a típica cautela de Sartori, reforça o discurso de dramaticidade das contas — segundo ele, nem os aliados do ex-governador Tarso Genro sabiam que o cenário é tão desolador, com previsão de déficit de R$ 5,4 bilhões em 2015 —, mas garante a existência de rumo.
— Ainda não está concluído o que vai ser feito, mas o plano existe. Provavelmente não serão medidas das mais simpáticas. Simpático foi o que o PT fez, criou um monte de cargos e deixou a situação caótica do jeito que está. Podem não gostar, mas ele vai colocar a primeira semente para mudar a situação fiscal do Estado — diz Postal, que destaca, entre as ações do governo, a nomeação de 910 professores no início do ano letivo, sendo 540 concursados.
As futuras propostas, focadas no aumento de receita, serão enviadas à Assembleia a partir de maio. Postal já teria avisado que a elevação da alíquota de ICMS é a única medida sem chance de ser aprovada no parlamento. Ele argumenta que a renegociação da dívida com a União, que o governo federal tenta empurrar para 2016, definirá o grau de rigidez das medidas.
Se sair o acordo, o Estado irá recuperar sua capacidade de contrair empréstimos, o que tornará a situação menos drástica. Neste ponto, Postal rebate a crítica de que Sartori não estaria se articulando e pressionando suficientemente a presidente Dilma Rousseff:
— A maioria gostaria que Sartori fosse no gabinete da Dilma para tirar uma foto. Mas não precisa falar as coisas publicamente. Tu achas que ele foi na colheita do arroz do MST só para ser vaiado (militantes do movimento, em maioria simpatizantes do PT, vaiaram Sartori na cerimônia)? Não era público para ele, estava tudo montado, mas o Sartori foi porque conversou com Dilma. Eles se falam bastante.
No núcleo do Piratini, cercado pelos secretários Carlos Burigo (Geral de Governo), Giovani Feltes (Fazenda) e Márcio Biolchi (Casa Civil), as relações são consideradas boas. Os atritos ocorrem quando Sartori julga que alguém falou demais à imprensa. Feltes tem sido o mais destacado, com experiência de três mandatos como prefeito e boa oratória, é o que mais costuma confrontar o governador com opiniões e apontamentos.
Por vezes, chega a assumir indiretamente as funções de chefe da Casa Civil, no vácuo da atuação tímida de Biolchi. Burigo, o mais próximo de Sartori, é fiel ao estilo do governador: quanto menos for notado, melhor.
Mesmo antes de assumir o governo, Sartori já se mostrava evasivo em relação aos seus projetos para o Estado. Confira abaixo a entrevista concedida pelo então candidato ao quadro La Urna, de Zero Hora:
O que pode vir por aí
O Piratini considera que já avançou ao limite no corte das despesas. Com os dois decretos, a estimativa é economizar R$ 1,6 bilhão. Ainda assim, ante o déficit de R$ 5,4 bilhões, restarão R$ 3,8 bilhões para serem cobertos em 2015. Para Sartori, a única saída é o aumento de receita. Projetos de lei tratando da elevação da arrecadação devem começar a ser enviados à Assembleia em maio.
Técnicos do governo fizeram estudos e listaram cerca de 30 propostas que poderão gerar crescimento da arrecadação como forma de fazer frente à crise. Entre as principais propostas, estão temas polêmicos:
— Venda de 49% do Banrisul Seguros.
— Aumento da alíquota geral de ICMS de 17% para 18%, o que entraria em vigor somente em 2016.
— Demissão de mais de mil funcionários da Emater contratados sob o regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que torna mais fácil o desligamento.
— Revisão de incentivos fiscais concedidos a empresas privadas.
— Aumento do limite de saques da conta dos depósitos judiciais de 85% para 90%. Atualmente, não há margem para novas tomadas de recursos, o que seria revertido com a ampliação do teto.
— Vender títulos no mercado para negociar créditos que o Piratini tem a receber de grandes empresas beneficiadas por incentivos fiscais. Seria uma antecipação de receita.
por Carlos Rollsing
Projetos de Sartori seguem uma incógnita após 100 dias no Piratini. Início da gestão foi marcada por discussões sobre aperto nas contas para enfrentar déficit
Nos cem primeiros dias de governo, Sartori foi assíduo na abertura de feiras e eventos, como a Vindima, em Bento Gonçalves Foto: Porthus Junior / Agencia RBS
Eleito sob a desconfiança de que não tinha propostas, sentimento reforçado por suas evasivas nos debates e entrevistas, o governador José Ivo Sartori chega ao centésimo dia à frente do Piratini com o freio de mão puxado. Suas medidas mais significativas foram dois decretos para reduzir despesas.
A crise financeira, que trouxe consigo a ameaça de atraso de salários, foi praticamente a única nota tocada. Somente oito projetos pouco expressivos foram enviados à Assembleia, a bandeira prioritária do governo não foi apresentada e Sartori, entre silêncio e frases poucos esclarecedoras, segue enigmático.
Dois grupos se destacam na análise sobre os cem dias. O primeiro, que inclui oposicionistas, sindicalistas e peemedebistas descontentes, entende que o governo ainda está perdido, sem saber o que fazer para driblar as dificuldades impostas pela situação financeira deficitária.
O segundo, integrado por aliados e líderes empresariais, acredita que o período inicial foi utilizado para um profundo diagnóstico e preparação de medidas de reforma fiscal. Os defensores dessa tese apontam, ainda, que o comportamento de Sartori, agregado à caravana criada para espalhar pelo Estado os relatos sobre a falta de dinheiro, são parte de uma estratégia para obter apoio da população e pressionar os deputados estaduais a aprovarem medidas amargas de ajuste de contas.
— É um governo que ainda não disse à sociedade a que veio. Até agora, só se esgaçou a questão financeira, dizendo que não tem como pagar — avalia um prócer
peemedebista.
Internamente, também é feita a avaliação de que o Piratini cometeu “barbeiragens políticas” que renderam polêmica e desgaste. Por entenderem que as medidas de corte poderiam ser tomadas sem a necessidade de alarmismo, alguns aliados acreditam que Sartori criou uma armadilha para si ao assinar os dois decretos determinando cortes no orçamento e prorrogação do pagamento de dívidas herdadas.
No calor dos contingenciamentos, pelo menos três episódios contrapuseram a teoria e a prática e trouxeram constrangimento. O mais relevante foi o caso dos salários. Enquanto diminuía o policiamento nas ruas pelo corte de horas extras, Sartori sancionou os reajustes aprovados em 2014 pela Assembleia para carreiras do topo de Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público.
Com a péssima repercussão, ele e o vice-governador José Paulo Cairoli voltaram atrás e abriram mão da remuneração majorada. As polêmicas foram potencializadas por terem ocorrido em momento de discurso de caos financeiro. Ficou o desgaste político.
Foram nomeados 910 professores
Entre os aliados, existe a crença de que Sartori traçou o planejamento e está determinado a deixar uma situação financeira mais saudável como herança.
— Ele age estrategicamente. A crise existe, é fato, mas ele está levando isso ao limite para criar o clima necessário à apresentação e à aprovação de propostas amargas. Quem tira o governador para bobo está muito equivocado — assegura um deputado do PMDB.
Líder do governo na Assembleia, Alexandre Postal (PMDB) ressalta a típica cautela de Sartori, reforça o discurso de dramaticidade das contas — segundo ele, nem os aliados do ex-governador Tarso Genro sabiam que o cenário é tão desolador, com previsão de déficit de R$ 5,4 bilhões em 2015 —, mas garante a existência de rumo.
— Ainda não está concluído o que vai ser feito, mas o plano existe. Provavelmente não serão medidas das mais simpáticas. Simpático foi o que o PT fez, criou um monte de cargos e deixou a situação caótica do jeito que está. Podem não gostar, mas ele vai colocar a primeira semente para mudar a situação fiscal do Estado — diz Postal, que destaca, entre as ações do governo, a nomeação de 910 professores no início do ano letivo, sendo 540 concursados.
As futuras propostas, focadas no aumento de receita, serão enviadas à Assembleia a partir de maio. Postal já teria avisado que a elevação da alíquota de ICMS é a única medida sem chance de ser aprovada no parlamento. Ele argumenta que a renegociação da dívida com a União, que o governo federal tenta empurrar para 2016, definirá o grau de rigidez das medidas.
Se sair o acordo, o Estado irá recuperar sua capacidade de contrair empréstimos, o que tornará a situação menos drástica. Neste ponto, Postal rebate a crítica de que Sartori não estaria se articulando e pressionando suficientemente a presidente Dilma Rousseff:
— A maioria gostaria que Sartori fosse no gabinete da Dilma para tirar uma foto. Mas não precisa falar as coisas publicamente. Tu achas que ele foi na colheita do arroz do MST só para ser vaiado (militantes do movimento, em maioria simpatizantes do PT, vaiaram Sartori na cerimônia)? Não era público para ele, estava tudo montado, mas o Sartori foi porque conversou com Dilma. Eles se falam bastante.
No núcleo do Piratini, cercado pelos secretários Carlos Burigo (Geral de Governo), Giovani Feltes (Fazenda) e Márcio Biolchi (Casa Civil), as relações são consideradas boas. Os atritos ocorrem quando Sartori julga que alguém falou demais à imprensa. Feltes tem sido o mais destacado, com experiência de três mandatos como prefeito e boa oratória, é o que mais costuma confrontar o governador com opiniões e apontamentos.
Por vezes, chega a assumir indiretamente as funções de chefe da Casa Civil, no vácuo da atuação tímida de Biolchi. Burigo, o mais próximo de Sartori, é fiel ao estilo do governador: quanto menos for notado, melhor.
Mesmo antes de assumir o governo, Sartori já se mostrava evasivo em relação aos seus projetos para o Estado. Confira abaixo a entrevista concedida pelo então candidato ao quadro La Urna, de Zero Hora:
O que pode vir por aí
O Piratini considera que já avançou ao limite no corte das despesas. Com os dois decretos, a estimativa é economizar R$ 1,6 bilhão. Ainda assim, ante o déficit de R$ 5,4 bilhões, restarão R$ 3,8 bilhões para serem cobertos em 2015. Para Sartori, a única saída é o aumento de receita. Projetos de lei tratando da elevação da arrecadação devem começar a ser enviados à Assembleia em maio.
Técnicos do governo fizeram estudos e listaram cerca de 30 propostas que poderão gerar crescimento da arrecadação como forma de fazer frente à crise. Entre as principais propostas, estão temas polêmicos:
— Venda de 49% do Banrisul Seguros.
— Aumento da alíquota geral de ICMS de 17% para 18%, o que entraria em vigor somente em 2016.
— Demissão de mais de mil funcionários da Emater contratados sob o regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que torna mais fácil o desligamento.
— Revisão de incentivos fiscais concedidos a empresas privadas.
— Aumento do limite de saques da conta dos depósitos judiciais de 85% para 90%. Atualmente, não há margem para novas tomadas de recursos, o que seria revertido com a ampliação do teto.
— Vender títulos no mercado para negociar créditos que o Piratini tem a receber de grandes empresas beneficiadas por incentivos fiscais. Seria uma antecipação de receita.
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