REVISTA ISTO É N° Edição: 2369 | 26.Abr.15 - 10:22
Ao sancionar projeto que triplica a verba destinada aos partidos, Dilma mostra novamente que o ajuste fiscal não se aplica ao governo e aos políticos
Josie Jeronimo
Uma canetada da presidente Dilma Rousseff, na segunda-feira 20, expôs o abismo existente entre os interesses da classe política e os anseios da sociedade. Num momento em que os brasileiros se esforçam para pagar a fatura da irresponsabilidade fiscal de mandatos anteriores, os políticos e dirigentes partidários – avalizados pelo governo – mostraram, na última semana, que tipo de contribuição eles estão dispostos a dar para disciplinar as desordenadas contas do País: nenhuma. No caminho oposto ao ajuste fiscal anunciado pelo Planalto, triplicaram a verba pública anualmente destinada a eles mesmos. Assim, os recursos do chamado Fundo Partidário pularam de R$ 289,5 milhões em 2014 para R$ 867,5 milhões este ano. O aumento de quase 200% concedido ao Fundo Partidário mostra que, ao ceder à vontade dos políticos, o governo se afasta de suas declaradas prioridades. Apesar de o mote do segundo mandato de Dilma ser “Pátria Educadora”, o orçamento da Educação cresceu módicos 8% em relação ao ano passado. Já as verbas para o Ministério do Transporte e a rubrica de Segurança Pública foram reduzidas em 6% e 7%, respectivamente. Sem dinheiro para investir e com a economia estacionada, a equipe econômica ainda terá de anunciar novos cortes em áreas fins para arcar com a farra partidária. A decisão de Dilma de aprovar o reajuste aos partidos na atual circunstância política e econômica foi duramente criticada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. “A presidente fez o que havia de pior. Ela sanciona o Fundo Partidário, com aumento muito grande, e desde logo anuncia que vai contingenciar (recursos para outros setores). Ela sem dúvida nenhuma escolheu a pior solução”, afirmou.
DESCOLADA DA SOCIEDADE
Enquanto reajusta repasse aos partidos, Dilma reduz verba para a Segurança Pública
A extravagância em benefício dos partidos traduz uma estratégia essencial para a sobrevivência do PT e para a governabilidade da presidente, que depende da boa relação com sua base de apoio no Congresso para fazer o governo andar. Pela regra em vigor, cinco por cento dos R$ 867,5 milhões serão divididos em partes iguais entre todas as siglas, até para as que não têm representação no Congresso. Os outros 95% são distribuídos, proporcionalmente, de acordo com o número de votos que o partido recebeu na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Todos os partidos ganharão. E muito. Por isso, o trabalho de bastidor dos dirigentes partidários para que a presidente sancionasse o aumento. Mas a maior pressão partiu do PT. Por dois motivos. Este foi o pulo do gato para instituir, de forma compulsória, uma antiga bandeira da sigla: o financiamento público de campanha. E ela veio num momento oportuno para o PT. Com a imagem destroçada perante a opinião pública devido ao envolvimento no escândalo do Petrolão, o partido se comprometeu publicamente há duas semanas a suspender o recebimento de doações de empresas. Ocorre que essa decisão atingiria em cheio as finanças da legendas, se não fosse o aumento do Fundo Partidário. O reajuste sancionado pela presidente Dilma significará um aporte de R$ 88,9 milhões para o PT. Em 2014, a legenda recebeu R$ 50,3 milhões de fundo partidário, o equivalente a 16% do total. Agora, o PT é donatário de pelo menos R$ 139,2 milhões da soma reservada aos partidos no orçamento de 2015. O valor se aproxima do montante que o PT deixará de arrecadar com as doações de pessoas jurídicas. Em 2013, ano não eleitoral, as empresas contribuíram com R$ 79,7 milhões para o PT. Agora, graças ao aumento no Fundo Partidário, por ter a maior bancada da Câmara, a sigla poderá ter mais quatro anos de folga no caixa. Além dos dirigentes do PT, caciques das maiores legendas também comemoram a entrada do dinheiro extra. O PMDB, como segunda maior bancada, recebeu R$ 35,9 milhões no ano passado, e pelo novo orçamento terá direito a R$ 99,4 milhões. Em terceiro no ranking de bancadas na Câmara, o PSDB saltará de R$ 33,9 milhões para R$ 94 milhões. Até o PCO, que não tem representante na Casa, terá o seu naco aumentado. O dinheiro destinado ao partido pulará de R$ 514 mil para R$ 1,4 milhão.
Quando foi regulamentado, em 1995, o Fundo Partidário tinha o objetivo de custear aluguel de sedes, pagamento de funcionários e de material de escritório. Esse perfil de despesas, porém, foi incrementado e atualmente a verba do Fundo banca todo tipo de mordomias. Como os recursos são públicos, mas os partidos políticos são entidades de direito privado, a prestação de contas resume-se a informar se as despesas são maiores ou iguais à receita arrecadada, pois se sobrar dinheiro, é preciso devolver. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, para quem o reajuste aprovado por Dilma foi um “escárnio”, colocou mais lenha nessa fogueira, semana passada: “São R$ 900 milhões para partidos políticos. Procure saber em detalhes como essa montanha de dinheiro é gerida pelos caciques partidários”, criticou.
Para entender como funciona a contabilidade dos partidos, ISTOÉ debruçou-se sobre a prestação de contas entregues à Justiça Eleitoral. Alguns partidos detalham gastos nas planilhas de apresentação ao TSE, outros são bem sucintos. O balanço de caixa mostra que o dinheiro público está sendo usado para custear uma gigantesca máquina política de hábitos nada austeros. No ano passado, só com o pagamento de empresas de vigilância o PT gastou R$ 1 milhão. As convenções partidárias da sigla - encontros destinados a escolher os candidatos que disputariam cargos majoritários - custaram R$ 4,4 milhões.
Os regalos que cercam a vida dos parlamentares no Congresso se repetem na rotina partidária do PMDB. Em 2014, saíram do caixa da sigla recursos para pagar conta de R$ 15,1 mil em uma famosa churrascaria em Brasília, R$ 30,4 mil para uma casa de bebidas, R$ 3,5 mil em frutas e R$ 1 mil em biscoitos mineiros. Em 2013, o fretamento de jatinhos custou R$ 198 mil. No mesmo ano, só com serviços fotográficos foram gastos R$ 93 mil. Despesas com ornamentação, lavanderia, confraternizações e, até mesmo, pedágios, engrossam o inventário de notas fiscais encaminhadas à Justiça Eleitoral para explicar a aplicação dos recursos públicos. As despesas com advogados também ocupam grande parte da planilha. Em 2013, ano sem disputas eleitorais, o pequeno PHS informou pagamento de R$ 432 mil em honorários advocatícios. Outro gasto genérico, muito comum nas prestações de contas, é a despesa “com fim doutrinário”. O PP, partido sem tradição de militância, informou ter aplicado R$ 5,2 milhões, em 2013, com o objetivo de difundir sua ideologia entre os seus 1,4 milhão de filiados. O fluxo dos recursos segue uma dinâmica de poder. Na maioria das legendas, o dinheiro fica concentrado nas mãos da cúpula do partido, fortalecendo o sistema de caciques. “O Fundo vai para a cúpula. É óbvio que os presidentes dos partidos vão beneficiar os amigos. Isso tira a igualdade da competição interna”, critica o líder do PSC na Câmara, deputado André Moura (SE).
Em setembro de 1995, a lei que regulamentou a ajuda da União aos partidos tinha o objetivo de incentivar a representatividade. À época, o cálculo era de R$ 0,35 em repasse por eleitor inscrito. O valor seria corrigido pelo Índice Geral de Preços (IGP-DI), o mesmo aplicado em reajustes de alugueis. O aporte aceito por Dilma para as legendas, porém, subverteu a lei. Se fosse aplicada a regra de atualização expressa na lei 9096, cada eleitor representaria um repasse de R$ 1,62, totalizando R$ 231 milhões aos partidos. Os R$ 867,5 milhões autorizados por Dilma revelam que cada contribuinte equivale a R$ 6 de doação para as legendas políticas.
Na quinta-feira 23, o relator do Orçamento 2015, senador Romero Jucá (PMDB-RR), usou a tribuna para revelar a pressão que sofreu pela inclusão de mais verba para os partidos no projeto inicial. “Fui procurado pela grande maioria dos partidos políticos. Todos apavorados. Não havia recursos para que os partidos pudessem funcionar neste ano”, explicou. Querendo ganhar pontos com o eleitorado, a direção do PMDB foi a única a defender a devolução de “parte dos recursos como forma de colaborar com o esforço de corte de gastos” promovido pelo governo, mas não deu detalhes sobre o possível estorno. As demais legendas se calaram. Em público. Em privado, já acertam como se refestelarão com incremento de dinheiro que sai dos impostos do contribuinte.
Fotos: EVARISTO SA/AFP Photo; ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO
Ao sancionar projeto que triplica a verba destinada aos partidos, Dilma mostra novamente que o ajuste fiscal não se aplica ao governo e aos políticos
Josie Jeronimo
Uma canetada da presidente Dilma Rousseff, na segunda-feira 20, expôs o abismo existente entre os interesses da classe política e os anseios da sociedade. Num momento em que os brasileiros se esforçam para pagar a fatura da irresponsabilidade fiscal de mandatos anteriores, os políticos e dirigentes partidários – avalizados pelo governo – mostraram, na última semana, que tipo de contribuição eles estão dispostos a dar para disciplinar as desordenadas contas do País: nenhuma. No caminho oposto ao ajuste fiscal anunciado pelo Planalto, triplicaram a verba pública anualmente destinada a eles mesmos. Assim, os recursos do chamado Fundo Partidário pularam de R$ 289,5 milhões em 2014 para R$ 867,5 milhões este ano. O aumento de quase 200% concedido ao Fundo Partidário mostra que, ao ceder à vontade dos políticos, o governo se afasta de suas declaradas prioridades. Apesar de o mote do segundo mandato de Dilma ser “Pátria Educadora”, o orçamento da Educação cresceu módicos 8% em relação ao ano passado. Já as verbas para o Ministério do Transporte e a rubrica de Segurança Pública foram reduzidas em 6% e 7%, respectivamente. Sem dinheiro para investir e com a economia estacionada, a equipe econômica ainda terá de anunciar novos cortes em áreas fins para arcar com a farra partidária. A decisão de Dilma de aprovar o reajuste aos partidos na atual circunstância política e econômica foi duramente criticada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. “A presidente fez o que havia de pior. Ela sanciona o Fundo Partidário, com aumento muito grande, e desde logo anuncia que vai contingenciar (recursos para outros setores). Ela sem dúvida nenhuma escolheu a pior solução”, afirmou.
DESCOLADA DA SOCIEDADE
Enquanto reajusta repasse aos partidos, Dilma reduz verba para a Segurança Pública
A extravagância em benefício dos partidos traduz uma estratégia essencial para a sobrevivência do PT e para a governabilidade da presidente, que depende da boa relação com sua base de apoio no Congresso para fazer o governo andar. Pela regra em vigor, cinco por cento dos R$ 867,5 milhões serão divididos em partes iguais entre todas as siglas, até para as que não têm representação no Congresso. Os outros 95% são distribuídos, proporcionalmente, de acordo com o número de votos que o partido recebeu na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Todos os partidos ganharão. E muito. Por isso, o trabalho de bastidor dos dirigentes partidários para que a presidente sancionasse o aumento. Mas a maior pressão partiu do PT. Por dois motivos. Este foi o pulo do gato para instituir, de forma compulsória, uma antiga bandeira da sigla: o financiamento público de campanha. E ela veio num momento oportuno para o PT. Com a imagem destroçada perante a opinião pública devido ao envolvimento no escândalo do Petrolão, o partido se comprometeu publicamente há duas semanas a suspender o recebimento de doações de empresas. Ocorre que essa decisão atingiria em cheio as finanças da legendas, se não fosse o aumento do Fundo Partidário. O reajuste sancionado pela presidente Dilma significará um aporte de R$ 88,9 milhões para o PT. Em 2014, a legenda recebeu R$ 50,3 milhões de fundo partidário, o equivalente a 16% do total. Agora, o PT é donatário de pelo menos R$ 139,2 milhões da soma reservada aos partidos no orçamento de 2015. O valor se aproxima do montante que o PT deixará de arrecadar com as doações de pessoas jurídicas. Em 2013, ano não eleitoral, as empresas contribuíram com R$ 79,7 milhões para o PT. Agora, graças ao aumento no Fundo Partidário, por ter a maior bancada da Câmara, a sigla poderá ter mais quatro anos de folga no caixa. Além dos dirigentes do PT, caciques das maiores legendas também comemoram a entrada do dinheiro extra. O PMDB, como segunda maior bancada, recebeu R$ 35,9 milhões no ano passado, e pelo novo orçamento terá direito a R$ 99,4 milhões. Em terceiro no ranking de bancadas na Câmara, o PSDB saltará de R$ 33,9 milhões para R$ 94 milhões. Até o PCO, que não tem representante na Casa, terá o seu naco aumentado. O dinheiro destinado ao partido pulará de R$ 514 mil para R$ 1,4 milhão.
Quando foi regulamentado, em 1995, o Fundo Partidário tinha o objetivo de custear aluguel de sedes, pagamento de funcionários e de material de escritório. Esse perfil de despesas, porém, foi incrementado e atualmente a verba do Fundo banca todo tipo de mordomias. Como os recursos são públicos, mas os partidos políticos são entidades de direito privado, a prestação de contas resume-se a informar se as despesas são maiores ou iguais à receita arrecadada, pois se sobrar dinheiro, é preciso devolver. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, para quem o reajuste aprovado por Dilma foi um “escárnio”, colocou mais lenha nessa fogueira, semana passada: “São R$ 900 milhões para partidos políticos. Procure saber em detalhes como essa montanha de dinheiro é gerida pelos caciques partidários”, criticou.
Para entender como funciona a contabilidade dos partidos, ISTOÉ debruçou-se sobre a prestação de contas entregues à Justiça Eleitoral. Alguns partidos detalham gastos nas planilhas de apresentação ao TSE, outros são bem sucintos. O balanço de caixa mostra que o dinheiro público está sendo usado para custear uma gigantesca máquina política de hábitos nada austeros. No ano passado, só com o pagamento de empresas de vigilância o PT gastou R$ 1 milhão. As convenções partidárias da sigla - encontros destinados a escolher os candidatos que disputariam cargos majoritários - custaram R$ 4,4 milhões.
Os regalos que cercam a vida dos parlamentares no Congresso se repetem na rotina partidária do PMDB. Em 2014, saíram do caixa da sigla recursos para pagar conta de R$ 15,1 mil em uma famosa churrascaria em Brasília, R$ 30,4 mil para uma casa de bebidas, R$ 3,5 mil em frutas e R$ 1 mil em biscoitos mineiros. Em 2013, o fretamento de jatinhos custou R$ 198 mil. No mesmo ano, só com serviços fotográficos foram gastos R$ 93 mil. Despesas com ornamentação, lavanderia, confraternizações e, até mesmo, pedágios, engrossam o inventário de notas fiscais encaminhadas à Justiça Eleitoral para explicar a aplicação dos recursos públicos. As despesas com advogados também ocupam grande parte da planilha. Em 2013, ano sem disputas eleitorais, o pequeno PHS informou pagamento de R$ 432 mil em honorários advocatícios. Outro gasto genérico, muito comum nas prestações de contas, é a despesa “com fim doutrinário”. O PP, partido sem tradição de militância, informou ter aplicado R$ 5,2 milhões, em 2013, com o objetivo de difundir sua ideologia entre os seus 1,4 milhão de filiados. O fluxo dos recursos segue uma dinâmica de poder. Na maioria das legendas, o dinheiro fica concentrado nas mãos da cúpula do partido, fortalecendo o sistema de caciques. “O Fundo vai para a cúpula. É óbvio que os presidentes dos partidos vão beneficiar os amigos. Isso tira a igualdade da competição interna”, critica o líder do PSC na Câmara, deputado André Moura (SE).
Em setembro de 1995, a lei que regulamentou a ajuda da União aos partidos tinha o objetivo de incentivar a representatividade. À época, o cálculo era de R$ 0,35 em repasse por eleitor inscrito. O valor seria corrigido pelo Índice Geral de Preços (IGP-DI), o mesmo aplicado em reajustes de alugueis. O aporte aceito por Dilma para as legendas, porém, subverteu a lei. Se fosse aplicada a regra de atualização expressa na lei 9096, cada eleitor representaria um repasse de R$ 1,62, totalizando R$ 231 milhões aos partidos. Os R$ 867,5 milhões autorizados por Dilma revelam que cada contribuinte equivale a R$ 6 de doação para as legendas políticas.
Na quinta-feira 23, o relator do Orçamento 2015, senador Romero Jucá (PMDB-RR), usou a tribuna para revelar a pressão que sofreu pela inclusão de mais verba para os partidos no projeto inicial. “Fui procurado pela grande maioria dos partidos políticos. Todos apavorados. Não havia recursos para que os partidos pudessem funcionar neste ano”, explicou. Querendo ganhar pontos com o eleitorado, a direção do PMDB foi a única a defender a devolução de “parte dos recursos como forma de colaborar com o esforço de corte de gastos” promovido pelo governo, mas não deu detalhes sobre o possível estorno. As demais legendas se calaram. Em público. Em privado, já acertam como se refestelarão com incremento de dinheiro que sai dos impostos do contribuinte.
Fotos: EVARISTO SA/AFP Photo; ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO
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