REVISTA VEJA 19/04/2015 - EDIÇÃO 2422
Por: Marcela Mattos, de Brasília
Da indicação de nomes para o STF à limitação do total de ministérios para vinte, cresce a lista de textos que, se aprovados, enfraquecerão ainda mais a petista
Cunha e Renan: Congresso rebelde tem em pauta projetos para enfraquecer ainda mais o Planalto(Ueslei Marcelino/Reuters)
Imersa na pior crise política de seu governo, a presidente Dilma Rousseff tem perdido cada vez mais poder para o Congresso - em especial, para o PMDB. Enquanto se esvazia a força política da petista, começam a avançar no Parlamento projetos por anos engavetados e que, se aprovados, vão na prática destituir Dilma de atribuições do Planalto. Da indicação de nomes para o Supremo Tribunal Federal à limitação do total de ministérios, cresce a lista de textos em análise no Congresso que poderão enfraquecer ainda mais a presidente (confira abaixo). Com as presidências da Câmara e do Senado ocupadas pelos imprevisíveis peemedebistas Eduardo Cunha (RJ) e Renan Calheiros (AL), as Casas têm se movimentado para, cada vez mais, esvaziar a força do Planalto.
A rebeldia do Parlamento não é exclusividade do novo governo da petista. Mas, agora, as investidas são ainda mais profundas. Por exemplo: enquanto Renan envia o recado de que o Senado pode derrubar a indicação de Luiz Edson Fachin para o Supremo Tribunal Federal (STF), o líder peemedebista Eunício Oliveira (CE) trabalha para emplacar projeto, de autoria de Blairo Maggi (PR-MT), que fixa um prazo de 90 dias para a indicação dos magistrados na corte, sob a ameaça de o Senado avocar essa responsabilidade caso o período não seja cumprido. Dilma demorou mais de oito meses para escolher o substituto de Joaquim Barbosa, o que travou julgamentos e levou o ex-advogado do PT José Dias Toffoli a assumir a turma que vai julgar o petrolão.
Em outra frente, a Câmara mira a prerrogativa exclusiva do presidente da República de indicar os ministros do STF. Na última quinta-feira, foi instalada a comissão especial que estuda dividir essa competência com o Congresso: a ideia seria alternar as indicações entre o Planalto e o Parlamento ou entre o presidente, a Câmara, o Senado e o próprio STF. Está previsto um prazo inicial de cerca de três meses para a análise da matéria.
"Antes da presidente, é função do Parlamento apresentar projetos e propostas. São temas antigos e que estavam engavetados há anos. Não quero discutir razões ou se é ou não uma atitude para enfrentar Dilma, mas é fato que o Legislativo está passando por um momento de produção. Como a presidente e o poder Executivo estão fragilizados e o Congresso, forte, temos de aproveitar momentos. Política é isso. É a nossa hora de mostrar serviço", afirma o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), um dos mais próximos do presidente Eduardo Cunha. "É uma reação dessa Casa. A relação com o governo passou a ser promíscua. E aquilo que deveria ser autônomo, independente e harmonioso, não existe mais na relação. Os poderes do governo são exagerados", completa o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT).
Na esteira do ajuste fiscal, o PMDB, um dos principais beneficiados no loteamento de cargos na Esplanada, agora defende a redução de ministérios: quer enxugar as pastas de 38 para vinte. Na última quinta, às vésperas de Henrique Alves (PMDB) tomar posse no Ministério do Turismo, o partido negociava a aprovação da matéria na Comissão de Constituição e Justiça. A ideia - outra investida de Eduardo Cunha - é alterar artigo da Constituição que diz que "A lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública" e incluir a previsão de que o número não poderá "exceder a vinte". Petistas tentam convencer os parlamentares que a matéria é inconstitucional por ferir artigo da carta que determina que a criação e extinção de ministérios são iniciativas do presidente da República.
"O Congresso tem funcionado de forma mais independente. Isso é fruto do momento em que o Executivo se encontra fragilizado e as instituições têm que continuar. Não pode parar o país", diz o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ). "Os que são contrários à redução de ministérios têm tentado embaralhar as coisas. A proposta não mitiga a previsão da presidente de organizar o governo. Caberá a ela fazer a distribuição, mas haverá um parâmetro que não poderá ser ultrapassado. Mais grave que a crise do governo, é a crise econômica do país", acrescentou.
Acuada, Dilma se viu obrigada a fazer um afago ao presidente da Câmara: convidou Cunha, na última quinta-feira, para um jantar a sós no Palácio da Alvorada para apaziguar a relação. Ela sabe que, à frente da Câmara, o peemedebista tem poder de complicar ainda mais sua vida política. Está nas mãos dele, por exemplo, dar prosseguimento ao projeto de instalação do parlamentarismo no Brasil. Na prática, o que já vem ocorrendo em Brasília.
Congresso x Planalto
Foto: Nelson Jr./STF/Divulgação
1. Mudança no critério de indicação de ministros do STF
A Câmara instalou na última quarta-feira a comissão especial que vai discutir projeto que altera os critérios de indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Atualmente, a competência é exclusiva da presidência da República. Pelo texto, apresentado em 2001, a escolha dos magistrados seria alternada entre o Congresso e a presidência. Tramitam em conjunto com essa proposta outras seis matérias que modificam o formato de seleção dos ministros do STF, como a que determina que, dos onze membros da suprema corte, cinco serão escolhidos pelo presidente da República, dois pela Câmara dos Deputados, dois pelo Senado e dois pelo próprio STF.
Foto: Orlando Brito/VEJA)
2. Redução de ministérios
Mesmo após a transferência do vice-presidente Michel Temer para a articulação política do governo – iniciativa tomada por Dilma como uma forma de pacificar suas bases, e, principalmente, o PMDB -, o projeto que enxuga a quantidade de ministérios no governo da presidente Dilma Rousseff, passando de 38 para vinte pastas, continua na agenda prioritária do presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A proposta, apresentada em 2013, aguarda uma definição na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que discute se é inconstitucional ou não limitar a vinte a criação de ministérios – prerrogativa exclusiva da presidente, conforme determina a Constituição. Deputados governistas argumentam que o projeto é uma invasão entre os poderes, mas o peemedebista segue firme na proposta que, se aprovada, vai cortar à metade o loteamento do governo no alto escalão – um dos principais instrumentos para a manutenção de uma base ampla e fiel. Curiosamente, o PMDB é hoje um dos principais beneficiados na Esplanada, com sete ministérios.
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters/VEJA
3. Autonomia do Banco Central
Um dos temas mais discutidos durante a campanha eleitoral, a autonomia do Banco Central voltou a ganhar força no final de março, quando o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sugeriu a proposta ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A matéria tira do presidente da República a iniciativa de demitir ou nomear dirigentes a qualquer momento, e estabelece a fixação de um mandato no cargo. Na prática, a autonomia do Bacen manteria a instituição preservada de pressões políticas e com liberdade para perseguir medidas, como meta de inflação, sem a interferência do Executivo.
4. Mudança na tramitação de medidas provisórias
O Congresso tenta mudar as regras na tramitação das medidas provisórias, formato de norma legislativa que deveria ser usado pelo Planalto somente em questões emergenciais, mas que vem sendo reiteradamente adotado, o que leva ao acúmulo de matérias oriundas do Executivo. Pela Constituição, uma MP entra em vigor desde a edição e perde eficácia se não for aprovada em até 60 dias – prazo que pode ser prorrogado pelo mesmo período. Conforme as regras atuais, as medidas provisórias trancam a pauta caso não sejam votadas em 45 dias. A proposta em análise amplia esse prazo, impedindo as votações no plenário da Câmara somente 70 dias depois da apresentação da MP, e vinte dias no Senado. Outra mudança é a obrigatoriedade de análise da admissibilidade da matéria na Comissão de Constituição e Justiça. Atualmente, as MPs passam por uma comissão mista.
5. Orçamento Impositivo
O Congresso promulgou em março a emenda constitucional que institui o chamado Orçamento Impositivo, que torna obrigatória a execução e liberação das emendas parlamentares, dinheiro que congressistas têm direito para injetar em obras em suas bases eleitorais. A medida pôs fim a um dos principais instrumentos de chantagem do governo para viabilizar votações importante: o recurso era liberado após a garantia de votação conforme os interesses do governo. Em uma via de mão dupla, deputados e senadores também paralisavam a apreciação de projetos se não recebessem garantias da liberação dos recursos.
6. Parlamentarismo
Em meio à ingovernabilidade da presidente Dilma Rousseff, o Congresso aos poucos volta a discutir a instalação do parlamentarismo no país. A proposta é encampada pela oposição – na última quinta-feira, o presidente nacional do PSDB, Aécio Neves, anunciou posição favorável à medida, classificando-a como um regime mais “estável e avançado”. Aos poucos, a ala mais rebelde do PMDB também tenta reavivar a matéria. Para que ela avance, é necessária a instalação de uma comissão especial para discutir o tema.
Por: Marcela Mattos, de Brasília
Da indicação de nomes para o STF à limitação do total de ministérios para vinte, cresce a lista de textos que, se aprovados, enfraquecerão ainda mais a petista
Cunha e Renan: Congresso rebelde tem em pauta projetos para enfraquecer ainda mais o Planalto(Ueslei Marcelino/Reuters)
Imersa na pior crise política de seu governo, a presidente Dilma Rousseff tem perdido cada vez mais poder para o Congresso - em especial, para o PMDB. Enquanto se esvazia a força política da petista, começam a avançar no Parlamento projetos por anos engavetados e que, se aprovados, vão na prática destituir Dilma de atribuições do Planalto. Da indicação de nomes para o Supremo Tribunal Federal à limitação do total de ministérios, cresce a lista de textos em análise no Congresso que poderão enfraquecer ainda mais a presidente (confira abaixo). Com as presidências da Câmara e do Senado ocupadas pelos imprevisíveis peemedebistas Eduardo Cunha (RJ) e Renan Calheiros (AL), as Casas têm se movimentado para, cada vez mais, esvaziar a força do Planalto.
A rebeldia do Parlamento não é exclusividade do novo governo da petista. Mas, agora, as investidas são ainda mais profundas. Por exemplo: enquanto Renan envia o recado de que o Senado pode derrubar a indicação de Luiz Edson Fachin para o Supremo Tribunal Federal (STF), o líder peemedebista Eunício Oliveira (CE) trabalha para emplacar projeto, de autoria de Blairo Maggi (PR-MT), que fixa um prazo de 90 dias para a indicação dos magistrados na corte, sob a ameaça de o Senado avocar essa responsabilidade caso o período não seja cumprido. Dilma demorou mais de oito meses para escolher o substituto de Joaquim Barbosa, o que travou julgamentos e levou o ex-advogado do PT José Dias Toffoli a assumir a turma que vai julgar o petrolão.
Em outra frente, a Câmara mira a prerrogativa exclusiva do presidente da República de indicar os ministros do STF. Na última quinta-feira, foi instalada a comissão especial que estuda dividir essa competência com o Congresso: a ideia seria alternar as indicações entre o Planalto e o Parlamento ou entre o presidente, a Câmara, o Senado e o próprio STF. Está previsto um prazo inicial de cerca de três meses para a análise da matéria.
"Antes da presidente, é função do Parlamento apresentar projetos e propostas. São temas antigos e que estavam engavetados há anos. Não quero discutir razões ou se é ou não uma atitude para enfrentar Dilma, mas é fato que o Legislativo está passando por um momento de produção. Como a presidente e o poder Executivo estão fragilizados e o Congresso, forte, temos de aproveitar momentos. Política é isso. É a nossa hora de mostrar serviço", afirma o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), um dos mais próximos do presidente Eduardo Cunha. "É uma reação dessa Casa. A relação com o governo passou a ser promíscua. E aquilo que deveria ser autônomo, independente e harmonioso, não existe mais na relação. Os poderes do governo são exagerados", completa o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT).
Na esteira do ajuste fiscal, o PMDB, um dos principais beneficiados no loteamento de cargos na Esplanada, agora defende a redução de ministérios: quer enxugar as pastas de 38 para vinte. Na última quinta, às vésperas de Henrique Alves (PMDB) tomar posse no Ministério do Turismo, o partido negociava a aprovação da matéria na Comissão de Constituição e Justiça. A ideia - outra investida de Eduardo Cunha - é alterar artigo da Constituição que diz que "A lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública" e incluir a previsão de que o número não poderá "exceder a vinte". Petistas tentam convencer os parlamentares que a matéria é inconstitucional por ferir artigo da carta que determina que a criação e extinção de ministérios são iniciativas do presidente da República.
"O Congresso tem funcionado de forma mais independente. Isso é fruto do momento em que o Executivo se encontra fragilizado e as instituições têm que continuar. Não pode parar o país", diz o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ). "Os que são contrários à redução de ministérios têm tentado embaralhar as coisas. A proposta não mitiga a previsão da presidente de organizar o governo. Caberá a ela fazer a distribuição, mas haverá um parâmetro que não poderá ser ultrapassado. Mais grave que a crise do governo, é a crise econômica do país", acrescentou.
Acuada, Dilma se viu obrigada a fazer um afago ao presidente da Câmara: convidou Cunha, na última quinta-feira, para um jantar a sós no Palácio da Alvorada para apaziguar a relação. Ela sabe que, à frente da Câmara, o peemedebista tem poder de complicar ainda mais sua vida política. Está nas mãos dele, por exemplo, dar prosseguimento ao projeto de instalação do parlamentarismo no Brasil. Na prática, o que já vem ocorrendo em Brasília.
Congresso x Planalto
Foto: Nelson Jr./STF/Divulgação
1. Mudança no critério de indicação de ministros do STF
A Câmara instalou na última quarta-feira a comissão especial que vai discutir projeto que altera os critérios de indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Atualmente, a competência é exclusiva da presidência da República. Pelo texto, apresentado em 2001, a escolha dos magistrados seria alternada entre o Congresso e a presidência. Tramitam em conjunto com essa proposta outras seis matérias que modificam o formato de seleção dos ministros do STF, como a que determina que, dos onze membros da suprema corte, cinco serão escolhidos pelo presidente da República, dois pela Câmara dos Deputados, dois pelo Senado e dois pelo próprio STF.
Foto: Orlando Brito/VEJA)
2. Redução de ministérios
Mesmo após a transferência do vice-presidente Michel Temer para a articulação política do governo – iniciativa tomada por Dilma como uma forma de pacificar suas bases, e, principalmente, o PMDB -, o projeto que enxuga a quantidade de ministérios no governo da presidente Dilma Rousseff, passando de 38 para vinte pastas, continua na agenda prioritária do presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A proposta, apresentada em 2013, aguarda uma definição na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que discute se é inconstitucional ou não limitar a vinte a criação de ministérios – prerrogativa exclusiva da presidente, conforme determina a Constituição. Deputados governistas argumentam que o projeto é uma invasão entre os poderes, mas o peemedebista segue firme na proposta que, se aprovada, vai cortar à metade o loteamento do governo no alto escalão – um dos principais instrumentos para a manutenção de uma base ampla e fiel. Curiosamente, o PMDB é hoje um dos principais beneficiados na Esplanada, com sete ministérios.
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters/VEJA
3. Autonomia do Banco Central
Um dos temas mais discutidos durante a campanha eleitoral, a autonomia do Banco Central voltou a ganhar força no final de março, quando o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sugeriu a proposta ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A matéria tira do presidente da República a iniciativa de demitir ou nomear dirigentes a qualquer momento, e estabelece a fixação de um mandato no cargo. Na prática, a autonomia do Bacen manteria a instituição preservada de pressões políticas e com liberdade para perseguir medidas, como meta de inflação, sem a interferência do Executivo.
4. Mudança na tramitação de medidas provisórias
O Congresso tenta mudar as regras na tramitação das medidas provisórias, formato de norma legislativa que deveria ser usado pelo Planalto somente em questões emergenciais, mas que vem sendo reiteradamente adotado, o que leva ao acúmulo de matérias oriundas do Executivo. Pela Constituição, uma MP entra em vigor desde a edição e perde eficácia se não for aprovada em até 60 dias – prazo que pode ser prorrogado pelo mesmo período. Conforme as regras atuais, as medidas provisórias trancam a pauta caso não sejam votadas em 45 dias. A proposta em análise amplia esse prazo, impedindo as votações no plenário da Câmara somente 70 dias depois da apresentação da MP, e vinte dias no Senado. Outra mudança é a obrigatoriedade de análise da admissibilidade da matéria na Comissão de Constituição e Justiça. Atualmente, as MPs passam por uma comissão mista.
5. Orçamento Impositivo
O Congresso promulgou em março a emenda constitucional que institui o chamado Orçamento Impositivo, que torna obrigatória a execução e liberação das emendas parlamentares, dinheiro que congressistas têm direito para injetar em obras em suas bases eleitorais. A medida pôs fim a um dos principais instrumentos de chantagem do governo para viabilizar votações importante: o recurso era liberado após a garantia de votação conforme os interesses do governo. Em uma via de mão dupla, deputados e senadores também paralisavam a apreciação de projetos se não recebessem garantias da liberação dos recursos.
6. Parlamentarismo
Em meio à ingovernabilidade da presidente Dilma Rousseff, o Congresso aos poucos volta a discutir a instalação do parlamentarismo no país. A proposta é encampada pela oposição – na última quinta-feira, o presidente nacional do PSDB, Aécio Neves, anunciou posição favorável à medida, classificando-a como um regime mais “estável e avançado”. Aos poucos, a ala mais rebelde do PMDB também tenta reavivar a matéria. Para que ela avance, é necessária a instalação de uma comissão especial para discutir o tema.
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