O Estado de S.Paulo - 01/06/2012
A travessia foi a aprovação da quebra dos sigilos em âmbito nacional da construtora Delta, a empreiteira preferida do Planalto e do Palácio Guanabara, cujo titular, Sérgio Cabral, é compadre do seu dono e, até bem pouco, administrador, Fernando Cavendish. O que fez girar a maçaneta foi a descoberta do Ministério Público de Goiás de que o então homem forte da empresa no Centro-Oeste, Cláudio Abreu - que formava com Cachoeira e o senador Demóstenes Torres o triângulo de traficâncias traçado pelas escutas da Polícia Federal -, tinha procuração para movimentar uma dezena de contas da matriz, no Rio de Janeiro. De uma delas saíram R$ 39 milhões para firmas fictícias usadas pela organização de Cachoeira.
O passo seguinte da CPMI rumo à sobrevivência foi a decisão de ouvir o governador goiano, Marconi Perillo. Foi para destruí-lo que o ex-presidente Lula incentivou a abertura do inquérito. Em 2005, quando rebentou o escândalo do mensalão, o político tucano tornou público que já o tinha advertido para os rumores da compra de votos na Câmara orquestrada pelo PT. A revelação derrubou a alegação de Lula de que desconhecia a enormidade. De todo modo, não faltavam evidências da proximidade de Perillo com o bicheiro. O seu nome foi citado 237 vezes em conversas profanas de integrantes do esquema Cachoeira. Por exemplo, com a chefe de gabinete do governador, que lhes transmitia fatos sigilosos.
Sem falar no telefonema de parabéns que ele deu ao contraventor, chamando-o de "liderança", e na nebulosa história da casa de Perillo comprada por Cachoeira com dinheiro da Delta. No entanto, a necessária convocação do governador, aprovada anteontem por unanimidade, resultou de um arranjo. Para obter o assentimento da minoria oposicionista do colegiado, o PT teve de aceitar a inclusão na pauta de deliberações da oitiva do companheiro Agnelo Queiroz, titular do governo do Distrito Federal. Ele foi citado em 58 telefonemas grampeados e o seu então chefe de gabinete foi acusado de receber propina para favorecer a Delta em contratos com a administração.
Diferentemente de Perillo, porém, só há registro de um contato pessoal de Agnelo com Cachoeira - quando o atual governador de Brasília, ainda no PC do B, dirigia a Anvisa e este acumulava o negócio da batotagem com a produção de medicamentos. Não seria uma grave omissão da CPI deixar de ouvi-lo, ao menos agora. Mas a convocação passou, por 16 votos a 12, por um motivo alheio ao inquérito:
representantes do PP, PSB, PR, PTB e PSC deram o seu sim para se vingar da presidente Dilma Rousseff pelo atraso na liberação de verbas de emendas parlamentares e no preenchimento de vagas no segundo e terceiro escalões do governo.
Mais uma prova de que a CPI, mesmo quando avança, é uma comissão de interesses partidários, foi o acordo do PMDB com o PT para tentar barrar a oitiva de Agnelo, em troca do apoio petista à não convocação do correligionário Sérgio Cabral, o amigão de Cavendish, da Delta. A convocação do governador foi rejeitada ao final de uma tensa negociação. O PSDB queria que ele fosse chamado, assim como Agnelo, para compensar a convocação de Perillo - um toma lá dá cá ao avesso. Cabral foi poupado por 17 votos a 11. Dos cinco tucanos, três fizeram parte da maioria. Se tivessem se juntado aos outros dois, o resultado seria um empate - e um impasse.
O ponto é que Cabral não aparece em nenhum dos mais de 200 mil grampos da PF. Antes de a CPI mastigar a numeralha dos sigilos quebrados da Delta, não há por que chamá-lo a se explicar.
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