FOLHA.COM 12/08/2013 - 03h30
Raul Cutait
Raul Cutait
A preocupação da presidente Dilma Rousseff em levar serviços médicos a municípios brasileiros desassistidos é louvável.
Porém, a proposta de resolver esse relevante problema da forma como foi encaminhada gerou conflitos entre governo, médicos e suas entidades de classe.
O baixíssimo interesse pelo projeto Mais Médicos demonstra que algo não está bem equacionado.
É fácil entender por que os médicos preferem se instalar em cidades maiores e não em municípios pequenos: oportunidades de trabalho, estilo de vida, escolas para os filhos.
Mas talvez o motivo mais relevante seja o fato de que, após seis anos de faculdade e, eventualmente, mais alguns de residência médica, é pouco estimulante trabalhar em locais onde os conhecimentos e experiência adquiridos serão subutilizados por causa das condições inapropriadas de trabalho.
Creio que não exista solução única para municípios e regiões sem médicos. A aventada contratação de médicos brasileiros ou mesmo estrangeiros, desde que tenham seus diplomas revalidados, com salários estimulantes, por períodos definidos e renováveis e com o aceno de um plano de carreira, à semelhança do que acontece com juízes, é uma opção.
Outra, comentada nos últimos dias, seria a participação de médicos militares, mas já se entendendo que para eles essa será uma missão com tempo limitado.
Uma terceira alternativa, que me parece atraente e que merece ser elaborada, é entregar o atendimento da saúde não a médicos individualizados, mas a faculdades de medicina com programas de residência médica. Os residentes cumpririam parte de seus programas nos locais necessários, supervisionados por docentes que dariam o apoio técnico necessário, até mesmo por teleconferências ou internet.
Essa experiência pode ser marcante para alguns jovens médicos, que podem um dia até se fixar nos locais onde trabalharam, e desinteressante para outros.
Contudo, não trunca o processo de formação dos jovens médicos e, mais ainda, pode ser entendida como uma retribuição ao governo, que paga suas bolsas de residência.
O problema dos municípios desassistidos é importante na área da saúde, nem de longe o único e o maior, mas enseja que se repense o sistema público de saúde, que sobrevive em regime de inanição financeira, sob um modelo de gestão que deixa a desejar.
De fato, se o SUS (Sistema Único de Saúde) fosse uma grande empresa privada, tendo como produto final não o lucro financeiro, mas sim o bom atendimento da saúde da população, ele teria seus acionistas (a população) exigindo de seus diretores executivos (os diversos níveis de governo) medidas que melhorassem seu desempenho e fornecessem resultados mais atraentes.
O exercício do clássico SWOT (pontos fortes, pontos fracos, oportunidades e ameaças) estaria pautando reuniões e reuniões para definir um novo planejamento estratégico, contando com a participação de instituições ligadas à saúde, entidades representativas, gestores de saúde, médicos e políticos, entre outros. Mais ainda, a definição de ações prioritárias e os prazos de implantação seriam cobrados com transparência.
Que não se perca esse momento especial, no qual a população clama por mudanças.
Todos agradecerão.
RAUL CUTAIT, 63, é professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e membro da Academia Nacional de Medicina
*
Porém, a proposta de resolver esse relevante problema da forma como foi encaminhada gerou conflitos entre governo, médicos e suas entidades de classe.
O baixíssimo interesse pelo projeto Mais Médicos demonstra que algo não está bem equacionado.
É fácil entender por que os médicos preferem se instalar em cidades maiores e não em municípios pequenos: oportunidades de trabalho, estilo de vida, escolas para os filhos.
Mas talvez o motivo mais relevante seja o fato de que, após seis anos de faculdade e, eventualmente, mais alguns de residência médica, é pouco estimulante trabalhar em locais onde os conhecimentos e experiência adquiridos serão subutilizados por causa das condições inapropriadas de trabalho.
Creio que não exista solução única para municípios e regiões sem médicos. A aventada contratação de médicos brasileiros ou mesmo estrangeiros, desde que tenham seus diplomas revalidados, com salários estimulantes, por períodos definidos e renováveis e com o aceno de um plano de carreira, à semelhança do que acontece com juízes, é uma opção.
Outra, comentada nos últimos dias, seria a participação de médicos militares, mas já se entendendo que para eles essa será uma missão com tempo limitado.
Uma terceira alternativa, que me parece atraente e que merece ser elaborada, é entregar o atendimento da saúde não a médicos individualizados, mas a faculdades de medicina com programas de residência médica. Os residentes cumpririam parte de seus programas nos locais necessários, supervisionados por docentes que dariam o apoio técnico necessário, até mesmo por teleconferências ou internet.
Essa experiência pode ser marcante para alguns jovens médicos, que podem um dia até se fixar nos locais onde trabalharam, e desinteressante para outros.
Contudo, não trunca o processo de formação dos jovens médicos e, mais ainda, pode ser entendida como uma retribuição ao governo, que paga suas bolsas de residência.
O problema dos municípios desassistidos é importante na área da saúde, nem de longe o único e o maior, mas enseja que se repense o sistema público de saúde, que sobrevive em regime de inanição financeira, sob um modelo de gestão que deixa a desejar.
De fato, se o SUS (Sistema Único de Saúde) fosse uma grande empresa privada, tendo como produto final não o lucro financeiro, mas sim o bom atendimento da saúde da população, ele teria seus acionistas (a população) exigindo de seus diretores executivos (os diversos níveis de governo) medidas que melhorassem seu desempenho e fornecessem resultados mais atraentes.
O exercício do clássico SWOT (pontos fortes, pontos fracos, oportunidades e ameaças) estaria pautando reuniões e reuniões para definir um novo planejamento estratégico, contando com a participação de instituições ligadas à saúde, entidades representativas, gestores de saúde, médicos e políticos, entre outros. Mais ainda, a definição de ações prioritárias e os prazos de implantação seriam cobrados com transparência.
Que não se perca esse momento especial, no qual a população clama por mudanças.
Todos agradecerão.
RAUL CUTAIT, 63, é professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e membro da Academia Nacional de Medicina
*
Nenhum comentário:
Postar um comentário