ZERO HORA 08 de março de 2015 | N° 18095
FLÁVIO TAVARES*
Qualquer artimanha (até as da lei) que esconda o crime será sempre mais perversa do que o crime em si. Se o delito existe, só resta investigá- lo. Entre nós, porém, há privilegiados até em crimes escancarados.
A dúvida sobre se o ministro do Supremo Tribunal Teori Zavascki permitiria ou não revelar os nomes dos 45 políticos envolvidos no escândalo da Petrobras em si mesma é um acinte à nossa condição de país democrático. Se todos “são iguais perante a lei”, como diz a Constituição, por que os parlamentares teriam o privilégio de fugir à lei, tornando-se desiguais em proveito próprio?
Senadores e deputados têm imunidade para exercer o mandato que o povo lhes concedeu. No exercício da função de legislar, podem dizer e fazer o que queiram, pois o mandato não é deles, mas do eleitor. Só para isto são “imunes”. Este é o entendimento universal desde O Espírito das Leis de Montesquieu, de 1748. Se o parlamentar surra a mulher, rouba ou mata, não pode servir-se da “imunidade” para fugir à lei...
No Brasil, os parlamentares usufruem de “foro privilegiado” para todo tipo de crime em que estejam envolvidos. São “desiguais”, ainda que a Lei Maior diga que todos “são iguais”. Assim, é comum que notórios delinquentes busquem chegar ao parlamento para atingir o privilégio do foro e dificultar a aplicação da Justiça.
Agora, jornais, rádios e TV mostraram como o senador Renan Calheiros, do PMDB, presidente do Senado (e do Congresso) se rebelou contra a inclusão de seu nome, e de outros políticos, na lista enviada ao Supremo Tribunal.
A lista do procurador-geral da República é só um pedido de licença para começar a investigar deputados e senadores que aparecem em meio ao inquérito do Ministério Público Federal sobre o conluio entre grandes empresas, doleiros e chefetes da Petrobras. Bastou que o procurador-geral Rodrigo Janot pedisse para investigar os intocáveis para que Renan visse nisso um abuso e, desde então, se insurgisse também contra a presidente Dilma, de quem era frenético seguidor até então.
Pergunto: tenta o presidente do Senado levar a presidente Dilma a interferir na apuração da roubalheira, fazendo o procurador Janot (por ela nomeado) desistir de investigar os parlamentares?
Se assim for, chegamos ao absurdo máximo de ver o presidente de um dos três poderes da República jogando ao lixo a Constituição que devia defender.
O presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, também do PMDB, aparece igualmente na lista. Mais hábil (ou menos ansioso) do que o senador, Cunha disse de público estar “à disposição”, mas a imprensa mostrou seus passos para evitar a difusão da lista dos intocáveis a serem investigados como beneficiários dos roubos.
Temos, ou não, o direito de saber como agem as figuras públicas que, através da política, regem nossas vidas?
Diretores de grandes empresas privadas estão presos, seus nomes e rostos aparecem de público, ao lado de dirigentes da Petrobras, também encarcerados. Idem ibidem no caso de Alberto Youssef e outro doleiro que tornaram conhecida essa insólita “profissão” surgida da fraude. Por que, então, esconder políticos e parlamentares?
Na última semana, o Supremo extinguiu a pena de José Genoino, que agora pode voltar a fazer tudo o que fez na fraude do mensalão. E me indaguei por que a lei, oriunda do parlamento, facilita tudo ao crime. Há pouco, o ex-diretor da Petrobras Renato Duque foi solto por ordem do ministro Teori Zavascki e, depois, o Supremo (por sugestão dele) suspendeu outro pedido de prisão preventiva.
Minha angústia cresceu, então. No caso dos políticos, Zavascki nos garantiria o direito a saber? Ou nos faria regredir (em parte) à ditadura direitista de 1964, em que o “direito de esconder” ocultava a corrupção e tudo mais?
A verdade triunfou e até gaúchos estão na lista.
*Jornalista e escritor
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