ZERO HORA 07 de março de 2015 | N° 18094
por LÉO GERCHMANN*
Vou confessar um pecado: a vaidade. E, pior, vaidade do meu país. Aprendi com Darcy Ribeiro que o traço étnico brasileiro é, paradoxalmente, a ausência desse traço – a diversidade. E isso é lindo! Também aprendi a ter orgulho do meu país ao conhecer as entranhas da América Latina e fazer comparações. Sei que tem um pouco de escárnio nisso, mas, quando Nicolás Maduro conversou com um passarinho médium que teria incorporado o espírito de Hugo Chávez e lhe piara que seguisse adiante, pensei: no Brasil, isso não seria possível. Temos imprensa livre e Judiciário independente. É evidente que o sujeito ou está debochando de todos, ou acredita mesmo que o passarinho lhe transmitiu uma mensagem do líder. Nas duas hipóteses, o quadro é grave.
Naquele mesmo dia, lembrei-me da nossa “Constituição cidadã”. Refleti sobre o luxo de termos, em lados opostos de disputas eleitorais, postulantes com alta sensibilidade social forjados na busca de um país melhor. E pensei em algo que, mais adiante, Pepe Mujica me diria com a voz pausada dos sábios: a democracia sempre está se completando. A democracia perfeita é utopia. Trata-se, em outros termos, de uma permanente construção.
Uma construção que, se tivermos a dimensão da obra, permite-nos compreender a máxima de Stefan Zweig quando nos define como país do futuro. E é isso que peço aos meus concidadãos: seja qual for sua tribo na pluralidade deste país, preserve a construção e acredite no futuro. Desde as capitanias hereditárias, passando pelo cabresto, pela compra de votos e pela venda de consciências, há um jeito de tratar o público como sendo de ninguém – em vez de pertencer à totalidade, como tem de ser. Nessa nossa obra, já tivemos rachaduras, mas tudo desandou quando a opção foram as ditaduras – a rima foi proposital e, sim, é péssima.
Parem de falar em impeachment. Uma cultura democrática vem se consolidando desde antes de 1985. Sigamos nesse rumo. A reforma política é urgente, claro. Pressionemos por ela. Onde já se viu o sujeito financiar campanha eleitoral para depois receber benefícios, mesmo que legais? E as eternas maiorias remuneradas, então?
Civilidade pressupõe regras, e as regras precisam ser respeitadas. Não gosta de Dilma Rousseff? Ora, faça do voto o seu grito. E atenção para os discursos tão inflamados quanto pueris. “O patriotismo é o último refúgio do canalha”, dizia Samuel Johnson. Tem muito canalha por aí pedindo refúgio.
*JORNALISTA, REPÓRTER DE ZERO HORA
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A nossa constituição não tem nada de "cidadã", pois foi "costurada" por benevolências, imunidades, privilégios, estruturas assistemáticas, redação confusa e interesses corporativos, judiciais e políticos. Ao longo do tempo teve dispositivos contraditados, rasgados, incrementados para favorecer, alterados e transformados por mais de 85 emendas. O judiciário na prática não é independente e nem as unidades federativas são autônomas. Os princípios republicanos, democráticos e administrativos nem são observados, pois o que vale são os interesses dos altos cargos, nem um pouco preocupados com o ordenamento jurídico, com a eficiência da justiça ou com os direitos do povo.
Não existe uma cultura democrática, mas uma oligarquia que governa com requintes totalitários e ganância por dinheiro público, transformando o povo em serviçal, analfabeto político e fonte de recursos. Mesmo refém da oligarquia, o povo pode se livrar das amarras para falar e exigir o impeachment de governantes que dão calote no povo, que drenam as riquezas do país, que se elegem pela corrupção e que exercem suas funções contra o povo, mas tudo dentro da lei e das regras da democracia, pois um novo golpe pode colocar a nação de novo sob regime das armas e do sequestro da liberdade.
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