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quinta-feira, 12 de março de 2015

OS IDOS DE MARÇO



ZERO HORA 12 de março de 2015 | N° 18099


DAVID COIMBRA



Existe sorte? José Sarney é homem de sorte. Mas tem talentos também, é inegável. Se você conversar muito tempo com ele, talvez acabe convertido. Trata-se de um tipo agradável, meio bonachão, de boa fala. Um suave intelectual.

Uma vez, o Sarney, ao visitar Porto Alegre, disse que leu alguns de meus livros, e os elogiou. Maldição! Como é que eu ia criticar o Sarney, depois daquilo?

Não, não, do Sarney, hoje, prefiro dizer apenas que é homem de sorte.

Trinta anos atrás, num 15 de março como o que se aproxima, Sarney provou sua sorte.

Quem então não era jovem ou adulto talvez não entenda o que aquela época significou para o Brasil. Onze meses antes, em abril de 84, a população havia se mobilizado para pedir eleições diretas para presidente. Lembro do comício de Porto Alegre. Eu e o Sérgio Lüdtke trabalhávamos na Livraria Sulina. Compramos camisetas amarelas da Hering e escalamos a Borges até a Praça 15 para ver Ulysses, Tancredo e Brizola discursando. A cidade fremia, o Brasil rugia.

Mas depois, no dia da votação, o general Newton Cruz montou num cavalo branco e mandou a soldadesca cercar o Congresso, e a emenda das diretas foi derrubada.

Tudo bem, pelo menos o presidente seria um civil. Os militares haviam decidido se retirar para os quartéis e a eleição se daria dentro do Congresso. Aí, nova ameaça surgiu: Paulo Maluf lançou sua candidatura, e era uma candidatura agressiva, rica, poderosa. Mas a velha raposa mineira, Tancredo Neves, o derrotou de sobejo.

Ufa.

Os idos de março chegaram, enfim. E quem subiu a rampa do Planalto, ao som de trombetas, em vez de Tancredo? Justamente o Sarney! Como assim? Sarney não tinha vindo da velha UDN? Não era o líder da Arena? O interlocutor dos militares?

Era.

Entrou na chapa de Tancredo na última hora e acabou sendo ele o presidente da República.

Enquanto Sarney era empossado, Tancredo agonizava no Hospital de Base. Nós ficávamos esperando os boletins médicos divulgados pelo Antônio Britto, que era o assessor de imprensa de Tancredo. Tancredo melhorou, Tancredo piorou, Tancredo está estável.

Tancredo morreu.

No dia 21 de abril, Britto anunciou a morte de Tancredo e o Brasil inteiro caiu em lágrimas. A TV ficava mostrando aquele caixão carregado por um carro do Corpo de Bombeiros, e tocando Coração de Estudante, do Milton. Foi uma comoção. Uma choradeira.

Não chorei, talvez por cinismo. Não acreditava que Tancredo fosse “salvar” o Brasil, não acreditava e não acredito que algum homem, algum partido ou alguma classe possa “salvar” qualquer país. Nenhum país pode ser “salvo”, na verdade. Nenhum país, jamais, em tempo algum, em qualquer parte do mundo foi “salvo”. Não existem salvadores, protetores dos pobres, defensores dos oprimidos. São todos mentirosos. Todos.

Só existe uma maneira de um país “se salvar”: é pelo cumprimento do acordo social, pela aceitação das regras por toda a comunidade. Pela lei.

Sarney assumiu nos idos de março de 1985. Nos idos de março de 44 a.C., Júlio César levou 23 punhaladas aos pés da estátua de Pompeu. Nos idos de março de 2015, o Brasil sairá às ruas em protesto contra um péssimo governo. O que restará destes idos de março? Seja o que for, espero que esteja dentro da lei. Porque a História já mostrou: com a sorte, nós não podemos contar.

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