ZERO HORA 05 de outubro de 2014 | N° 17943
FLÁVIO TAVARES*
O que é nem sempre é! A coragem a granel dos fanfarrões quase sempre oculta a timidez ou covardia que não se animam a mostrar. Ou os tímidos, de tão tímidos, escondem a coragem. Tudo depende do cristal com que se olha o mundo. Nunca vi, por exemplo, eleições tão acirradas e tão insípidas, sem sabor nem cor, como as deste domingo. Há dois meses, somos bombardeados pela propaganda, como massa de pão sovado, que se bate e soqueia para ficar no ponto e ir ao forno. Ou à urna! A padaria eleitoral de cartazes coloridos, canções e gritos em carros falantes se multiplicou com as promessas dos candidatos invadindo rádio e TV. Mas, quando se pergunta em quem vai votar, o eleitor comum se embaralha e diz que ainda não sabe.
Não sabe porque os candidatos parecem “todos iguais” e não se definem nos grandes temas? Ou o eleitor já escolheu, mas se envergonha de revelar, pela própria insegurança do candidato escolhido, por medo a que lhe apontem as contradições e mentiras? Ou o eleitor se inibe por medo de parecer tão ridículo quanto os que prometem tudo, como se as candidaturas os tornassem magos?
Nem os debates finais, cara a cara pela TV, dirimiram as dúvidas sobre as propostas e diferenças. Para o governo estadual ou a Presidência da República, os “três grandes” prometeram as mesmas dádivas, como se copiassem entre si. Os “nanicos” fizeram o contraponto de uma comédia que, até nos sibilinos desaforos mútuos, só levava a rir.
Ou “a torcer”, como no futebol, pois o voto é obrigatório e votar virou decorar números e apertar o botão.
Os grandes temas estruturais, dos quais depende o futuro, estiveram ausentes. Trataram a educação como se educar fosse distribuir computadores às escolas para ter acesso ao Google sabichão. A moderna educação europeia e norteamericana tem Paulo Freire entre seus guias, mas aqui “a pedagogia do oprimido” é esquecida. Meio ambiente e ecologia são o assunto candente do século 21, do qual dependemos todos, mas ninguém o esmiuçou. O Brasil sediou duas conferências mundiais de Meio Ambiente e se contenta com isto...
No último debate presidencial pela RBS-TV, um dos papeizinhos temáticos do mediador dizia “Mudanças climáticas”, mas nem assim os “três grandes” mencionaram planos para enfrentar o que se avizinha como a grande tragédia do planeta, comparável ao fim do período glacial, há bilhões de anos.
Tudo virou uma soma de artifícios. Após o debate presidencial, passei junto à Ponte de Pedra dos Açorianos, em Porto Alegre. Na iluminada madrugada de lua crescente, a luz era artificial e a água não vinha de rio algum, nem do Arroio Dilúvio, como antigamente. O arroio foi desviado, desemboca reto no Rio Guaíba e a ponte é tão só bela decoração, recordando o começo da cidade.
Estarão os candidatos e as candidaturas se transformando também em decoração, como a Ponte de Pedra?
O que é essa tal de “delação premiada”, que troca a punição de grandes assaltantes por uma tornozeleira, senão um artifício para libertar os criminosos principais?
Indicado pelo PP como diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa desviou mais de R$ 1 bilhão da empresa estatal (25 milhões de dólares para sua conta pessoal na Suíça), mas já está em casa. Em um ano, estará livre mesmo e processará a quem o chame de “ladrão”. O doleiro Youssef, que remeteu bilhões ao Exterior, vai no mesmo caminho.
Premiar o delator é lei votada por senadores e deputados. Alguns, hoje ministros, governadores ou ainda parlamentares, são beneficiários do assalto e, amanhã, delatarão outros, numa sucessão de premiados sempre impunes.
Como água na Ponte de Pedra: só para constar.
*JORNALISTA E ESCRITOR
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