Como substantivo, deforma não está no dicionário, mas cabe para enfatizar riscos envolvidos na discussão sobre a reforma política ora em curso no Congresso. O assunto tem várias dimensões e tratarei do sistema para eleição de deputados e vereadores.
A enorme distância entre eleitores e eleitos é um ingrediente importante da frágil representatividade destes últimos e corrói seriamente as bases de uma democracia. Hoje o contato é muito restrito ao período eleitoral. É como se houvesse políticos-cometas, que só aparecem a cada quatro anos à cata de votos.
E há o alto custo das campanhas, que favorece alguns candidatos e interesses, e é particularmente elevado na eleição de deputados, disputada em todo um Estado, e para a vereança de grandes cidades. Presente, também, o chamado efeito Tiririca, em que um candidato muito votado elege outros com poucos votos. E, de forma geral, o efeito transferência, porque o voto num candidato pode servir para eleger outro, mesmo indesejado pelo eleitor. E, ainda, o número excessivo de partidos, aliado à sua fragilidade associativa e programática, que alcança mesmo alguns dos maiores.
Uma das propostas em discussão alteraria aspecto do atual sistema eleitoral, em que cada partido (ou coligação) elege seus candidatos mais votados, proporcionalmente aos votos recebidos individualmente pelos seus candidatos e pelo próprio partido. Chamada de lista fechada, a proposta quer que o eleitor deixe de votar em candidatos específicos, passando a votar só no partido. Os eleitos viriam de listas por partidos, nas quais os candidatos seriam previamente enfileirados para depois identificar os eleitos pelos votos partidários. Essa proposta interessa muito ao PT e com sua força foi aprovada na comissão do Senado que trata do assunto.
Outra é a do voto distrital, em que cada Estado ou município seria dividido em distritos com número quase igual de eleitores. Num distrito, cada partido apresentaria um candidato e seria eleito apenas um representante distrital, tal como numa eleição direta para o Executivo.
A terceira ideia é a do "distritão". Quer que cada Estado ou município seja um "único e grande distrito", e eleitos os mais votados, independentemente do partido a que pertencessem. Ora, distritos são partes de um todo e o nome perde sentido como a soma delas. Na realidade, seria um "corridão", em que, por exemplo, na eleição para deputados federais de São Paulo, cerca de mil corredores, ou candidatos, disputariam. Ao final, os 70 mais votados receberiam o mandato. O "distritão" levanta sobrancelhas, mas a ideia é liderada pelo vice-presidente da República, Michel Temer, tido como influente no Congresso Nacional, em particular na Câmara dos Deputados, da qual foi presidente.
É a proposta que menos resolve. Não reduz a distância eleitor-eleito e o custo seria até mais alto, pois candidatos hoje eleitos com votos de outros teriam de gastar mais. A fragilidade partidária seria até agravada, pois acentuaria o personalismo. O efeito Tiririca deixaria de ocorrer como carregamento ou transferência, mas haveria novos Tiriricas, pois o mesmo personalismo e a atual desilusão com os parlamentes atrairia mais candidatos vindos da esfera do entretenimento.
Ao eliminar o voto nominal, a lista fechada ampliaria fortemente a referida distância, e não há garantia de que reduziria custos, pois a campanha dos partidos com suas listas abriria espaço para uso maior da propaganda, entre outros aspectos, ampliando o mercado para o dispendioso marketing eleitoral. E haveria, digamos, custos relacionados à posição na lista. O efeito Tiririca não seria necessariamente eliminado, pois partidos poderiam recorrer a celebridades e vulgaridades para puxar votos para sua lista. Assim, de forma indireta, ocorreria também o efeito transferência. De positivo, a lista fechada poderia fortalecer os partidos, mas também robusteceria as oligarquias que hoje os comandam, podendo levar a disputas "fratricidas" internas. Aspas porque eles estão longe de ser fraternidades.
O voto distrital, que várias vezes já defendi neste espaço, é o que mais pode resolver os problemas apontados. Assim, reduziria fortemente a citada distância, em particular no exercício do mandato, pois o eleito teria de prestar contas dele no seu distrito, sem o que poria em risco a reeleição ou a indicação de sucessor. O efeito Tiririca muito provavelmente sairia de cena, inclusive o próprio personagem e similares, hoje eleitos por votos amealhados em todo o território eleitoral, como se viessem de todos os seus distritos. Em cada um seria muito difícil chegar à eleição, pois essa soma não seria possível, e haveria comparações entre candidatos e com adversários mais fortes.
Quanto aos custos eleitorais, em princípio cairiam os de candidatos, pois concorreriam no espaço menor de um distrito. Contudo, dentro dele, a disputa entre candidatos seria mais clara e acirrada, talvez elevando custos no conjunto dos distritos, e novamente porque o confronto direto abriria espaço maior para a propaganda eleitoral nas suas várias formas. Mas creio que os benefícios do distrital compensariam eventuais custos adicionais.
Embora a melhor proposta, a dificuldade do voto distrital está na necessidade de mobilização política e popular para aprová-la. Outra dificuldade é a de explicar o sistema, razão por que defendo sua proposição como eleição direta para o Legislativo, e comparada à de cargos executivos. O brasileiro gosta de eleições diretas e a luta bem-sucedida pela sua realização para a Presidência da República deixou marcada essa preferência.
Não menos importante, contudo, é combater a deforma que viria com a lista fechada ou com o "distritão", pois há o risco de ser desmentida a pregação do mesmo Tiririca de que pior do que está não fica.
ROBERTO MACEDO, ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP - O ESTADO DE SÃO PAULO, 07/04/2011
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