ZERO HORA 12 de julho de 2012 | N° 17128
O segundo da história do Senado
Demóstenes Torres, o senador que ficou conhecido pelo seu discurso em defesa da ética, perdeu ontem o mandato sob a acusação de mentir aos colegas, receber vantagens indevidas e usar o cargo para defender interesses do suposto contraventor Carlinhos Cachoeira.
FÁBIO SCHAFFNER E GUILHERME MAZUI | Brasília
Um dos mais incisivos oradores do Senado, Demóstenes Torres silenciou o plenário durante 35 minutos com seu discurso de defesa. Na derradeira tentativa de salvar o mandato, ele se comparou a Jesus Cristo, se apresentou como defensor das crianças, das mulheres e dos idosos e questionou a legalidade das acusações. Não adiantou.
Por 56 votos contra 19 – e cinco abstenções -, o goiano deixou a Casa como o segundo senador em quase dois séculos a ser cassado por desvios éticos. Com a decisão, ele só poderá se candidatar a um cargo público novamente em 2027.
Seis horas após a decisão do Senado, Demóstenes afirmou pelo Twitter que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reaver a sua cadeira no parlamento. “Os motivos são suficientes: fui cassado sem provas, sem direito à ampla defesa e sem ter quebrado o decoro”, disse.
Em nove anos de Congresso, Demóstenes sempre foi um dos mais respeitados parlamentares. Transitava com desenvoltura no Judiciário e no Ministério Público, onde fez carreira antes de ingressar na política. Tido como o mais combativo senador da oposição, fustigava o governo a cada denúncia de corrupção, fomentava a criação de CPIs e atuava para constranger ministros em depoimentos no Congresso. A postura intolerante e agressiva foi apontada como uma das causas para sua derrocada.
No pronunciamento em que discorreu sobre as acusações que pesavam contra o senador, o relator do processo de cassação, Humberto Costa (PT-PE), alfinetou o adversário.
– Não usei esse trabalho para me promover ou fazer carreira como vestal ou paladino da moral e da ética – disse Costa, para completar:
– Quem julga somos nós, senador, mas quem condena Vossa Excelência é o seu passado.
Antes mesmo do início da votação, a sensação no plenário lotado – apenas o senador Clóvis Fecury (DEM-MA) faltou à sessão – era de que o destino de Demóstenes já estava selado. Encolhido na poltrona ao lado do advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, Demóstenes recebeu poucos cumprimentos. Jader Barbalho (PMDB-PA), que renunciou ao mandato para não ser cassado em 2000, e Renan Calheiros (PMDB-AL), que escapou de um processo semelhante em 2007, foram os mais efusivos.
Calado, Demóstenes quase não sorria. Antes de se defender, cedeu 15 minutos do seu tempo de tribuna a Kakay. Advogado de defesa de 20 senadores, Kakay tentou convencer o plenário de que seu cliente era vítima de uma injustiça e não poderia perder o mandato por pressão da opinião pública.
– Não será a manchete de amanhã (hoje) que determinará o tamanho deste Senado – argumentou.
Duas horas depois de aberta à sessão, Demóstenes começou seu pronunciamento. Dizendo-se um bode expiatório, reclamou ter sido perseguido como um “cão sarnento”. Na tentativa de comover seus pares, pediu perdão e mais tempo para se defender, comparando sua situação à de Humberto Costa, que havia sido absolvido em processo no qual era suspeito de corrupção. Por final, disse que não poderia ser condenado pelas más companhias, numa alusão à amizade com Cachoeira:
– Diga-me com quem andas e direi quem és. Bobagem! Cristo andava com Judas. Se Carlinhos Cachoeira cometeu crimes, cana nele!
Àquela altura, a maioria dos senadores já havia se decidido pela cassação. A certeza era tamanha que, 34 minutos antes da proclamação do resultado, o site do Senado já informava que Demóstenes havia sido cassado. Foi uma gafe, com ares de profecia.
O primeiro
Até ontem, o único senador a perder o mandato após cassação era Luiz Estevão, do PMDB, que enfrentou processo por quebra de decoro após acusações de envolvimento no desvio de verbas públicas na construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.
Em 28 de junho de 2000, teve sua cassação aprovada por 52 votos a favor, 18 contra e 10 abstenções. Meses depois, chegou a ficar preso na sede da Polícia Federal em São Paulo (abaixo, aparece no pátio da delegacia).
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