ZERO HORA 11 de julho de 2012 | N° 17127
REPORTAGEM ESPECIAL
Distorções custam caro à Assembleia
ADRIANA IRION
As brechas para irregularidades na Assembleia Legislativa não estão restritas ao sistema de controle da jornada de trabalho dos servidores. A falta de critérios para distribuição de funções gratificadas também permite distorções que pesam na folha de pagamento. No dia em que enfrentou o desconforto de explicar como uma funcionária que ganha R$ 24,3 mil trabalha apenas meio turno, o parlamento decidiu não divulgar os salários pelo nome dos servidores.
Não é só o sistema de controle da jornada de trabalho de seus funcionários que é falho na Assembleia Legislativa. A ausência de critérios técnicos para conceder funções gratificadas (FGs) também abre brechas para distorções. O resultado, pouco visível para o cidadão, é uma conta milionária para os cofres públicos com o pagamento de aposentadorias infladas por vantagens incorporadas.
A servidora flagrada por ZH sem cumprir as oito horas de trabalho explicou que muitas vezes o funcionário é indicado para receber uma FG porque está com “dificuldades financeiras” (leia entrevista na página ao lado).
O caso da recepcionista Lídia Rosa Schons, que ganha salário bruto de R$ 24,3 mil e trabalha meio turno (divulgado na edição de ontem de ZH), é um exemplo desse sistema em que a pessoa é escolhida para ocupar uma função com o simples objetivo de aumentar a renda por um período e, depois, tentar agregar o valor à aposentadoria.
Lídia, que tem ensino fundamental, recebe a terceira mais alta FG da Casa, valor destinado a diretores. No gabinete de Paulo Azeredo (PDT), onde ela trabalha atendendo ao telefone, a explicação para ter a FG de R$ 10.491,12 é por ser “boa funcionária”.
Além da função que tem agora, Lídia recebeu valores oriundos de gratificações em pelo menos duas oportunidades, quando foi escolhida para substituir colegas com formação superior.
Em junho de 2010, substituiu uma jornalista. Recebeu FG de R$ 8.941,26. Em abril de 2011, foi a vez de Lídia ficar no lugar da socióloga Miguelina Vecchio, lotada na coordenadoria da bancada do PDT e que se afastou em licença-prêmio. Lídia recebeu gratificação de R$ 9.366,84.
As duas substituições ajudariam a compor o período exigido por lei para que Lídia incorpore à aposentadoria o valor da gratificação atual. Segundo a Assembleia, no entanto, a incorporação não é automática e depende de análise dentro do processo de aposentadoria.
O presidente da Assembleia, Alexandre Postal (PMDB), reforçou ontem a explicação de que eventual irregularidade no caso de Lídia é de responsabilidade da área parlamentar. A Casa não vai abrir sindicância.
Após reportagem mostrar que Lídia não cumpria jornada de oito horas, a servidora foi encontrada ontem no gabinete do deputado Paulo Azeredo. Ela disse apenas que se tratava de uma “injustiça”.
ENTREVISTA
“Já era para estar aposentada”
Lídia Rosa Schons - Servidora da Assembleia Legislativa
Lídia Rosa Schons, 54 anos, disse a ZH que pessoas são indicadas para substituir colegas visando a engordar a renda. Portanto, sem critério técnico. Abaixo, trechos da entrevista que ela concedeu em 26 de junho:
Zero Hora – A senhora está se aposentando?
Lídia – Já era para estar aposentada, mas sabe como é, a gente vai ficando porque ganha mais um pouquinho.
ZH – A senhora incorpora a função gratificada (FG) que está recebendo agora na aposentadoria?
Lídia – Eu espero que leve um pouquinho mais.
ZH – A senhora substituiu outras pessoas em FGs. Quem a indicou?
Lídia – Elas (quem vai ser substituída) pedem para o chefe delas se podem indicar fulana que elas conhecem e sabem das dificuldades da pessoa.
ZH – Que dificuldades são essas a que a senhora se refere?
Lídia – Financeira, né. A gente fica ali ajudando, cooperando.
ZH – A senhora diz que tem salário baixo. Se fica no lugar de alguém, em substituição, engorda a renda.
Lídia – É, dá mais um pouquinho.
ZH – Vocês têm de devolver uma parte desse valor que ganham? Doar para partido ou para deputado?
Lídia – Às vezes, não.
ZH – Mas às vezes, sim?
Lídia – Eu creio que tem alguns que sim, mas eu não.
O salário de Lídia
Salário básico: R$ 3.028,91
Função gratificada: R$ 10.491,12
Vantagens temporais (11 triênios de 5%): 55%
Adicional de 25 anos de serviço público: 25%
Total de vantagens (55% + 25% = 80%): R$ 10.816,24
Total bruto*: 24.336,05 - *Pode ter ainda algum adicional de vale-alimentação
Como funciona a função gratificada - Até 1996, o servidor incorporava a FG na atividade, sem se aposentar, de duas formas: se ocupasse função por cinco anos contínuos ou por 10 anos intercalados. Incorporava a FG de maior valor. Com a mudança da regra, a incorporação ocorre apenas com a aposentadoria, respeitando os mesmos prazos: tem que ter ocupado função por cinco anos contínuos ou 10
anos intercalados. O servidor pode incorporar o valor extra sem estar ocupando a FG quando pede a aposentadoria, desde que tenha exercido a função por um ano.
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