CORREIO DO POVO Porto Alegre, 05 de Novembro de 2014
JUREMIR MACHADO DA SILVA
Em democracia, a vontade da maioria deve imperar.
Mas a vontade de maioria para ser legítima deve expressar-se de acordo com certos procedimentos e rituais.
As regras do jogo na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul fixam o mandato do presidente da casa em dois anos.
Esse regulamento não é cumprido.
Por uma estranha síndrome, cada presidente renuncia ao final do primeiro ano.
Uma renúncia costuma ser o resultado de um imperativo circunstancial, o fruto de um acidente de percurso, a exceção.
No caso da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul a exceção é a regra.
A duração do mandato do presidente da AL, na prática, é de um ano, tempo definido pelas sucessivas renúncias.
Essa prática é uma espécie de burla, de trapaça legal. Um sofisma.
Por que os deputados não alteraram o regulamento para fixar os mandatos dos presidentes em um ano?
Esse mistério tem a ver com algo que poderia se chamar de abuso de maioria na Assembleia Legislativa gaúcha ou de cartelização.
O que é a cartelização? Nada mais do que a reunião de parceiros para limitar a competição em benefício próprio.
As quatro maiores bancadas da AL (PT, PDT, PMDB e PP), com 34 deputados, fizeram um acordo para ocupar a presidência da casa em sistema de rodízio. Um ano para cada bancada. Em consequência, como o mandato é de dois anos, a renúncia é obrigatória.
Qual é o problema?
Todas as demais bancadas ficam excluídas da possibilidade de apresentar um candidato, pior ou melhor, e de competir pelos votos de todos os parlamentares. A negociação está previamente bloqueada pelo acordo vigente. O presidente é o indicado pelo partido da vez, de acordo com a ordem do rodízio. Ele é ungido pelos demais parceiros sem discussão. Torna-se o melhor por ser o nome do partido da vez. Não pode ser contestado pelos demais por ser uma questão de política interna de cada bancada do cartel.
Não se apresenta um nome para debate. Apresenta-se o nome que o dono da vez decide que deve ser o presidente.
Como o cartel tem a maioria, a minoria só pode se curvar ou ser batida em plenário.
Assim como existem leis contra formação de cartel, poderiam ser aprovadas regras contra esse tipo de rodízio em defesa da ampla liberdade de competição entre todos os parlamentares e bancadas, em favor do debate, em busca do melhor candidato e do melhor presidente, e em defesa da possibilidade de formação de maiorias diferentes. O rodízio reduz a maioria a quatro partidos.
Poderia ser diferente. Um exemplo: as bancadas minoritárias unem-se com o PDT.
Alcançam maioria e derrotam os outros três partidos atualmente detentores do cargo de presidente da AL.
O campo político deve privilegiar a competição entre os pares. Regras precisam ser criadas para estimular, não para limitar, essa competição, dando oportunidade às minorias de negociar para formar novas maiorias. Cartel e abuso de maioria são todas os dispositivos que bloqueiam a dinâmica competitiva, escorados numa arimética engessada, em favor da perpetuação de um grupo no poder ou da reprodução dos interesses de parceiros articulados para se blindar contra o jogo renovado das interações e disputas.
A AL precisa aprovar regras simples: o rodízio na presidência é proibido. Renúncias pré-fixadas serão consideradas fakes.
A disputa pela presidência da casa deve ser objeto, ao final de cada mandato, de ampla discussão entre todos os partidos, de apresentação de nomes, e da possibilidade real de formação de novas maiorias. O escolhido deve ser aquele que for considerado melhor pela maioria dos deputados da AL e não apenas pelos deputados de um determinado partido.
Abuso de maioria é quando ter a maioria permite não respeitar certos rituais e procedimentos.
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