REVISTA ÉPOCA 07/11/2014 17h55
Dilma não pode se acomodar numa retórica vazia de esquerda e entregar um pais mais pobre e conturbado a seu sucessor
IVAN MARTINS
O pior que pode acontecer ao Brasil neste momento é a presidente Dilma Rousseff interpretar o resultado das eleições como uma carta branca. Sobretudo na economia. Se ela virar as costas ao mercado, ignorar os críticos e fechar os olhos aos indicadores negativos, o país corre o risco de escorregar para a apatia produtiva e para a bagunça fiscal. Como se viu na Argentina. Felizmente, não parece acontecer aqui.
Desde antes da eleição, Dilma está em busca de um ministro da Fazenda mais próximo ao mercado, para substituir Guido Mantega. Ontem, ela admitiu a necessidade de cortes de gastos para melhorar a relação entre o PIB e a dívida pública. O Banco Central – que ela não dirige, mas influencia – aumentou a taxa de juros outra vez, mostrando que não ficará passivo diante da inflação. Os aumentos da gasolina e da energia elétrica ajudaão a recompor o caixa do governo.
Todos esses movimentos são economicamente defensáveis, fazem sentido do ponto de vista político e caberiam na agenda de quem quer que fosse eleito. Todos eles têm sido recebidos como estelionato eleitoral. De acordo com seus críticos, ela disse uma coisa durante a eleição e faz outra - com indeléveis consequências para a sua credibilidade, como mesmo analistas de esquerda foram rápidos em apontar. Será?
Ao longo de toda a eleição, Dilma enfatizou a palavra mudança. De gente e ideias. Disse que preservaria o que deu certo e mudaria o que deu errado. Com a economia crescendo a menos de 1% e a inflação pregada em torno de 6%, o que deu errado está na cara. Foi a economia, apesar do percentual recorde de gente empregada. Todos que entendem do assunto sugerem uma revisão de rumo antes que o emprego também comece a deslizar. A palavra de ordem, portanto, é ajuste. A questão é: em que ritmo?
Dilma foi eleita para fazer o ajuste de forma gradual, protegendo o emprego e a renda. É seu compromisso essencial na área econômica. Os outros, comuns a qualquer presidente eleito, são promover o crescimento e aumentar a prosperidade. O ajuste agora é condição para que o crescimento e a prosperidade aconteçam até o fim do seu mandato. Estelionato seria recusar o osso duro do ajuste, acomodar-se a uma retórica vazia de esquerda e entregar um país mais pobre e conturbado ao sucessor.
Descontada a retórica agressiva da campanha, os dois candidatos ofereceram, no segundo turno, uma escolha entre duas visões de país. Numa, as coisas estão erradas há uma década e, nos últimos dois anos, romperam o limite do tolerável. Isso faz necessário tomar medidas duras paras salvar país de uma crise gravíssima. Na outra visão, o Brasil tem avançado na direção correta, a vida melhorou, e uma crise contornável impõe, agora, a necessidade de ajustes. Foi essa visão que prevaleceu nas urnas.
Quem achava na esquerda que não há nada de errado com a economia brasileira perdeu. A força dos 49% de Aécio Neves no segundo turno deixam isso bem claro. Mas quem acreditava que o Brasil está diante do fim do mundo também foi derrotado. Os 51% obtidos por Dilma são claros a respeito disso. A presidente conduzirá seu segundo mandato pela passagem estreita entre esses dois números.
Não há nada de errado nisso. Os eleitores costumam escolher presidentes para gerir crises econômicas. Foi assim com o Fernando Henrique Cardoso da reeleição. Em meio à turbulência que se anunciava, os brasileiros votaram por mantê-lo no leme. Agora fizeram isso novamente, com Dilma. O teste, nessas situações, não é estar ou não à altura da retórica de campanha. É cumprir ou não com a essência do mandato que lhe foi conferido. Se, para crescer, distribuir renda, aumentar as oportunidades e tirar mais brasileiros da pobreza é necessário apertar os cintos por um tempo, seria errado não fazê-lo. Seria crime - ou, pelo menos, estelionato eleitoral.
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