JORNAL DO COMÉRCIO 24/11/2014
Os deputados gaúchos esperaram o final da atual legislatura para votar, sem alarde e em tempo recorde, um projeto de lei complementar (PLC) apresentado pela Mesa Diretora da Assembleia Legislativa que institui um regime especial de aposentadoria parlamentar.
O Plano de Seguridade Social dos Parlamentares, apresentado há apenas duas semanas e que será votado em plenário já na próxima sessão ordinária, amanhã, determina que os deputados deixem de fazer parte da base do Regime Geral de Previdência do INSS, cujo teto salarial é de R$ 4.390,24, e passem a receber proventos integrais - R$ 20.042,34 brutos em 2014 - com 35 anos de contribuição e 60 anos de idade.
O projeto é uma cópia literal do Plano de Seguridade Social dos Congressistas, que vigora no âmbito da Câmara e do Senado desde 1999 e que é alvo de contestação judicial. Para tornar o projeto menos antipático à opinião pública, os deputados concordaram com uma contribuição de 13,25% sobre o vencimento bruto - alíquota descontada pelos servidores estaduais - ao invés de pagar os 11% de contribuição do regime geral, que incide sobre o teto.
Mas, como a proposta permite aposentadoria proporcional observando um fator de 1/35 do vencimento atual, com dois mandatos ou oito anos de contribuição será possível um deputado estadual gaúcho se aposentar com R$ 4.581,10 - quase R$ 200,00 a mais que o máximo que um trabalhador comum pode receber atualmente com 35 anos de contribuição, se for homem, e com 30 anos, se for mulher.
A rapidez da tramitação da proposta se explica: como foi apresentado pela Mesa Diretora da Assembleia, o PLC não precisa cumprir o ritual normal de projetos dentro do Legislativo. Além de não passar por nenhuma comissão, também não necessita de acordo de líderes para entrar na pauta de votações.
O presidente da Assembleia, Gilmar Sossella (PDT), não quis se manifestar sobre o projeto e transferiu a responsabilidade a um assessor técnico designado pela Mesa Diretora para cuidar do assunto. O superintendente da Casa, Artur Alexandre Souto, justificou que a questão é técnica, portanto, um posicionamento político de Sossella seria inócuo.
O advogado Luiz Fernando Rodrigues, que assessora a Mesa Diretora, disse que o projeto é constitucional e foi amparado por uma parecer favorável da procuradoria da Assembleia Legislativa. Rodrigues negou que a matéria seja alvo de contestação em nível federal, mas reconheceu que a Constituição estadual não inclui os deputados na lista de servidores beneficiados pelo sistema público de Previdência - deveriam, portanto, ser regidos pelo regime geral. Ele justificou, entretanto, que a atividade parlamentar é de risco e que até comportaria o pagamento de um adicional por periculosidade.
“Falam que é um trenzinho da alegria, mas as regras são tão duras e a alíquota é tão alta que prefiro falar em ressarcimento pela atuação de nossos parlamentares. A estatura da atividade de nossos deputados justifica esse resgate de dignidade.”
A bancada do PT anunciou que, em caso de aprovação do PLC em plenário, ingressará com ação judicial e pedido de liminar para sustar a vigência do benefício. A base é a Lei de Responsabilidade Fiscal, que no artigo 21 considera “ato nulo” a criação de despesas de pessoal seis meses antes do final de mandatos, incluindo Executivo e Legislativo.
“É um escândalo porque quebra todos os princípios éticos da gestão pública, que não recomenda votar nada em benefício próprio. Os deputados passaram de todos os limites da bandalheira”, atacou o deputado Raul Pont (PT).
O Ministério Público (MP) de Contas do Estado não se manifestou formalmente sobre a possibilidade de concessão do benefício, mas em tese considera aposentadorias especiais - tanto em âmbito federal quanto estadual - inconstitucionais. O procurador Geraldo Da Camino disse que se a medida for aprovada poderá ser alvo de análise por parte do órgão. Mas afirmou que, como se trata de um poder independente, o raio de ação do MP de Contas é limitado.
O procurador-geral de Justiça, Eduardo de Lima Veiga, declarou apoio à medida em reunião com o presidente da Assembleia. Segundo Veiga, a medida se justifica porque a atividade parlamentar “exige dedicação exclusiva e o abandono de outras carreiras para exercício do mandato”. O presidente do Tribunal de Justiça, desembargador José Aquino Flôres de Camargo, também declarou apoio à iniciativa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário