REVISTA ISTO É Edição: 2346 | 07.Nov.14
Radicalismos pós-eleitorais dão fôlego a propostas antidemocráticas que deveriam ser rechaçadas por toda a sociedade. O problema é que setores do PT insistem em estimulá-las
Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
A eleição rachou o País e trouxe com ela o recrudescimento de um radicalismo nefasto. Agora, no acalorado ambiente político pós-eleitoral, ações do PT, do governo recém-reeleito e de radicais antipetistas propõem caminhos golpistas ou que colocam em risco a democracia. Nenhuma das opções propostas é saudável para um país em processo de amadurecimento de seus princípios democráticos. Mesmo assim, elas são defendidas com impressionante vigor nas redes sociais e nas ruas. Do lado do PT e do governo, surgem projetos como a realização de plebiscitos para discutir a reforma política, com o pretenso argumento de que a consulta popular dribla as imperfeições do Congresso, quando, na verdade, o que se quer é atropelar as prerrogativas do Parlamento legitimamente eleito pelo voto popular. O mesmo espírito aparece na polêmica regulação da mídia, que, dependendo de como for apresentada, pode atentar contra a liberdade de imprensa, e na constituição dos chamados conselhos populares, outra tentativa do Planalto de implantar uma chamada democracia direta no País. Do lado do antipetismo, foram iniciados movimentos em favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff e inacreditáveis pedidos de intervenção militar, como os que ocorreram – mesmo que por meia dúzia de gatos pingados – durante manifesto na avenida Paulista, em São Paulo, no sábado 1º. A movimentação ganhou adeptos na internet. Portal que reúne formulários eletrônicos para abaixo-assinados virtuais, o Avaaz registra 1,47 milhão de subscrições em apoio ao impeachment de Dilma Rousseff. Na página institucional do Exército, internautas usam o espaço de comentários das notícias para fazer coro pela intervenção militar.
As iniciativas golpistas propostas pela militância antipetista são sufocadas pela direção do PSDB, que rechaçou qualquer tipo de apoio e endosso. Já os surtos antidemocráticos de setores do PT são vistos com bons olhos por importantes setores do governo, que publicamente pregam o diálogo, mas na prática defendem a retaliação aos que não concordam com suas práticas. Em todos os momentos que o partido tentou discutir medidas para cercear a liberdade de expressão, o histórico de repressão da ditadura pesou e o Congresso, constrangido, não levou o tema adiante. Agora, a ideia do governo é criar mecanismos no âmbito do Ministério das Comunicações para criar entraves empresariais contra veículos considerados “inimigos”. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, defende a proposta: “A regulamentação da mídia é um debate que o Brasil tem que enfrentar”, afirma. Quem deve tocar o polêmico projeto é o ministro Ricardo Berzoini, de Relações Institucionais, mas que está de malas prontas para as Comunicações, no que depender dos anseios do PT.
AVANÇO AOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
O presidente do PT, Rui Falcão, é um dos entusiastas do projeto de regulação
da imprensa, em análise pelo Ministério das Comunicações
Ao levantar bandeiras e propor iniciativas que reduzem o peso de um dos Três Poderes, no caso o Poder Legislativo, o PT também flerta com a defesa de um governo totalitário. O Congresso, no entanto, já dá mostras de que não vai assistir impassível à ofensiva. Dois dias depois do resultado das eleições, a Câmara mandou um claro recado para a presidente ao derrubar o decreto 8.243 do Planalto que criaria a Política Nacional de Participação Social. O decreto abriria a primeira fresta para a composição dos chamados conselhos populares, mecanismos de consulta pública que se transformariam em atalhos para que o governo debatesse diretamente com a sociedade civil reformas e aplicação de recursos da União, ocupando uma tarefa do Congresso. Para a oposição, a intenção do governo é aparelhar o processo de decisão governamental, a exemplo do que ocorre na Venezuela.
O texto determina que os órgãos da administração pública federal “deverão considerar” as novas regras, entre elas o desenvolvimento de mecanismos de participação dos “grupos sociais historicamente excluídos” e a consolidação “da participação popular como método de governo”.
A expressão “deverão considerar” é fundamental para o debate. O governo diz que não há obrigação do gestor de submeter os atos aos conselhos, apenas o estímulo. O trecho, no entanto, é ambíguo e permite interpretação contrária. Para piorar, como o decreto vinculava a coordenação dos grupos ao governo, especificamente à Secretaria-Geral da Presidência, abriu-se um flanco para que os selecionados para participar dos conselhos fossem militantes petistas. Com isso, mesmo em caso de alternância de poder, o PT sempre teria assento nos foros de decisões governamentais, aparelhando conselhos consultivos criados por ele. O deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) disse que a rejeição do decreto foi educativa para Dilma. “Isso aconteceu (a derrota) para manifestarmos que o discurso de diálogo, pregado pela presidente, não pode ficar só na teoria”, afirmou.
A estremecida relação entre Executivo e Legislativo ganhou mais um capítulo com a insistência do governo em forçar o Congresso a aprovar a reforma política por meio de um plebiscito. Constitucionalmente, o Legislativo é soberano para atuar na produção de reformas legais e criação de novas normas. O acionamento da participação popular para interferir em uma atividade de parlamentares legitimamente constituídos para representar o povo também entrou para o hall das ofensivas antidemocráticas que marcam o período pós-eleitoral.
RETÓRICA
Para o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), diálogo pregado
pelo governo não pode ficar só no discurso
Fotos: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo; Divulgação
Radicalismos pós-eleitorais dão fôlego a propostas antidemocráticas que deveriam ser rechaçadas por toda a sociedade. O problema é que setores do PT insistem em estimulá-las
Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
A eleição rachou o País e trouxe com ela o recrudescimento de um radicalismo nefasto. Agora, no acalorado ambiente político pós-eleitoral, ações do PT, do governo recém-reeleito e de radicais antipetistas propõem caminhos golpistas ou que colocam em risco a democracia. Nenhuma das opções propostas é saudável para um país em processo de amadurecimento de seus princípios democráticos. Mesmo assim, elas são defendidas com impressionante vigor nas redes sociais e nas ruas. Do lado do PT e do governo, surgem projetos como a realização de plebiscitos para discutir a reforma política, com o pretenso argumento de que a consulta popular dribla as imperfeições do Congresso, quando, na verdade, o que se quer é atropelar as prerrogativas do Parlamento legitimamente eleito pelo voto popular. O mesmo espírito aparece na polêmica regulação da mídia, que, dependendo de como for apresentada, pode atentar contra a liberdade de imprensa, e na constituição dos chamados conselhos populares, outra tentativa do Planalto de implantar uma chamada democracia direta no País. Do lado do antipetismo, foram iniciados movimentos em favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff e inacreditáveis pedidos de intervenção militar, como os que ocorreram – mesmo que por meia dúzia de gatos pingados – durante manifesto na avenida Paulista, em São Paulo, no sábado 1º. A movimentação ganhou adeptos na internet. Portal que reúne formulários eletrônicos para abaixo-assinados virtuais, o Avaaz registra 1,47 milhão de subscrições em apoio ao impeachment de Dilma Rousseff. Na página institucional do Exército, internautas usam o espaço de comentários das notícias para fazer coro pela intervenção militar.
As iniciativas golpistas propostas pela militância antipetista são sufocadas pela direção do PSDB, que rechaçou qualquer tipo de apoio e endosso. Já os surtos antidemocráticos de setores do PT são vistos com bons olhos por importantes setores do governo, que publicamente pregam o diálogo, mas na prática defendem a retaliação aos que não concordam com suas práticas. Em todos os momentos que o partido tentou discutir medidas para cercear a liberdade de expressão, o histórico de repressão da ditadura pesou e o Congresso, constrangido, não levou o tema adiante. Agora, a ideia do governo é criar mecanismos no âmbito do Ministério das Comunicações para criar entraves empresariais contra veículos considerados “inimigos”. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, defende a proposta: “A regulamentação da mídia é um debate que o Brasil tem que enfrentar”, afirma. Quem deve tocar o polêmico projeto é o ministro Ricardo Berzoini, de Relações Institucionais, mas que está de malas prontas para as Comunicações, no que depender dos anseios do PT.
AVANÇO AOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
O presidente do PT, Rui Falcão, é um dos entusiastas do projeto de regulação
da imprensa, em análise pelo Ministério das Comunicações
Ao levantar bandeiras e propor iniciativas que reduzem o peso de um dos Três Poderes, no caso o Poder Legislativo, o PT também flerta com a defesa de um governo totalitário. O Congresso, no entanto, já dá mostras de que não vai assistir impassível à ofensiva. Dois dias depois do resultado das eleições, a Câmara mandou um claro recado para a presidente ao derrubar o decreto 8.243 do Planalto que criaria a Política Nacional de Participação Social. O decreto abriria a primeira fresta para a composição dos chamados conselhos populares, mecanismos de consulta pública que se transformariam em atalhos para que o governo debatesse diretamente com a sociedade civil reformas e aplicação de recursos da União, ocupando uma tarefa do Congresso. Para a oposição, a intenção do governo é aparelhar o processo de decisão governamental, a exemplo do que ocorre na Venezuela.
O texto determina que os órgãos da administração pública federal “deverão considerar” as novas regras, entre elas o desenvolvimento de mecanismos de participação dos “grupos sociais historicamente excluídos” e a consolidação “da participação popular como método de governo”.
A expressão “deverão considerar” é fundamental para o debate. O governo diz que não há obrigação do gestor de submeter os atos aos conselhos, apenas o estímulo. O trecho, no entanto, é ambíguo e permite interpretação contrária. Para piorar, como o decreto vinculava a coordenação dos grupos ao governo, especificamente à Secretaria-Geral da Presidência, abriu-se um flanco para que os selecionados para participar dos conselhos fossem militantes petistas. Com isso, mesmo em caso de alternância de poder, o PT sempre teria assento nos foros de decisões governamentais, aparelhando conselhos consultivos criados por ele. O deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) disse que a rejeição do decreto foi educativa para Dilma. “Isso aconteceu (a derrota) para manifestarmos que o discurso de diálogo, pregado pela presidente, não pode ficar só na teoria”, afirmou.
A estremecida relação entre Executivo e Legislativo ganhou mais um capítulo com a insistência do governo em forçar o Congresso a aprovar a reforma política por meio de um plebiscito. Constitucionalmente, o Legislativo é soberano para atuar na produção de reformas legais e criação de novas normas. O acionamento da participação popular para interferir em uma atividade de parlamentares legitimamente constituídos para representar o povo também entrou para o hall das ofensivas antidemocráticas que marcam o período pós-eleitoral.
RETÓRICA
Para o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), diálogo pregado
pelo governo não pode ficar só no discurso
Fotos: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo; Divulgação
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