VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

sábado, 1 de novembro de 2014

ENTRE MORTOS, FERIDOS E ELEITOS



REVISTA ÉPOCA 31/10/2014 07h00


Na campanha, PT e PSDB foram opostos em tudo. Menos no desejo de ver a imprensa longe do duelo

EUGÊNIO BUCCI



O Brasil merece os pêsames. Saiu da campanha de 2014 pior do que entrou. Perdeu mais do que ganhou. As feridas, ainda abertas, sangrarão e doerão por algum tempo. As baixas cobrarão seu preço, com juros.

Passado o horário eleitoral, eis que é chegada a hora da ressaca e do luto, tempo de varrer os santinhos das ruas, de arrancar dos postes os cartazes com caras de outros postes, de tentar sanear o partidarismo subalterno que tomou conta de repartições públicas. É chegada a hora de recolher os cadáveres das reputações arruinadas, que ameaçam a saúde pública se permanecerem ao sol e ao relento, apodrecendo sem sepultura. O cenário é mórbido, azedo, fétido. Se já falta água em tantas cidades, como fazer para lavar tanta sujeira?

Saímos disso mais confusos e mais desinformados. Os debates não nos ajudaram a resolver os impasses nacionais, apenas acirraram o ódio. É verdade que não chegamos aos confrontos armados entre falanges extremadas. É verdade, também, que não passamos aqui pelos traumas familiares que aconteceram recentemente na Venezuela e na Argentina. Nesses dois países, as batalhas eleitorais cindiram implacavelmente famílias que eram unidas e grupos de amigos que se adoravam. Da noite para o dia, pessoas íntimas partiam para campos opostos, mergulhadas em fundamentalismos inférteis. Gente que vivia junto parou de se cumprimentar. Irmãos se deram as costas, porque uma candidatura de esquerda ou de direita os apartou para sempre. Hoje, a maioria dessa gente se pergunta por que tanta discórdia, enquanto tenta colar seus cacos. Nós, no Brasil, também tivemos brigas desse tipo, mas em escala mais modesta, por assim dizer. Pelo menos isso.

Mesmo assim, o pau comeu. Feio. Aécio Neves xingou Dilma Rousseff de leviana. Foi deselegante. Ele mesmo perdeu pontos. Lula xingou Aécio de “filhinho de papai”. Disse que Aécio “não é homem sério e de respeito”. Foi mais deselegante ainda. Uns dizem que isso tudo foi bom. Querem acreditar que a discussão foi acalorada, mas franca. Estão alucinadamente errados. Não houve discussão, muito menos franqueza. Nem mesmo os debates eleitorais na televisão serviram para esclarecer o que quer que fosse. As duas partes torciam os fatos, os dados e as opiniões, para atacar e injuriar. Na semana passada, os dois lados tentaram maneirar um pouco, porque perceberam que a agressão pela agressão começava a tirar votos do agressor, não do agredido. Era tarde. O maior estrago já estava feito.

A campanha de 2014 foi um choque de prepotência. Numa prova contumaz de autoritarismo e ojeriza a qualquer divergência de ideias, as duas candidaturas firmaram entre si um acordo subterrâneo para expulsar os jornalistas dos debates na TV. Ao longo de 2014, PSDB e PT foram opostos em tudo, menos nisso, menos no desejo de ver a imprensa longe do duelo. A mera possibilidade de ter de responder a perguntas de repórteres enfurecia os marqueteiros tanto do PT quanto do PSDB. Os dois partidos, em uníssono, foram tão intransigentes nesse assunto que o Jornal Nacional teve de cancelar as entrevistas que faria com os dois candidatos no segundo turno. Daí que, sem jornalistas que contestassem os dados infundados e as mistificações eleitoreiras pronunciadas ora por Dilma, ora por Aécio, os debates se rebaixaram a um coro desafinado de slogans estultos e bordões bobos.

Quanto ao horário eleitoral, enveredou pelos insultos. A tal ponto e tanto, que, quando nada mais havia para estancar os descalabros, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) resolveu tomar providências e começou a tirar do ar as mensagens que considerava ofensivas em demasia. Em pleno meio do jogo, o TSE mudou as regras. O Ministério Público Eleitoral protestou. Em vão. Jornalistas apontaram censura. Em vão.

O que era ruim ficou pior. Depois da súbita intervenção judicial, o Brasil, que chafurdava na falta de modos, assumiu ares de um país tutelado, como se os dois candidatos à Presidência da República precisassem de pajem. A despeito das pilhas de processos e de boas intenções, a campanha eleitoral de 2014 foi tratada como gincana estudantil entre adolescentes que se injuriam aos gritos, disputando o controle de um grêmio sem maioridade. O vexame ganhou uma nota meio bufa, quase picaresca.

Há eleições que reconciliam nações. Não foi nosso caso. Não em 2014. O Brasil sobreviveu, não há dúvida, mas partido ao meio. Suas duas metades não se escutam e se odeiam. Culpa do vale-tudo. Culpa do tudo ou nada. Culpa do PT e do PSDB. A intolerância venceu.

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