REVISTA ISTO É COLUNISTAS
Ricardo Amorim
"56 milhões de pessoas necessitam do Bolsa Família para sobreviver. Isso é sinal de fracasso, não de sucesso"
O Brasil nunca esteve tão polarizado. As divisões nasceram com a estratégia de defesa do governo às acusações do Mensalão, caracterizando-as como uma tentativa golpista de uma suposta “elite branca” interessada em reverter conquistas do povo. As eleições as aumentaram. Dilma foi reeleita por 54,5 milhões de eleitores, mas 87,2 milhões – a soma dos votos em Aécio Neves, brancos, nulos e abstenções – não votaram nela.
As pesquisas eleitorais já apontavam rachas socioeconômicos e educacionais. Segundo elas, Dilma venceu entre os que ganham até dois salários mínimos e perdeu entre os demais; venceu entre os que têm até o ensino fundamental e perdeu entre os que cursaram ao menos o ensino médio.
O racha mais visível foi o geográfico. Dilma ganhou por 13,5 milhões de votos no Norte e Nordeste. No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, Aécio ganhou por 10 milhões de votos.
O Bolsa Família explica os resultados do segundo turno no Distrito Federal e em 22 dos 26 Estados brasileiros. No Brasil, pouco mais de 25% das famílias recebem Bolsa Família; Piauí e Maranhão, quase 60%. Nesses dois Estados, Dilma venceu com quase 80% dos votos. Já no Distrito Federal, em São Paulo e Santa Catarina, menos de 15% da população recebe Bolsa Família. Aí, Dilma teve menos votos, não chegando a 40%.
Nos Estados com mais de 25% das famílias recebendo Bolsa Família, incluindo Minas, Dilma ganhou em todos menos Acre, Rondônia e Roraima. Entre os Estados onde menos de 25% recebem Bolsa Família, ela só ganhou no Rio de Janeiro.
Então, afloraram preconceitos e distorções. Alguns no Sul e Sudeste creditaram a vitória de Dilma no Nordeste a supostas questões culturais, sem notar os resultados em áreas mais pobres de seus próprios Estados. Por exemplo, Dilma perdeu em todo o Estado de São Paulo, menos no Vale do Ribeira.
Muitos creditam o impacto eleitoral do Bolsa-Família a uma campanha para amedrontar seus beneficiários.
O programa seria extinto se a presidente não fosse reeleita. Tais denúncias devem ser apuradas e punidas, mas o impacto eleitoral do Bolsa Família é maior. Ele vai além da renda direta de seus beneficiários. Impulsiona o consumo e a atividade econômica, principalmente nas regiões mais pobres. Em termos concretos, com o Bolsa Família, mais gente comprou bolachas na mercearia do seu Zé. Como vendeu mais bolachas, seu Zé comprou uma TV nova. O dono da loja de eletroeletrônicos, que vendeu mais TVs, trocou de carro e o dono da concessionária de veículos comprou um apartamento novo. O Bolsa Família não beneficia apenas famílias mais pobres, mas regiões mais pobres.
Isso não significa que o programa não tenha defeitos. Onde salários e custo de vida são baixos, ele desestimula a busca por emprego. Pior, ele não prepara as famílias para, no futuro, terem perspectivas melhores. Hoje, 56 milhões de pessoas necessitam do Bolsa Família para sobreviver. Isso é sinal de fracasso, não de sucesso. O programa tem de existir para quem precisar, mas precisa tratar da causa dos problemas – a falta de preparação – e não apenas de sua consequência –, a falta de recursos. A medida de seu sucesso deve ser quantas pessoas o deixam, não quantas entram.
Há outra diferença regional importante. Nos últimos quatro anos, o Brasil ficou em 161º lugar em crescimento do PIB.
As regiões Sul e Sudeste cresceram ainda menos. A produção da indústria é hoje menor do que há seis anos. Regiões onde a indústria é maior têm crescido menos e, se não se recuperarem, puxarão para baixo o desempenho das demais regiões. Isso já está acontecendo e a economia brasileira estagnou. Centro-Oeste, Norte e Nordeste representam só 28% do PIB do País. Se queremos voltar a crescer, o País precisa superar diferenças e criar condições para que todos prosperem.
Ricardo Amorim é economista, apresentador do programa “Manhattan Connection”, da Globonews, e presidente da Ricam Consultoria
Ricardo Amorim
"56 milhões de pessoas necessitam do Bolsa Família para sobreviver. Isso é sinal de fracasso, não de sucesso"
O Brasil nunca esteve tão polarizado. As divisões nasceram com a estratégia de defesa do governo às acusações do Mensalão, caracterizando-as como uma tentativa golpista de uma suposta “elite branca” interessada em reverter conquistas do povo. As eleições as aumentaram. Dilma foi reeleita por 54,5 milhões de eleitores, mas 87,2 milhões – a soma dos votos em Aécio Neves, brancos, nulos e abstenções – não votaram nela.
As pesquisas eleitorais já apontavam rachas socioeconômicos e educacionais. Segundo elas, Dilma venceu entre os que ganham até dois salários mínimos e perdeu entre os demais; venceu entre os que têm até o ensino fundamental e perdeu entre os que cursaram ao menos o ensino médio.
O racha mais visível foi o geográfico. Dilma ganhou por 13,5 milhões de votos no Norte e Nordeste. No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, Aécio ganhou por 10 milhões de votos.
O Bolsa Família explica os resultados do segundo turno no Distrito Federal e em 22 dos 26 Estados brasileiros. No Brasil, pouco mais de 25% das famílias recebem Bolsa Família; Piauí e Maranhão, quase 60%. Nesses dois Estados, Dilma venceu com quase 80% dos votos. Já no Distrito Federal, em São Paulo e Santa Catarina, menos de 15% da população recebe Bolsa Família. Aí, Dilma teve menos votos, não chegando a 40%.
Nos Estados com mais de 25% das famílias recebendo Bolsa Família, incluindo Minas, Dilma ganhou em todos menos Acre, Rondônia e Roraima. Entre os Estados onde menos de 25% recebem Bolsa Família, ela só ganhou no Rio de Janeiro.
Então, afloraram preconceitos e distorções. Alguns no Sul e Sudeste creditaram a vitória de Dilma no Nordeste a supostas questões culturais, sem notar os resultados em áreas mais pobres de seus próprios Estados. Por exemplo, Dilma perdeu em todo o Estado de São Paulo, menos no Vale do Ribeira.
Muitos creditam o impacto eleitoral do Bolsa-Família a uma campanha para amedrontar seus beneficiários.
O programa seria extinto se a presidente não fosse reeleita. Tais denúncias devem ser apuradas e punidas, mas o impacto eleitoral do Bolsa Família é maior. Ele vai além da renda direta de seus beneficiários. Impulsiona o consumo e a atividade econômica, principalmente nas regiões mais pobres. Em termos concretos, com o Bolsa Família, mais gente comprou bolachas na mercearia do seu Zé. Como vendeu mais bolachas, seu Zé comprou uma TV nova. O dono da loja de eletroeletrônicos, que vendeu mais TVs, trocou de carro e o dono da concessionária de veículos comprou um apartamento novo. O Bolsa Família não beneficia apenas famílias mais pobres, mas regiões mais pobres.
Isso não significa que o programa não tenha defeitos. Onde salários e custo de vida são baixos, ele desestimula a busca por emprego. Pior, ele não prepara as famílias para, no futuro, terem perspectivas melhores. Hoje, 56 milhões de pessoas necessitam do Bolsa Família para sobreviver. Isso é sinal de fracasso, não de sucesso. O programa tem de existir para quem precisar, mas precisa tratar da causa dos problemas – a falta de preparação – e não apenas de sua consequência –, a falta de recursos. A medida de seu sucesso deve ser quantas pessoas o deixam, não quantas entram.
Há outra diferença regional importante. Nos últimos quatro anos, o Brasil ficou em 161º lugar em crescimento do PIB.
As regiões Sul e Sudeste cresceram ainda menos. A produção da indústria é hoje menor do que há seis anos. Regiões onde a indústria é maior têm crescido menos e, se não se recuperarem, puxarão para baixo o desempenho das demais regiões. Isso já está acontecendo e a economia brasileira estagnou. Centro-Oeste, Norte e Nordeste representam só 28% do PIB do País. Se queremos voltar a crescer, o País precisa superar diferenças e criar condições para que todos prosperem.
Ricardo Amorim é economista, apresentador do programa “Manhattan Connection”, da Globonews, e presidente da Ricam Consultoria
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