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terça-feira, 30 de julho de 2013

FOMOS OMISSOS

REVISTA ISTO É N° Edição: 2280 |  30.Jul.13 - 16:51

Gilberto Carvalho. ''Fomos omissos"

Ministro diz que governo tem muitas conquistas, mas se acomodou e não deu respostas para questões urbanas graves, aumentando o mal-estar da população

por Paulo Moreira Leite



PROTESTOS
Gilberto Carvalho diz que as manifestações foram positivas para o País

Um dos mais fiéis auxiliares do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, aos 62 anos, viveu na semana passada um de seus grandes momentos como ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República. Católico de ir à missa todos os domingos, seminarista na adolescência, Carvalho sempre foi o principal elo entre o PT, o governo federal, os movimentos sociais e a cúpula da Igreja Católica. Na semana passada, quando o papa Francisco desembarcou no País para a Jornada Mundial da Juventude, Carvalho esteve no Rio para receber Sua Santidade, encontrar militantes do movimento católico e fazer um de seus exercícios prediletos: conversar sobre política. Nos intervalos, deu a seguinte entrevista à ISTOÉ.


"Alguns cartazes representavam o que há de pior
no País. O preconceito, o elitismo e a exclusão”


“Dom Pedro Casaldáliga dizia que não devíamos
falar em voto de pobreza, mas fazer um
voto de convivência com os pobres"

Fotos: ROBERTO CASTRO/AG ISTOé; ANDRE DUSEK

ISTOÉ - Com a história de quem foi morar numa favela, aos 18 anos, como militante da Teologia da Libertação, como o sr. vê a atuação do papa Francisco?

GILBERTO CARVALHO - Francisco é um papa desconcertante em relação a todas as formalidades recentes da Igreja. Ele não perde uma oportunidade de afirmar sua vontade de aproximar-se da população, do homem da rua. Seu sapatão, de sola grossa, é muito diferente daquele calçado vermelho e chique (usado por Bento XVI). Na conversa com a Dilma ele trajava uma calça preta por baixo da batina, não eram vestes feitas sob medida. Andou pelo Rio num Fiat, carro típico de um cidadão de classe média, dispensou os seguranças. Por mais que isso tenha causado preocupação a nós, como governo, pois temos a obrigação de cuidar de sua segurança, ele fez o possível para entrar em contato com a população. Para a tradição recente da Igreja, é um choque.

ISTOÉ - Esse comportamento lembra a Teologia da Libertação, tão perseguida pelos antecessores de Francisco?

GILBERTO CARVALHO - Claro que não é a Teologia da Libertação que empregava um modelo de análise marxista e até ajudou a quebrar uma visão inocente da vida em sociedade e do problema das pessoas, mostrando a realidade das classes sociais e mesmo da exploração das classes. Não é isso. Francisco não criou uma teologia revolucionária. Mas faz um esforço para entender a pobreza, ser solidário com os pobres. Um dos mestres mais importantes em minha formação religiosa foi o bispo do Araguaia, dom Pedro Casaldáliga. Ele teve muita importância durante a época da ditadura, segue meu amigo até hoje e sempre fez uma observação valiosa.

ISTOÉ - O que ele dizia?

GILBERTO CARVALHO - Dizia que não devíamos falar em voto de pobreza. Deveríamos fazer um voto de convivência com os pobres e que isso era o mais importante. A aproximação permite o entendimento, a compreensão. E é isso que o Francisco está fazendo. Todas as falas dele, todas as mensagens, têm como tema a situação dos excluídos. Seu primeiro deslocamento para fora de Roma foi uma viagem para Lampedusa, ilha que serve como ponto de entrada de imigrantes que fogem da pobreza da África e costumam ser parados na fronteira. São atitudes que formam um conjunto na direção de uma Igreja popular.
ISTOÉ - Quem o sr. acredita que pode se beneficiar com a visita: o governo ou a oposição?

GILBERTO CARVALHO - É preciso tomar cuidado com as deduções de cunho eleitoral porque elas não são automáticas. Seria totalmente maluco alguém pensar que vai tirar proveito eleitoral da visita do papa. Francisco encontrou um País em movimento. Veio ao Brasil depois de grandes manifestações, que obrigam o governo a se abrir para o diálogo e mesmo a se repensar. Francisco trouxe valores que são muito importantes para serem discutidos em nosso país, hoje, como solidariedade e fraternidade, para estimular o engajamento dos jovens.

ISTOÉ - Por quê?

GILBERTO CARVALHO - Qual é o risco nosso, hoje? Conseguimos incluir 40 milhões de pessoas. Conseguimos manter o emprego, apesar da crise econômica internacional, num nível bastante elevado. Mas, do ponto de vista de valores, falta muito. Não nos interessa que esses novos consumidores venham a se confinar nos valores do consumismo, do individualismo.

ISTOÉ - Como avaliar as manifestações?

GILBERTO CARVALHO - Elas foram muito positivas para o País, mas havia uma ambiguidade. Trouxeram uma proposta de democracia participativa, deixando claro que as pessoas têm um grande desejo de influenciar diretamente na política. Tanto do ponto de vista coletivo como do indivíduo, uma coisa muito diferente do que ocorria em nosso tempo. Nós somos do panfleto, do carro de som, e mesmo do sindicato, que precisa se repensar. Era sempre com base no coletivo. Mas a internet, além da participação coletiva, pelas redes sociais, também permite um engajamento menos coletivo, mais individual. A pessoa está em casa, sozinha, diante de seu computador. Clica lá “eu vou”, “eu apoio”, “eu protesto.” Escreve o seu post individual, envia sua mensagem. Agora, nos protestos, o computador foi para a rua. O indivíduo chegou à manifestação com seu cartaz, sua palavra de ordem. Isso mudou bastante.

ISTOÉ - Como assim?

GILBERTO CARVALHO - Houve de tudo nas manifestações. Você teve coisas muito positivas, mas teve coisas horripilantes. A luta pela melhoria dos serviços públicos foi importante, a começar pelos transportes coletivos. Também foi importante denunciar a repressão policial e pedir o fim da corrupção. São causas importantes, que fazem bem ao País. Mas houve manifestos individuais muito complicados.

ISTOÉ - Quais?

GILBERTO CARVALHO - Eu vi, por exemplo, a foto de um cartaz em São Paulo, segurado por uma moça, que dizia assim: “Manifestação de elite? Não, seu ignorante. Manifestação dos que pagam seu bolsa-esmola.” Esse cartaz é representativo do que há de pior no País. O preconceito, o elitismo, o individualismo e a exclusão. Daí que eu vejo a importância da batalha no campo dos valores. Precisamos trabalhar no País uma hegemonia de valores positivos. Nessa perspectiva eu acho que a vinda do Francisco pode nos ajudar na disputa desses valores.

ISTOÉ - Muitos observadores criticaram o discurso de Dilma com o argumento de que ela forçou uma proximidade das ações do governo com a pregação do papa, como se tentasse puxar brasa para sua sardinha.

GILBERTO CARVALHO - Acho que nesse ponto a presidenta estava muito à vontade para lembrar essas semelhanças, pois elas são reais. Ninguém pode negar que o governo Lula e o governo dela deram prioridade ao combate à pobreza e à solidariedade. Se ela fosse presidente de um governo neoliberal, favorável ao Estado mínimo, essa comparação seria postiça, falsa. Mas, no caso, foi muito natural. Quando Francisco fala da globalização indiferente, está dizendo uma frase que soa como música para quem trabalha a solidariedade e quer diminuir a diferença.

ISTOÉ - Em 2010, a campanha de Dilma enfrentou uma questão difícil, sobre aborto. Ela passou por momentos delicados, pressionada por bispos ligados a Igreja Católica. O sr. acredita que isso pode se repetir?

GILBERTO CARVALHO - Acho pouco provável. Por tudo o que tem dito até aqui, o papa está deixando claro que, usando uma expressão religiosa, ele considera que a misericórdia está acima da lei. Eu não estou dizendo que ele vai mudar a posição da Igreja, muito menos que está pensando em liberar o aborto. Mas acho que ele não vai fazer disso sua prioridade. Vai ocupar-se de outras questões. Não vai terçar armas por causa disso. Ele não é um papa dogmático, como Bento XVI, que foi responsável pelas questões doutrinárias do Vaticano. Francisco veio da periferia de Buenos Aires, onde se preocupava com a população carente. Os valores da vida, para ele, serão mais importantes que os valores da lei. Por isso está preocupado em mostrar a ligação dos valores do cristianismo com a prática social.

ISTOÉ - Os protestos também mudaram a campanha presidencial. Como entender a queda da presidenta Dilma nas pesquisas?

GILBERTO CARVALHO - A discussão sobre os protestos está no início. Minha avaliação é que nós realizamos muitas conquistas interessantes, mas ficamos acomodados. Esquecemos, particularmente, da questão urbana. Não só o transporte coletivo, mas também a violência. Fomos omissos. Esse processo se desenvolvia há muitos anos, sob vários governos, mas nós não soubemos dar respostas necessárias. O resultado é que a vida nas grandes cidades ficou impossível de ser vivida. Até que veio a famosa gota d’água. Na Tunísia, a gota d’água foi o protesto daquele vendedor ambulante que cometeu suicídio e parou o país. Aqui, o processo teve início com os garotos do MPL (Movimento Passe Livre). Eles começaram o protesto. A violência policial foi a gota d’água que fez a sociedade reagir. Acendeu a chama da indignação. Ligou o descontentamento de quem tem carro e não consegue ir para casa e de quem está dentro do ônibus.

ISTOÉ - Houve outros fatores?

GILBERTO CARVALHO - Muitas coisas foram se ligando para criar uma consciência de um certo mal-estar. As pessoas perceberam que podiam ter emprego, que podiam ganhar mais, que a vida estava difícil embora tivesse melhorado bastante. A Copa virou motivo de descontentamento, quando poderia ser de orgulho. Mas havia o dinheiro mal empregado. As remoções de moradores, em áreas de transporte urbano, não foram bem feitas. A responsabilidade maior é das prefeituras, mas o governo federal está ligado, porque forneceu as verbas.

ISTOÉ - Qual é a sua conclusão política desse processo?

GILBERTO CARVALHO - Não acho que há o questionamento de um projeto iniciado pela chegada de Lula ao governo. Na Europa as pessoas se revoltam porque perderam direitos. Aqui, porque querem mais. Dilma tem razão em defender a reforma política com participação popular. Ela fez a interpretação correta dos protestos e deu uma resposta. Tanto que o plebiscito e até a Assembleia Constituinte têm grande aprovação popular. Acho que o governo deve insistir nessa bandeira, mesmo que corra o risco de perder. Nossa política deixou de ser uma disputa de idéias, mas uma guerra por dinheiro. Essa sempre foi uma tradição em partidos que estão na oposição. Hoje, dentro do PT, isso já acontece. É muito grave. A reforma é uma chance de o País mudar isso.

ISTOÉ - No seu íntimo, o sr. chegou a torcer pelo Volta, Lula?

GILBERTO CARVALHO - Quando o Lula lançou a Dilma, era para valer. Pensar num fracasso da Dilma seria pensar numa derrota do Lula, candidata dele. Seria uma quebra da autoridade dele. Lula sabe que a volta ao governo é o risco Michael Schumacher, campeão de Fórmula 1, que teve um retorno melancólico às pistas.

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