POLÍTICA EM DEBATE
JULIANA BUBLITZ
A cada eleição, norte-americanos, japoneses e canadenses, para citar apenas alguns exemplos, têm a liberdade de escolher se querem – ou não – comparecer às urnas. Por aqui, a discussão em torno do voto facultativo está longe de um consenso, mas ganha espaço no debate diante da possibilidade de uma reforma política.
O tema veio à tona com as manifestações de junho, que levaram uma legião de insatisfeitos às ruas e deram visibilidade à crise de representação no Brasil. Comunidades em defesa da causa ganharam adeptos em redes sociais. Uma delas contabiliza 15 mil.
Apesar disso, há dúvidas se o fim da obrigatoriedade é a melhor opção. No último pleito, de 138,5 milhões de eleitores aptos no país, 16,4% não apareceram nas seções eleitorais. Isso significa que 22,7 milhões de pessoas abriram mão de exercer o seu direito. É mais do que as populações do Chile e do Uruguai juntas.
Defensores do sistema facultativo argumentam que a flexibilização acabaria com o “votar só por votar”, qualificando o processo eleitoral e aprimorando a democracia. Autor de um estudo sobre o tema, o consultor legislativo na área de Direito Constitucional e Eleitoral do Senado, Paulo Henrique Soares, se enquadra nesse grupo.
– A decisão de votar deve ser do eleitor. Quanto ao nível de engajamento, se a disputa for acirrada, o índice de participação será alto – projeta Soares.
Mas há quem veja o oposto nas entrelinhas das estatísticas. Desobrigar a população de votar, na avaliação da socióloga Eliana Graça, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), pode desencadear uma crise de legitimidade.
– Já temos uma cultura em que não há uma compreensão da importância da política. Se acabarmos com o voto obrigatório, o desinteresse será maior, e a situação vai piorar – afirma ela.
Entre os dois extremos, há aqueles que classificam o debate como inócuo. Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Marcus Figueiredo é um deles:
– Seja qual for o tipo de voto, o contingente de não votantes provavelmente será o mesmo, incluindo aqueles que hoje optam pelo branco ou nulo.
Atualmente, no Congresso, há mais de uma dezena de propostas de emenda à Constituição (PECs) preconizando o fim da obrigatoriedade. A maior parte delas, no entanto, está parada.
DOIS LADOS - As posições que estão em debate
ARGUMENTOS A FAVOR
1) O voto deve ser um direito, não um dever.
2) Será possível qualificar o processo eleitoral: só votará quem estiver consciente de sua escolha.
3) O sistema vai estimular a classe política a ter um desempenho à altura para que o eleitor se sinta estimulado a sair de casa.
4) A possibilidade de escolha existe em países desenvolvidos e é uma forma de aprimorar a democracia.
5) A participação de todos é um mito, já que o índice de abstenção tem sido alto nas últimas eleições.
ARGUMENTOS CONTRÁRIOS
1) Acabar com a obrigatoriedade pode contribuir para aumentar o desinteresse em relação à política.
2) Com o voto facultativo, tende a haver uma redução do número de votantes e o risco de perda de legitimidade das eleições.
3) A mudança pode levar o processo a se elitizar.
4) A lei já permite que os eleitores se recusem a participar: tem multas irrisórias para quem não vota.
5) Implantar o voto facultativo exigiria maior consciência de cidadania, e isso ainda depende de melhorias na educação.
“Haveria o afastamento de setores mais carentes, o que não é bom”
Membro do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil na Universidade Federal do Paraná (UFPR), o cientista político Luiz Domingos Costa é um crítico do voto facultativo. Discorda de quem acredita que o sistema levaria a uma qualificação do processo eleitoral.
Zero Hora – O senhor é contra ou a favor do voto facultativo?
Luiz Domingos Costa – Sou a favor do voto obrigatório. É claro que existem prós e contras dos dois lados, mas discordo do argumento de que o voto compulsório é um voto pior ou inferior. Essa é uma posição bastante preconceituosa. Está ligada à crença de que o voto facultativo levaria o Brasil a evoluir, o que não é verdade.
ZH – O voto facultativo não seria uma forma de amadurecer a democracia brasileira?
Costa – Não acredito nisso. Muitas pessoas entendem que seria uma forma de limpar o sistema eleitoral. Mas quem garante que a compra de voto, por exemplo, não continuaria ocorrendo? Eu poderia dizer que vamos virar uma Suíça se adotarmos o voto facultativo, mas será mesmo? Os políticos eleitos nos Estados Unidos, por exemplo, não são tão diferentes dos nossos. Lá também há corruptos, malucos e gente que se elege pela fama, como Arnold Schwarzenegger.
ZH – Para os defensores da ideia, a mudança poderia contribuir para qualificar o processo eleitoral, já que só votaria quem realmente quisesse. Como o senhor avalia?
Costa – O voto facultativo reduziria o número de votantes e, consequentemente, a representatividade. Além disso, acredito que haveria um afastamento dos setores mais carentes e vulneráveis, o que não é bom. Se essas pessoas deixam de votar, os políticos não precisam mais se preocupar com elas.
ENTREVISTA
“Aumentaria o número de pessoas mais bem informadas”
Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o cientista político Leôncio Martins Rodrigues Netto é um defensor do voto facultativo. Entende que o fim da obrigatoriedade reduziria o chamado “voto de cabresto”. Ele afirma que a compra de votos reduz a legitimidade do processo.
Zero Hora – O senhor é contra ou a favor do voto facultativo?
Leôncio Martins – Sou a favor do voto facultativo porque tenderia a aumentar o número de pessoas mais bem informadas no conjunto do eleitorado. Tenderia, também, a diminuir a proporção de eleitores de cabresto. Mas isso não significa que os eleitores aprenderiam a “votar melhor”. Eleitores de alta escolaridade não votam “melhor” que os de baixa.
ZH – Acabar com a obrigatoriedade do voto não poderia contribuir para aumentar o desinteresse e a desmotivação em relação à política?
Martins – Sempre uma parte da população tem pouco interesse em política. Vota porque é obrigada. Se o voto fosse facultativo, provavelmente haveria um aumento da alienação eleitoral. Mas é difícil saber quanto antes de se experimentar a novidade.
ZH – Para os críticos, a mudança poderia acarretar a perda de legitimidade das eleições, já que o número de votantes tende a diminuir. Como o senhor avalia?
Martins – A legitimidade de um processo eleitoral depende de muitos fatores. Depende da extensão da participação, mas também da qualidade. Uma massa de eleitores desinformados, que vende o voto, diminui a legitimidade do sistema. Mas o ideal, é claro, seria um eleitorado bem informado, que pode ou não votar, como mostra o exemplo dos EUA, onde uma parte grande do eleitorado não vota, apesar de ter o direito.
OBS: Numa outra republiqueta bem conhecida, ao invés do Estado policial, é empregado o Estado Judicial que ameaça o cidadão com multas e perda de direitos políticos.
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