ELEIÇÕES
CRÍTICAS MODERADAS E ENSAIO DE PROPOSTAS
ESTREIA EM EMBATES DIRETOS que marcou a largada oficial da campanha mostrou candidatos cuidadosos com palavras e atitudes, mas já assinalou algumas das polêmicas que devem marcar a disputa pelo Piratini
No primeiro debate da campanha eleitoral, promovido ontem pela Rádio Gaúcha, os oito candidatos ao governo do Estado deram uma mostra do que vem pela frente nos próximos três meses. Durante duas horas e meia de um confronto sem ataques duros, eles apresentaram propostas, rebateram críticas e divergiram sobre temas polêmicos.
Talvez por se tratar da estreia nos embates diretos da corrida pelo comando do Palácio Piratini, os concorrentes mediram cada palavra e cada movimento. Evitaram levantar a voz e, na maior parte do embate, fugiram do confronto mais ríspido.
O clima foi de respeito entre Ana Amélia Lemos (PP), Edison Estivalete Bilhalva (PRTB), Humberto Carvalho (PCB), João Carlos Rodrigues (PMN), José Ivo Sartori (PMDB), Roberto Robaina (PSOL), Tarso Genro (PT) e Vieira da Cunha (PDT).
Nos bastidores, eles conversaram e não deixaram transparecer nervosismo. Mas isso não significa que não tenha havido momentos tensos. Um deles trouxe à tona o tema da dívida do Estado com a União. O governador Tarso Genro disse que sua gestão “não se acovardou” diante do problema. Viera rebateu, chamando-o à “realidade” – mais tarde, chegou a dizer que acreditava estar vivendo em um Estado diferente daquele mencionado pelo candidato à reeleição e tachou de “tímida” a atuação de Tarso na defesa da renegociação.
IDEOLOGIA E DÍVIDA CAUSARAM EMBATES
Outra situação tensa envolveu Ana Amélia e Robaina. O candidato vinculou a senadora à ex-governadora Yeda Crusius (PSDB) e questionou sua postura ideológica. Ana Amélia rechaçou a discussão sobre “esquerda e direita” e afirmou que esse tipo de debate “não coloca alimento no prato das pessoas”.
Quem saiu estrategicamente pela tangente foi Sartori. Logo na primeira pergunta, usou quase todo o tempo para se apresentar ao público. De resto, investiu em um discurso moderado. Nas próximas duas páginas, confira os principais tópicos e temas que os candidatos abordaram no debate.
EDUCAÇÃO, CIEPS E BRIZOLA
Apesar de ser a primeira a perguntar, Ana Amélia Lemos evitou o confronto com o principal oponente, Tarso Genro, preferindo direcionar a pergunta para Vieira da Cunha. Escolheu o tema educação, citando o referencial de Brizola.
Vieira defendeu o legado trabalhista, mencionando que Brizola ergueu 6,3 mil escolas no Estado e que Collares construiu mais de cem Cieps. Caso eleito, prometeu retomar as escolas de tempo integral.
– Um Ciep construído hoje é um presidio a menos que vamos ter de erguer amanhã – defendeu.
Na réplica, Ana Amélia afirmou que se compromete a honrar os reajustes concedidos pelo governo Tarso ao magistério.
CAPACIDADE DE INVESTIMENTO
Citando a lei do piso e o “déficit brutal”, Vieira da Cunha questionou Tarso Genro sobre a reduzida capacidade de investimento do Estado. Fazendo comparações com o último mandato no Piratini do PDT, disse que a capacidade de investimentos era de 13% no governo Collares e, atualmente, é de 5%.
Tarso respondeu que o governo não se “acovardou” com a situação financeira e disse que “nenhum governo, nem os dois anteriores somados, deram a metade do aumento real que demos aos professores”, referindo-se ao reajuste de 76,6%.
Na réplica, Vieira disse que se envergonha do Presídio Central:
– Eu, como gaúcho, sinceramente, Tarso, eu me envergonho de ver uma cadeia naquelas condições. Uma das piores, senão a pior do país.
Tarso respondeu que os presos já começaram a ser transferidos:
– Essa vergonha que o candidato Vieira da Cunha manifestou não vai precisar manifestar mais, porque já começamos a transferir os presos do Central para novas penitenciárias que estamos construindo.
UNIDADE E DIFERENÇAS
Pedindo licença para chamar José Ivo Sartori de “Ivo”, pelo fato de se conhecerem há tempos, Tarso perguntou se o adversário peemedebista conhecia programas de seu governo, como o Mais Água, Mais Renda e o microcrédito.
Apresentando-se como o candidato da unidade, Sartori afirmou que não iria “criticar e culpar os outros”. E destacou que, como prefeito de Caxias, contribuiu com programas do Estado, como os que ajudaram a reduzir a criminalidade.
– Parabéns pelos programas que o senhor realizou. Tenho certeza de que o Rio Grande é maior que nossas diferenças – disse o ex-prefeito de Caxias, do partido que mais fez oposição a Tarso na Assembleia.
IDEOLOGIA E ADMINISTRAÇÃO
Buscando vincular Ana Amélia ao governo Yeda Crusius (PSDB), Robaina pediu que a senadora falasse sobre a gestão que teve participação de seu partido, o PP. Além disso, afirmou que a candidatura da senadora representa no Estado o projeto político neoliberal. A candidata respondeu que considera um equívoco levar a discussão sobre o governo para o campo ideológico.
– O mundo hoje não está dividido entre esquerda e direita, mas entre rápidos e lerdos. Quando um pai leva o filho ao pronto-socorro, ele não vai perguntar se o médico é de direita ou esquerda, quer um médico que atenda bem – afirmou.
Robaina classificou de “desastrosa” a administração Yeda, lembrando escândalos como a Operação Rodin, que apurou fraude no Detran.
– Isso não é ideologia, é recurso público – disse Robaina.
AMPLIAÇÃO DE VERBA NA SAÚDE
A pergunta para Tarso Genro foi sobre como resolver o problema da superlotação de emergências. Tarso afirmou que, pela primeira vez, o Estado passou a cumprir o investimento de 12% para a saúde pública. Disse que o Estado repassou aos hospitais filantrópicos e casas de saúde R$ 1,7 bilhão nesses quatro anos. No governo anterior, segundo ele, o valor foi de R$ 417 milhões.
– O Estado não é o que estão dizendo. Estão se reportando a um Estado paralisado, estagnado e oprimido como no governo anterior. O Estado está alavancando em direção ao futuro – defendeu.
Citando dados econômicos, como a supersafra e os R$ 40 bilhões em investimentos privados, afirmou que o Estado vive um “momento excepcional”.
REPRESSÃO A PROTESTOS
Questionado sobre a postura da Brigada Militar em protestos com depredação, Vieira da Cunha afirmou que “dilapidador de patrimônio é criminoso” e pregou repressão a manifestações violentas.
O pedetista também fez críticas à gestão da segurança do governo Tarso e disse que a redução dos índices de criminalidade durante a Copa não condiz com a situação no restante do ano:
– Foi divulgado o mapa da violência: 22 homicídios por 100 mil habitantes, e Tarso diz que o Estado está bem? É desconhecer a realidade. Saindo daqui, vamos ter de nos cuidar, a qualquer momento a gente pode ser assaltado. Isso por quê? Porque não é padrão Fifa.
Outro ponto destacado por Vieira foi a redução do efetivo da BM, que, segundo ele, tem hoje 6 mil policiais a menos que há 20 anos.
AUMENTO DE TAXAS E IMPOSTOS
Questionada sobre aumento de taxas e impostos, Ana Amélia Lemos respondeu que “o gaúcho e a gaúcha não têm mais condições de suportar aumento da carga tributária”. Também prometeu corte de gastos públicos.
– É uma carga excessiva e será feito um esforço para evitar aumento. Nos últimos anos, houve aumento da receita, mas aumento em dobro da despesa do Estado. Não podemos gastar mais do que arrecadamos. Há 24 secretarias, mais de 4 mil CCs, que serão reduzidos drasticamente – prometeu a candidata.
Afirmou que o governo precisa de “transparência e prestação de contas”, e que a população precisa fiscalizar.
Ana Amélia ressaltou ser contrária aos saques a depósitos judiciais (recursos depositados em conta bancária como garantia de pagamento em processos que dependem de decisão da Justiça. Uma lei permite ao governo “pegar emprestada” parte deste valor).
RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA
O tema dos saques nos depósitos judiciais voltou ao debate em outro momento. Em resposta a Vieira da Cunha, Tarso disse que a medida é necessária para reverter “mazelas” herdadas de outros governos:
– O modelo Britto (em relação ao ex-governador Antônio Britto) levou a nossa infraestrutura viária. Recebemos um passivo que estamos revertendo, exatamente por utilizar esses recursos em benefício da nossa gente. Agora, estamos fazendo uma transição. Qual é o elemento chave? Reestruturar a dívida.
Depois de ouvir de Vieira que é “muito tímido” ao tratar a questão da dívida, o governador rebateu:
– Estranho que tu aches tímida a minha participação no cenário nacional, sendo o primeiro governador que encarou uma disputa com o governo federal e reestruturou o indexador da dívida. Sem esse primeiro passo, não teríamos condições de governar do Estado nos próximos quatro anos. Estamos preparando o Estado para uma transição. Agora vou liderar o Estado para reduzir as prestações mensais.
POLICIAMENTO OSTENSIVO
Perguntado sobre propostas para o policiamento ostensivo, Sartori disse que, além de aumento do efetivo policial e da melhora das condições de trabalho, considera essencial a integração entre todos os organismos de segurança.
Defendeu, ainda, programas de prevenção de acidentes e violência escolar, educando para “a cultura da paz”:
– É preciso mudanças profundas na área prisional, mais efetivo, mas também vontade política e investimentos.
Pilchado da cabeça aos pés
-De bombacha preta, botas amarelas e lenço verde, Edison Estivalete Bilhalva (PRTB) chamou atenção no debate. Ao se apresentar, disse não ter sido reconhecido pelo porteiro e decidiu falar sobre a inspiração para a vestimenta. – Me sinto muito feliz em me apresentar aqui pilchado, vocês devem ter notado, porque nós, do PRTB, estamos lutando por um Rio Grande de valor. Vim pilchado, porque o último que andava assim, pilchado, era Getúlio Vargas – afirmou Estivalete.
Onde estava Olívio?
-O ex-governador Olívio Dutra, candidato ao Senado pelo PT, não compareceu ao debate, enquanto os outros principais concorrentes estiveram presentes. Coordenador da campanha de Tarso, Carlos Pestana despistou: – Olívio teve um probleminha, por isso não veio. Nada demais.
Depois do final do debate, a candidata a vice de Tarso, Abgail Pereira (PC do B), disse que Olívio só não foi prestigiar o governador porque a agenda não permitiu.
Língua travada por remédios
-Durante o programa, o administrador João Carlos Rodrigues (PMN) usou o tempo de uma resposta para pedir desculpas ao público pela “língua travada” e pela dificuldade de se comunicar. Segundo o candidato, o problema foi causado pelo uso de medicamentos. Nos bastidores, ao final do programa, Rodrigues contou ter passado a noite mal, com “febrão” e dores no corpo. – Tomei vários remédios, nem sei dizer quantos. Quase que não pude vir – relatou.
Pedido de desculpas
-No primeiro bloco, quando candidatos puderam perguntar uns aos outros, Tarso escolheu Ana Amélia. Por um equívoco da coordenação do debate, ele não pôde fazer o questionamento à senadora e teve de optar por outro interlocutor. Mais tarde, ainda no ar, o mediador, Daniel Scola, reconheceu ter havido um erro de interpretação e se desculpou com o governador. Gentilmente, Tarso aceitou a retratação. O petista entendeu que “não foi doloso”.
DIONE KUHN
Escassez de ideias no embate inicial
Tudo bem que foi o primeiro debate, todos os candidatos queriam se apresentar. O objetivo era dar o primeiro recado ao eleitor. Mas, se essa for a tônica da campanha, o prejudicado será o cidadão. Nenhuma proposta concreta, viável ou inovadora foi apresentada. Apenas promessas e discursos genéricos. Pelo menos, ficaram evidentes as estratégias dos principais candidatos. A elas:
Ana Amélia - Evitou as críticas ao governo de Tarso, seu principal adversário no momento, tentando passar para o eleitor a imagem de que está acima de partidos e picuinhas, preocupada com a gestão do Estado. Falou muito em melhorar a qualidade da educação, mas não disse de que forma.
José Ivo Sartori - Reforçou o discurso de que irá governar para todos e não só para um partido. Quer ser uma espécie de terceira via, driblando a polarização e a troca de acusações entre Ana Amélia e Tarso. Esse confronto, por enquanto, não ocorreu.
Roberto Robaina - Cumpriu o papel de sempre, o de agitar o debate. Colocou Ana Amélia como a candidata do neoliberalismo e Tarso, como o do continuísmo. Ao longo da campanha, ficará claro, como em eleições passadas, que as críticas serão mais leves para o PT e mais pesadas para os demais.
Tarso Genro - Por estar no governo, evidentemente foi o mais atacado. E assim será até o fim. Tentou levantar a autoestima do Estado, que está mergulhado numa grave crise financeira, usando o discurso de que investir é a saída para o governo, mesmo que apenas com empréstimos.
Vieira da Cunha - Bateu no governo sempre que teve oportunidade. E continuará fazendo esse papel, pois precisa se diferenciar dos demais por estar nas últimas colocações na pesquisa.
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