‘Seguro-desespero’: trabalhadores dormem na fila para conseguir pedir auxílio-desemprego. Ministério do Trabalho diz que responsabilidade é do estado, e secretaria estadual do Rio não comenta
POR NICE DE PAULA / ROBERTA SCRIVANO
O GLOBO 12/07/2014 10:10
Atendimento precário: enquanto centenas de trabalhadores esperam para requer o seguro-desemprego, somente 30 senhas são distribuídas por dia - Eduardo Naddar / fotos de Eduardo Naddar
RIO E SÃO PAULO - Se perder o emprego já é uma das piores experiências que um trabalhador pode enfrentar, no Rio a situação é mais dolorosa, porque a demissão vem acompanhada do sacrifício para receber o seguro-desemprego. Os postos do Sistema Nacional de Emprego (Sine) do Ministério do Trabalho, que recebem os pedidos, estão atendendo no máximo 30 ou 50 pessoas por dia. Para garantir uma vaga e não perder o benefício, os desempregados têm que ir aos postos várias vezes, chegar antes do dia amanhecer, esperar horas e, muitas vezes, dormir na fila, como fez o pintor Paulo Rosário Neves, de 55 anos. Morador de Belford Roxo, ele ficou na porta da Central do Brasil das 18 horas da quarta-feira para ser atendido no posto do Poupa Tempo às 8h da manhã do dia seguinte:
— É a terceira vez que venho. Na última, cheguei aqui às 4h da manhã e não consegui. Como só dão 30 senhas, só quem passou a noite aqui conseguiu. É horrível, mas tenho contas para pagar.
Neves não foi o único. Todos os 30 trabalhadores daquela fila atendidos na manhã de quarta-feira chegaram antes do dia amanhecer e ficaram na esperando em pé ou sentados no chão na calçada até 4 horas da manhã, quando os portões da estação foram abertos.
— Cheguei às 2h da manhã e fui o 24º a ser atendido. A maioria, inclusive mulheres, está aqui desde a meia-noite de ontem. As pessoas ficam na rua, sujeitas a assaltos, aos cracudos. É a quarta vez que venho. Isso já virou um auxílio-desespero — reclamou o vigia Clóvis Lomba Júnior, de 36 anos.
A última senha do dia ficou com o analista de operações Wagner Thadeu, em sua quinta ida ao posto. Ele saiu da Penha e conseguiu chegar às 3h30m da manhã. Os demais foram dispensados por volta das 8h30m, quando o atendimento para seguro-desemprego foi encerrado.
‘RESTO DO RESTO’
— Estou tentando pela oitava vez e não consegui. Já fui seis vezes ao posto da Tijuca e duas neste (Central do Brasil). Esta fila até lá em cima é uma pouca vergonha, um descaso. Estou desempregada desde maio, as contas atrasaram, meu nome foi para o SPC. É como se a gente fosse o lixo da sociedade, o resto do resto — lamentou a manicure Ana Cláudia dos Santos.
Como vários outros trabalhadores da fila, Ana Cláudia teme perder o direito ao benefício, que varia de três a cinco parcelas com valor entre R$ 724 e R$ R$ 1.304,63. Pela lei, o pedido do seguro precisa ocorrer até 120 dias depois da homologação da demissão.
No site do Ministério do Trabalho existe a possibilidade de agendar o atendimento nos postos, mas, na quarta-feira não foi possível conseguir agendamento para este ano em nenhum dos postos do Rio. Nas filas, trabalhadores contaram só ter conseguido agendar para setembro. Exatamente por isso, no posto da Ministério do Trabalho, do Centro, que não dá entrada em pedido do auxílio, mas apenas agenda atendimento, as filas também começam de madrugada.
— É a quarta vez que estou aqui. Nas outras, não consegui porque sistema não funcionou ou não tinha vaga. Hoje cheguei às 4h30m da manhã, peguei o primeiro lugar na fila e consegui agendar para 4 de agosto. É quando vou voltar ao posto e dar entrada no pedido — contou o soldador Rômulo Cruz Sobrinho, de 39 anos.
No Sine da Avenida General Justo (Centro), a situação era semelhante. Para conseguir uma das 50 senhas, a partir das 3h já tinha trabalhadores na fila.
Em nota, o Ministério do Trabalho informou que o sistema de agendamento está sendo estudado por um grupo de trabalho para fazer melhorias e que quem não conseguir data deve procurar outro posto ou o atendimento presencial. Sobre as filas nos postos, o ministério afirmou que “o atendimento nos postos do Sine é de responsabilidade dos estados e municípios, e os sistemas geridos pelo MTE que atendem a estes postos encontram-se funcionando normalmente”.
A Secretaria Estadual do Trabalho, responsável pelos postos do Sine, foi procurada desde quarta-feira, mas não indicou nenhum representante para falar e nem mandou nota sobre o assunto.
Já a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, responsável pelo Rio Poupa Tempo, informou que o novo sistema de informática adotado pelo Ministério do Trabalho, que administra o seguro-desemprego, tem apresentado problemas técnicos. “O atendimento parcial está sendo realizado para minimizar os transtornos aos usuários, com a distribuição de 50 senhas diárias nas unidades Baixada Fluminense, Zona Oeste e São Gonçalo. Na Central e em Ipanema, são 30 senhas diárias.
SP TEM ESPERA MENOR
Em São Paulo, quem chega cedo ou marca horário para dar entrada no seguro não enfrenta grandes obstáculos. As filas só começam a se formar depois que os postos abrem, pouco depois das 7h. O tempo gasto para atendimento fica, em média, em duas horas. O pintor industrial Alcides Ribeiro da Silva foi ontem pela primeira vez ao posto da Sé, chegou às 7h15m e às 9h20m já tinha dado entrada no pedido.
— Até que foi rápido. Deu tudo certo— disse.
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