O ESTADO DE S. PAULO 11 Junho 2014 | 05h 53
OPINIÃO
Estava o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, anunciando em entrevista que a sua organização continuaria promovendo manifestações nas ruas de São Paulo na quinta-feira do jogo de abertura da Copa do Mundo quando foi chamado ao telefone. Sete minutos depois de conversar com um assessor do ministro da Casa Civil, Gilberto Carvalho, como informaria em seguida, um jubiloso Boulos retomou a entrevista – para anunciar que o MTST daria uma trégua aos paulistanos. Não iria marcar novos atos em favor dos metroviários ainda em greve naquela segunda-feira. Afinal, acabara de saber que o governo federal havia acatado as suas exigências. “Encerramos nossa jornada com a vitória da mobilização e com nossa pauta completamente atendida”, exultou o dirigente.
Era a rendição do governo da presidente Dilma Rousseff à ofensiva criminosa desencadeada no dia 3 de maio, quando uma área pertencente a uma construtora, propriedade particular, portanto, tornou-se alvo de uma invasão instigada pelas falanges de Boulos e batizada Copa do Povo. Em menos de 40 horas, 2,5 mil barracos foram erguidos no terreno de 150 mil metros quadrados localizado no Parque do Carmo, na zona leste da cidade – e, significativamente, a menos de 4 quilômetros do Itaquerão, o novo estádio do Corinthians. Quatro dias depois, a pedido da empresa proprietária, a Justiça determinou a reintegração de posse da área. A resposta do MTST foi bloquear, sucessivamente, vias estratégicas da capital, das Marginais à Avenida Paulista e ao centro velho. A tática de derrubar a lei no grito provou pela primeira vez dar resultados quando os governos municipal, estadual e federal, PT e PSDB, formaram uma profana aliança para adiar o cumprimento da ordem judicial.
Neste ano de Copa e de eleições em que o poder público mede os passos para não melindrar organizações, grupos e grupelhos autodenominados “movimentos sociais”, que tratam o espaço urbano como se fosse seu pavilhão privado de caça, não espanta que os fundamentos do Estado de Direito e da democracia sucumbam à chantagem dos sem-lei. Para apaziguar o MTST – e inevitavelmente abrindo caminho para que outras violências sejam também premiadas –, Dilma prometeu subsidiar com R$ 152 milhões a construção de 2 mil moradias na Copa do Povo. Estado e Prefeitura arcarão com o restante da fatura. “Não haverá assim gastos com desapropriação”, garante Boulos, aludindo a um suposto acordo com a construtora. O arranjo depende de a Câmara aprovar em segunda votação o Plano Diretor emendado pelo prefeito Fernando Haddad nos termos ditados pelo MTST – para classificar a área invadida como Zona Especial de Interesse Social (Zeis).
“Vitória da mobilização”, como festeja o dirigente, foi além – em escabroso prejuízo da massa de candidatos a uma habitação popular que se inscreveram no Minha Casa, Minha Vida e esperam na fila sem partir para a delinquência. Isso porque o MTST, passando a ser incluído no programa federal, fará a sua própria lista. Na sua próxima fase, os movimentos de moradia que o integram poderão assumir, cada qual, a construção de 4 mil unidades habitacionais em vez das mil atuais. Os empreendimentos geridos por essas entidades poderão se situar em qualquer lugar da cidade. Outra mudança será a elevação do teto da renda dos beneficiários da chamada faixa 1 do programa: passará de R$ 1.600 para R$ 2.172, ou três salários mínimos. O acordo com o MTST – ou melhor, os termos da rendição incondicional do governo, porque é disso que se trata – ficou de ser assinado na próxima segunda-feira.
Nas sociedades complexas, caracterizadas pela competição entre inumeráveis interesses, muitas vezes conflitantes, as chances de êxito dos diversos setores dependem de sua capacidade de se organizar, persuadir o público de que as suas pretensões atendem ao bem comum e de pressionar os apropriados centros de decisão do Estado. Mas, até para prevenir a sua proliferação, não deve haver margem para a chantagem e a transgressão da ordem jurídica, como faz o MTST. Muito menos para serem recompensadas por um governo acoelhado ou conivente.
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