CLAUDIO WEBER ABRAMO
Os confrontos propiciados pelo decreto presidencial que institui uma política nacional para a "participação social" têm servido para exibir a extensão a que chegou o enfraquecimento das instituições políticas.
Caso houvesse razoável segurança de que partidos e Legislativo representam a população, não haveria espaço para a hipervalorização do espontaneísmo que o decreto, embora aproveite, não inventou.
Tampouco haveria motivos para recear que investidas na direção da democracia direta viessem a ameaçar o processo republicano de representação pelo voto e consequente resolução parlamentar de conflitos de opinião.
É óbvio que qualquer governante pode consultar quem quer que seja a respeito de assuntos que lhe aprouver, não necessitando de autorização especial para fazê-lo.
Reciprocamente, ninguém pode proibir um governante de conversar com quem desejar. É também difícil enxergar como se poderia impedir que interlocutores sejam organizados em um "sistema", conforme o decreto estabelece, desde que não se pretenda, com tudo isso, transformar exercícios consultivos em mecanismo deliberativo, ou quase isso.
O risco de que o sistema venha a ser usado pelos governantes para passar por cima do Parlamento só existe porque os verdadeiros representantes da sociedade civil, a saber, os indivíduos eleitos em eleições universais, pouco representam segmentos sociais.
Nunca é demais frisar que ONGs, "coletivos" etc. não são "representantes da sociedade civil", como tantos de seus integrantes apreciam dizer de si próprios e muitos mais ecoam sem reflexão. Essas organizações representam interesses variados, os quais, a despeito de sua possível respeitabilidade, não são necessariamente compartilhados por massas populacionais relevantes.
Sem esquecer que ONGs são notoriamente vulneráveis a captura por interesses partidários, governamentais, religiosos, empresariais e corporativos. Muitas não são capturadas, mas muitas são.
Seja o que for que ONGs proponham, isolada ou coletivamente, decerto merece ser ponderado, mas nunca tomado como reflexo acabado da "vontade popular". No caso em questão, é uma virtual certeza que o governo coopte o sistema de conselhos e o use como caixa de ressonância para seus desígnios.
É de fato muito fácil controlar conselhos. Alguns anos atrás, a Controladoria-Geral da União realizou um estudo sobre eficácia de conselhos gestores de políticas públicas, cuja existência é obrigatória em Estados e municípios para planejar e acompanhar a aplicação de dinheiro de transferências constitucionais (saúde, educação etc.).
Resultado: mais de 90% desses conselhos são inoperantes. Auditorias do Tribunal de Contas da União apontam na mesma direção. Pesquisadores que estudaram o assunto apontam como principais motivos para isso a baixa qualificação dos conselheiros e a facilidade com que são cooptados pelo Poder Executivo.
É claro que é péssimo que conselheiros sejam incompetentes e que prefeitos e governadores neutralizem organismos que existem para vigiá-los. Lamentá-lo, contudo, não muda a realidade.
Se os partidos políticos e o Parlamento brasileiros se aproximassem daquilo que o desenho republicano preconiza, não haveria por que recear atropelamentos e o decreto planaltino poderia, com mais plausibilidade, ser tomado por seu valor de face –propiciar uma comunicação mais ágil entre anseios fracionados e aqueles que tomam decisões administrativas no Executivo.
De modo que o problema em mãos extrapola em muito o decreto em si, originando-se na crise de representatividade política que o Brasil vive.
Há, naturalmente, uma multiplicidade de razões que explicam essa crise. Os próprios diagnósticos diferem entre si, como também diferem os remédios sugeridos. O que não se pode é ignorar a existência da crise.
CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção
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