Eleitores contam como foram procurados para cometer fraudes no Rio Grande do Sul. Trocar de endereço somente no papel e vender o voto a políticos são alguns crimes que se repetem a cada pleito
por Humberto Trezzi, ZERO HORA 21/06/2014 | 14h01
Pedreiro Josmar Schütt admitiu ter feito "favor" e atestado para a Justiça que um casal que nunca conheceu morava com eleFoto: Tadeu Vilani / Agencia RBS
A pouco mais de três meses de o país retornar às urnas, a Justiça Eleitoral ainda tenta punir fraudes registradas nas eleições municipais de 2012. E entre as mais preocupantes estão os eleitores-fantasma. No último recadastramento feito pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), em 185 cidades do Estado, 90.511 pessoas tiveram o título cancelado por não comprovarem o domicílio.
Em parte dos casos, isso ocorreu por negligência, desconhecimento, pelo fato de o eleitor ter mais de 70 anos (quando votar passa a ser facultativo) ou já ter morrido. Outra parcela menor envolve eleitores-fantasma, que têm maior impacto nas disputas municipais, onde poucos votos podem fazer a diferença.
Confira vídeo em que eleitores contam como foram procurados para trocar de domicílio ou atestar à Justiça que desconhecidos moravam com eles
Apesar de esforços de Polícia Federal (PF), Ministério Público (MP) e Justiça, a cada eleição o crime se repete. Com mais eleitores do que habitantes, Itati, no Litoral Norte, atrai há anos a atenção das autoridades. Em 2012, a situação curiosa se transformou em suspeita quando dezenas de pessoas começaram a comparecer a cartórios para declarar moradia no município. Na época, registros oficiais indicavam 2.584 habitantes e um total de 2.842 eleitores.
A migração de títulos eleitorais resultou em investigação da PF, concluída há pouco e apreciada pelo MP. A promotora Paula Athanásio denunciou 54 pessoas por fraude eleitoral, sendo cinco candidatos a vereador e um a prefeito.
ZH localizou alguns dos suspeitos. A pedido do marido de uma candidata a vereadora, o pedreiro Josmar Schütt, o Duma, diz ter atestado que o casal Rita Souza Morais e José Enoir da Rosa vivia na sua casa, sem conhecê-los:
– O Jair Chaves me pediu, como um favor. Era para ajudar a mulher dele, Claudionice da Silveira (PMDB). Agora me ralei.
A funcionária pública Maria Rozani Brehm também diz ter sido convencida por Chaves a emprestar seu endereço a um casal que nem conhecia. Ela garante nunca ter ouvido falar de Joceli Santos e Rozelaine Fagundes, mas atestou à Justiça que eles moravam na casa dela. Hoje, se diz arrependida:
– Era para ajudar Jair Chaves, que conheço desde criança.
A ZH, Chaves confirmou que recrutou eleitores de outros municípios para ajudar a mulher:
– Teve uma pessoa que me pediu R$ 50 e eu dei. Ela tem um filho com necessidades especiais. Mas não sou o único, tem muito político em Itati que fez o mesmo.
A PF indiciou e o MP denunciou seis políticos de Itati por "falsidade de informações, transporte de eleitores e transferência de títulos com comprovantes falsos de domicílio" (veja os nomes abaixo).
Contraponto
O que os seis políticos de Itati denunciados afirmaram em depoimento à Polícia Federal
Gilmar Silva de Oliveira (PP), o Zequinha, vereador – Negou ter aliciado eleitores. Admitiu conhecer um casal que transferiu título para Itati, mas negou ter pedido a eles que o fizessem para se beneficiar.
Valoir da Silva (PMDB), o Ita, vereador em Itati – Disse que quem transferiu títulos para votar nele o fez "por espontânea vontade" e negou ter pedido isso a eles.
Ézio Menger (PP), candidato derrotado a prefeito – Negou as acusações, mas confirmou conhecer um cabo eleitoral apontado pela Polícia Federal como aliciador de eleitores.
Everaldo Inácio da Silva (PMDB), o Juquinha, vereador – Negou aliciar eleitores. Admitiu que o irmão de um cunhado transferiu o título para ajudá-lo, mas sem seu conhecimento.
Deroci Fernandes Martins (PMDB), vereador em Itati – Negou envolvimento em transferências de títulos.
Claudionice da Silveira Chaves (PMDB), candidata derrotada a vereadora – Disse que foi o marido, Jair Chaves, quem teve ideia de pedir a amigos que transferissem títulos para Itati. Negou saber de eventuais promessas feitas às pessoas.
Troca de domicílio para Triunfo sairia por R$ 500
Com maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Estado e marcada nos últimos anos por suspeitas de crimes eleitorais, Triunfo também está na mira das autoridades. Indícios de fraude em transferências de domicílio foram constatados por ZH.
A dona de casa desempregada M.S.S. (ZH preserva o nome a pedido da eleitora, que teme represálias) reside em Portão, no Vale do Sinos. Mas, à Justiça Eleitoral, declarou morar em Triunfo, a cerca de 70 quilômetros de onde vive.
Ela admite que trocou de domicílio eleitoral em 2012, a pedido de um cabo eleitoral de Triunfo, que teria arrebanhado votos para o vereador Valério Aires (PDT). De acordo com a dona de casa, esse homem teria percorrido diversas cidades do Vale do Sinos em busca de eleitores dispostos a votar em Triunfo. Foi apresentado a ela por um amigo em comum.
– Eles ofereceram R$ 500, incluindo combustível para a nossa moto. Meu marido e eu aceitamos e fomos a Triunfo, trocando o domicílio eleitoral. Tinha um monte de gente de nossa cidade fazendo o mesmo lá. Mas deu tudo errado, porque a Justiça desconfiou, foi na casa onde informamos morar e não nos encontrou. Impediram que a gente votasse.
A moradora conta que ela e o marido receberam R$ 250, metade do valor prometido. O caso está sendo apurado pela Polícia Federal, e duas outras pessoas confirmaram a versão de M.S.S. A partir de uma lista de eleitores, ZH conferiu casos em que havia sobrenomes diferentes em uma mesma casa. Constatou, por exemplo, que no cadastramento de 2012 três pessoas declararam residir na Rua 13 de Maio, 72, no centro de Triunfo. Mas o número não existe – o mais próximo é o 73, junto a um terreno baldio. Vizinha, uma professora confirma que jamais ouviu falar na residência e nos três "moradores" .
Na Rua Flores da Cunha, número 25, também no centro, deveriam viver três pessoas, segundo cadastro da Justiça. Nesse caso, o endereço até existe, mas nenhum mora ou morou lá. Quem reside é um aposentado, que desconhece o trio. Vizinha dali, uma moradora diz que vive há 30 anos no local e nunca ouviu falar dos nomes apresentados pela reportagem.
Contraponto
O que diz Valério Aires (PDT), vereador em triunfo - "Não estou sabendo desses depoimentos. Não conheço eleitores em Portão e, se algum funcionário foi pedir que transferissem o título para votarem em mim em Triunfo, foi sem meu conhecimento. Esse tipo de coisa não é do meu feitio."
http://videos.clicrbs.com.br/rs/zerohora/video/politica/2014/06/eleitores-fantasma/83504/
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