Para oposição, decreto presidencial sobre o tema é arbitrário
POR EVANDRO ÉBOLI
O GLOBO 16/06/2014 7:00
Multiplicador. Lula durante a cerimônia de lançamento da Conferência Nacional das Cidades. Em suas gestões, estes encontros quadruplicaram<252> - Roberto Stuckert Filho/9-4-2003
BRASÍLIA - A adoção de políticas de participação popular, com representantes da sociedade atuando em alguma instância de debate e de interlocução com o governo, explodiu nas gestões do PT, em especial nos oito anos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E a proliferação veio sob a forma de conferências nacionais, dos mais variados temas, e de conselhos nos âmbitos dos ministérios.
Nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foram realizadas 19 conferências; nos dois mandatos de Lula, este número quadruplicou: foram 74. No período tucano, aconteceram conferências nas áreas de Saúde, Direitos Humanos, Criança e Adolescente e Assistência Social, entre outras, que prosseguiram nos anos Lula. E, sob a direção do PT, novas temas surgiram, como Cidades, Pesca, Esporte, Cultura, Juventude e Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis.
Não é diferente quando se compara a criação de comissões e comitês atrelados aos ministérios: foram oito no período FH (de Combate à Discriminação LGBT, Juventude e Esporte, entre outros) e 18 no período Lula (como Erradicação do Trabalho Escravo, Economia Solidária, Igualdade Racial e Direito da Mulher).
O formato das conferências e destes conselhos enfrenta resistência de especialistas e até mesmo de conselheiros que compõem os colegiados. Muitos entendem serem fórmulas saturadas, devido aos processos e às longas discussões, trabalhosas e de pouco resultado prático. A maior parte das recomendações feitas ali — contadas às centenas — não são adotadas pelos governos. Com os conselhos populares, previstos no decreto da presidente Dilma Rousseff, os movimentos sociais teriam mais voz e maior poder de intervenção e de deliberação.
Resposta às manifestações de junho de 2013
Um dos que trabalharam, dentro dos movimentos sociais, para que a presidente Dilma Rousseff baixasse o polêmico decreto que institui a Política Nacional de Participação Social, o advogado Rildo Oliveira, coordenador nacional do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, diz que as manifestações de junho de 2013 reforçaram e pressionaram o governo a intensificar e a regularizar este tipo de participação popular. Ele diz que muitos dos conselhos que existem hoje são pró-forma, praticamente só existem no papel e não funcionam.
— Com os conselhos, o Estado abre espaço para a participação direta da sociedade, a chamada democracia direta. E é um equívoco o entendimento de deputados e senadores de que os conselhos vão substituir o Congresso Nacional. Não vão. Esse espaço de escuta do governo e monitoramento das políticas públicas precisa ser feito pela sociedade. O Congresso tem esse papel, mas não é acessível à população. Não tem forma participativa. Não permite pautas populares. E nem dispõe de tempo. Tem seus debates políticos; as aprovações pressupõem acordos com todas as forças. O Congresso é o espaço do grande debate, da elaboração das leis. Os conselhos não vão substituir as leis. E nem podem. Mas podem provocar debates, interpretações e apontar ações de políticas públicas — argumenta.
Para a oposição, o decreto da presidente Dilma é arbitrário. Seus representantes obstruíram a votação no Congresso na semana passada e exigem que a presidente revogue o decreto e o envie como projeto de lei.
— Não aceitamos esse decreto arbitrário e ditatorial, que passa por cima do parlamento brasileiro. É uma atitude bolivariana. Está se falando muito que esse decreto significa apenas articulação de conselhos já instituídos por lei. Mas, na prática, cria uma situação de fato em que não se respeita o Congresso Nacional. Essa Casa precisa ser respeitada constitucionalmente, e infelizmente a presidente Dilma não a levou em consideração — afirmou o deputado Mendonça Filho (PE), líder do Democratas.
A presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Maria do Socorro de Souza, apoia o decreto e diz que ele não altera o funcionamento desses colegiados, mas obriga os governos a adotarem esse tipo de instância em seus executivos. Para Socorro, os congressistas são contrários ao texto porque o Legislativo não é, no seu entendimento, uma Casa aberta à participação social.
— Os mecanismos que Câmara e Senado têm são as audiências públicas, insuficientes — diz Maria do Socorro. — O decreto da presidente é uma conquista da sociedade. Veio como uma resposta às manifestações, que querem democracia mais radical, mais consequente. Em algumas áreas, é tudo muito fechado ainda. O Legislativo e o Judiciário são assim. A área econômica do governo é refratária à sociedade. O planejamento. Por exemplo, a Copa do Mundo trouxe benefícios, mas poderia ter sido mais bem planejada e mais debatida com esses conselhos. Nós, os conselhos, não temos poder de decisão. O que decidimos nem sempre o governo faz. Disputamos a agenda do governo, suas prioridades. Para nós, do CNS, a prioridade é o SUS (Sistema Único de Saúde). Para o governo, é o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
252>
Nenhum comentário:
Postar um comentário