VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

domingo, 22 de junho de 2014

HÁ SEMPRE O INESPERADO




ZERO HORA 22 de junho de 2014 | N° 17837



ROBERTO DA MATTA




No filme A Ponte do Rio Kwai (1957), de David Lean, planeja-se uma missão de sabotagem tão perigosa quanto ganhar uma Copa do Mundo: dinamitar em pleno território ocupado pelos japoneses, então inimigos, uma ponte estratégica. Um pequeno grupo, comandado pelo Felipão, digo, pelo major Warden (vivido pelo ator inglês Jack Hawkins), sai a campo, digo, à selva birmanesa, para dinamitar a ponte. Ponte que separa (e une) guerra e paz, sanidade e loucura, fracasso e derrota.

Diante de um trabalho tão arriscado, o experiente major faz a sábia advertência que intitula essa crônica: há sempre o inesperado. O não programado, o hóspede não convidado, o gol contra, a falha na hora do pênalti, o erro do juiz, o esquecimento revelador, a emoção que embarga a voz, o tremor na hora da assinatura, o flagrante que desnuda a cadeia de corrupção, a carta inesperada, a incompetência de algum membro do aparelho partidário que, burro e confiante, diz o que não pode ou deve.

Como somos seres não programados, inventamos leis, mandamentos, códigos, rotinas e rituais. Alguns são tolos, como engraxar sapatos, dar beijinho na testa ou pentear o cabelo. Outros são fundamentais, como honrar o cargo público, enjaular bandidos, contar com uma polícia honesta, não corromper empresas públicas e, por último, mas não menos básico, prover diversão em locais públicos.

Nisso se enquadra o torneio esportivo e, para nós, brasileiros, as copas do mundo, como notam alguns jornalistas americanos, ignorantes que as conquistamos cinco vezes, são uma modalidade tão mobilizadora que chamam de “religião”. Não tendo que lutar com o pessimismo que carregamos no cangote, graças ao nosso eugenismo racista que foi logo substituído pelo determinismo marxista aliado ao positivismo de Comte, a visão do esporte para os americanos é uma atividade do universo do ócio. Um ócio que, ao contrário do que diz uma contrafação metida a intelectual, fabricado em pizzaria, só pode ser criativo. Como poderia ser outra coisa se até coçar o saco é uma arte, como sabem de sobra os nossos políticos em geral e os nossos dirigentes em particular?

Ora, o culto do futebol no Brasil tem lógica e razão. Ele une uma atividade originária de um país imperialista, racista, visto como modelar e rico (a velha Inglaterra), a uma nação paternalista, aristocrática até a medula, na qual administração pública e sistema cultural (gostos populares, comidas, músicas, crenças, etc...) sempre jogaram muito mais um contra o outro do que um com o outro. O futebol junta pela emoção Estado e sociedade. Não é um inesperado trivial.

Em 1950, com 13 anos, fui com meus irmãos assistir à vitória do Brasil contra a então Iugoslávia. Fomos e voltamos de bonde e barca. Não havia demonstrações, e o Brasil se orgulhava do seu maior estádio do mundo.

No dia 12, vi num telão em Miami (onde fui tragado pelo meu trabalho pioneiro de estudioso do futebol) o jogo Brasil e Croácia (que foi – eis um outro inesperado – um pedaço da Iugoslávia) com a mesma emoção religiosa, porque foi o futebol que inventou um Brasil que deu certo. Esse “dar certo” que é lugar-comum nestes Estados Unidos, exceto pela crise financeira, pelo revivalismo de extrema direita e pelo problema do Iraque que, ao que tudo indica, coloca por terra uma custosa e provavelmente inútil invasão, ampliando o terrorismo antiamericano.

Esses são inesperados, tais como o do jogo inaugural com um gol contra de um excelente jogador brasileiro, um pênalti cavado com arte e uma presidente inventada por Lula e eleita pelo maior partido popular e populista do Brasil que, contrariando a expectativa populista, foi civicamente vaiada. Sinal de um claro divórcio entre governo e sociedade. Entre um Estado com as suas usuais caras de pau e seu histórico de corrupção e aparelhamento colado numa argentária Fifa. E de uma sociedade ligada no futebol, que ama e pratica com excelência mundial, com sua transparência, sua vontade de vencer e o seu talento à prova de compadrios e aparelhamentos partidários.

O inesperado foi a vaia de um lado e, do outro, a virada para a vitória depois de um imprevisto e deprimente gol contra. Deste modo, tanto no campo quanto na vida, o futebol prova-se mais veraz do que a trivial realidade.

Os materialistas dizem que a arte é um prolongamento da vida. Eu digo o contrário: o que inventa a vida é a arte. Do mesmo modo que o futebol reinventa o Brasil e haverá de reinventá-lo nesta Copa, jogando também contra as pilantragens da Fifa, da CBF, da corrupção federal e do populismo lulo-petista, que já não dribla e começa a levar gols.

Há sempre o inesperado.

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