O GLOBO 27/06/2014 0:00
José Paulo Kupfer
Quando se vai um pouco mais ao detalhe, surge uma face bem distante do que a expressão deveria de fato indicar
Prejudicados pelas paralisações de funcionários do IBGE, os dados do mercado de trabalho, em maio, divulgados ontem, vieram ainda mais parciais do que normalmente já são. O principal levantamento mensal sobre o setor, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), como se sabe, restringe-se às seis maiores regiões metropolitanas, mas, com o estado de greve, só foram completadas as informações do mês passado sobre quatro delas.
Com Salvador e Porto Alegre de fora, o IBGE divulgou os números de São Paulo, Rio, Recife e Belo Horizonte sem calcular a média do conjunto. A estabilidade anunciada, porém, permite concluir que a taxa de desemprego, medida pela PME, continua baixa, nas vizinhanças de 5%, mesmo com a economia dando sinais mais fortes de esfriamento. Registra-se uma lentíssima deterioração do emprego, da qual a trajetória de redução das contratações formais é uma indicação evidente, mas não suficiente para mudar a paisagem, nem no médio prazo.
Já faz um bom tempo que a combinação, aparentemente contraditória, de baixo crescimento com baixo desemprego, em situação tida como de “pleno emprego”, desafia os economistas. Formou-se um frágil consenso de que esse quadro se deve, em resumo, a uma redução no ritmo de expansão da População Economicamente Ativa (PEA), em relação ao ritmo de crescimento da População Ocupada (PO), complementado pela hesitação das empresas em demitir, diante dos altos custos de demissão e de treinamento de pessoal.
Esse consenso inclui um reconhecimento, tanto da parte dos aliados do governo quanto de seus críticos, de que o mercado de trabalho vive um período de “pleno emprego”. O conceito, num país em que 40% da força de trabalho ainda são informais e 25% dos trabalhadores exercem atividades em regime precário, talvez esteja sendo tomado de forma excessivamente genérica. De todo modo, curiosamente, tem servido, ao mesmo tempo, para justificar a política econômica oficial — o crescimento é baixo, mas o emprego, o fator que realmente importa, é alto — e para apontar suas fraquezas — o mercado de trabalho aquecido, numa conjuntura de escassez de oferta e baixo investimento, acende a inflação, obriga à elevação dos juros e freia o crescimento.
É nessa hora que o recurso apenas a informações agregadas pode induzir, de parte a parte, a diagnósticos enviesados. Quando se vai um pouco mais ao detalhe, o “pleno emprego” mostra uma face bem distante do que a expressão de fato deveria indicar. Esse “pleno emprego” é sustentado por trabalho precário, concentrado em subocupação e, consequentemente, em sub-remuneração. No debate da situação do mercado de trabalho, bem como de seus desdobramentos econômicos e até mesmo políticos, essa característica tem ficado relegada a um distante segundo plano.
Nos últimos dois anos, três em cada quatro vagas de trabalho foram absorvidas pelo setor de serviços, com destaque para o comércio, segmento que, por definição metodológica, abarca amplos níveis de ocupação, podendo chegar até a vendedores de rua.
Existem, obviamente, serviços altamente qualificados — em engenharia, finanças, comunicações, tecnologia etc —, mas, no mercado de trabalho brasileiro, a imensa maioria das ocupações do setor se caracteriza pela menor exigência de qualificação e, em consequência, remuneração e produtividade tendem a ser mais baixas. Isso pode ser comprovado pelo fato de que, nos serviços, a remuneração média fica abaixo de dois salários-mínimos e a rotatividade anual da mão de obra, indicador de qualificação, atinge taxas absurdas — 60% no total e 90% entre jovens de 18 a 24 anos.
Falar em “pleno emprego”, nessas circunstâncias, convenhamos, não passa de um exagero retórico.
José Paulo Kupfer é jornalista
Quando se vai um pouco mais ao detalhe, surge uma face bem distante do que a expressão deveria de fato indicar
Prejudicados pelas paralisações de funcionários do IBGE, os dados do mercado de trabalho, em maio, divulgados ontem, vieram ainda mais parciais do que normalmente já são. O principal levantamento mensal sobre o setor, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), como se sabe, restringe-se às seis maiores regiões metropolitanas, mas, com o estado de greve, só foram completadas as informações do mês passado sobre quatro delas.
Com Salvador e Porto Alegre de fora, o IBGE divulgou os números de São Paulo, Rio, Recife e Belo Horizonte sem calcular a média do conjunto. A estabilidade anunciada, porém, permite concluir que a taxa de desemprego, medida pela PME, continua baixa, nas vizinhanças de 5%, mesmo com a economia dando sinais mais fortes de esfriamento. Registra-se uma lentíssima deterioração do emprego, da qual a trajetória de redução das contratações formais é uma indicação evidente, mas não suficiente para mudar a paisagem, nem no médio prazo.
Já faz um bom tempo que a combinação, aparentemente contraditória, de baixo crescimento com baixo desemprego, em situação tida como de “pleno emprego”, desafia os economistas. Formou-se um frágil consenso de que esse quadro se deve, em resumo, a uma redução no ritmo de expansão da População Economicamente Ativa (PEA), em relação ao ritmo de crescimento da População Ocupada (PO), complementado pela hesitação das empresas em demitir, diante dos altos custos de demissão e de treinamento de pessoal.
Esse consenso inclui um reconhecimento, tanto da parte dos aliados do governo quanto de seus críticos, de que o mercado de trabalho vive um período de “pleno emprego”. O conceito, num país em que 40% da força de trabalho ainda são informais e 25% dos trabalhadores exercem atividades em regime precário, talvez esteja sendo tomado de forma excessivamente genérica. De todo modo, curiosamente, tem servido, ao mesmo tempo, para justificar a política econômica oficial — o crescimento é baixo, mas o emprego, o fator que realmente importa, é alto — e para apontar suas fraquezas — o mercado de trabalho aquecido, numa conjuntura de escassez de oferta e baixo investimento, acende a inflação, obriga à elevação dos juros e freia o crescimento.
É nessa hora que o recurso apenas a informações agregadas pode induzir, de parte a parte, a diagnósticos enviesados. Quando se vai um pouco mais ao detalhe, o “pleno emprego” mostra uma face bem distante do que a expressão de fato deveria indicar. Esse “pleno emprego” é sustentado por trabalho precário, concentrado em subocupação e, consequentemente, em sub-remuneração. No debate da situação do mercado de trabalho, bem como de seus desdobramentos econômicos e até mesmo políticos, essa característica tem ficado relegada a um distante segundo plano.
Nos últimos dois anos, três em cada quatro vagas de trabalho foram absorvidas pelo setor de serviços, com destaque para o comércio, segmento que, por definição metodológica, abarca amplos níveis de ocupação, podendo chegar até a vendedores de rua.
Existem, obviamente, serviços altamente qualificados — em engenharia, finanças, comunicações, tecnologia etc —, mas, no mercado de trabalho brasileiro, a imensa maioria das ocupações do setor se caracteriza pela menor exigência de qualificação e, em consequência, remuneração e produtividade tendem a ser mais baixas. Isso pode ser comprovado pelo fato de que, nos serviços, a remuneração média fica abaixo de dois salários-mínimos e a rotatividade anual da mão de obra, indicador de qualificação, atinge taxas absurdas — 60% no total e 90% entre jovens de 18 a 24 anos.
Falar em “pleno emprego”, nessas circunstâncias, convenhamos, não passa de um exagero retórico.
José Paulo Kupfer é jornalista
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