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terça-feira, 17 de junho de 2014

PORTA-VOZ DA INDIGNAÇÃO DAS RUAS


ZERO HORA 17 de junho de 2014 | N° 17831


MARCELO MONTEIRO


ENTREVISTA LUCIANA GENRO

Luciana Genro , pré-candidata do PSOL à Presidência da República


“Quero ser porta-voz da indignação das ruas”



Aos 43 anos, Luciana Genro está prestes a dar o maior passo na carreira política iniciada aos 14 anos, no Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. No próximo fim de semana, na convenção do PSOL, a ex-deputada estadual (1995 a 2002) e federal (2003 a 2011) deve ser confirmada como candidata à Presidência no lugar do senador Randolfe Rodrigues (AP), que desistiu de concorrer. Ex-professora de inglês e hoje advogada, Luciana prega uma revolução tributária que incluiria o imposto sobre grandes fortunas para dar mais e melhores serviços, como o transporte público gratuito reivindicado nos protestos de 2013. Luciana afirma que o PSOL pretende dar voz à indignação apresentando-se como “alternativa ao continuísmo e ao retrocesso” que, segundo ela, marcam partidos como PT e PSDB.

– Não quero chegar ao poder com a alma vendida – diz Luciana, em entrevista ontem a ZH.

Por que, ao desistir da candidatura, Randolfe Rodrigues consultou antes o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ)? Seu nome só surgiu depois de ele não aceitar.

Acho que Randolfe estava um pouco traumatizado pela falta de unidade do partido em torno da candidatura dele. E temeu que, em torno do meu nome, também não se conseguisse construir essa unidade. Mas não foi assim que aconteceu. Logo após ele anunciar a desistência, a ampla maioria da executiva do partido se posicionou favoravelmente ao meu nome. Tenho a expectativa de que, na convenção, meu nome seja unânime.

Quais são suas bandeiras?

Eu quero ser uma porta-voz da indignação que tomou conta das ruas em 2013 e continuou neste ano em protestos, greves e manifestações. Essa indignação com a política tradicional, como um balcão de negócios, está latente na consciência das pessoas. E eu quero traduzir isso. Por isso, não aceitei ser sombra do meu pai, nem quando ele era ministro, nem agora que ele é governador.

E em termos de propostas?

Um dos pontos importantes é o resgate da ideia de participação maior e mais direta do povo na política. Vamos propor uma constituinte popular que possa rediscutir todo o sistema político. Do ponto de vista econômico, há dois temas importantes: a dívida pública e o sistema tributário. Hoje, o Brasil destina mais de 40% do orçamento para pagar juro e amortização da dívida. No ano passado, o Brasil fez mais de R$ 90 bilhões de superávit primário. O que é isso? Dinheiro dos impostos para pagar os credores da dívida pública. E isso inclui um esforço fiscal enorme que o Rio Grande do Sul faz, naquele acordo da dívida ainda da época do Britto (ex-governador Antônio Britto), que até hoje não foi revisto, e segue inviabilizando as finanças do Estado.

Como seria sua revolução tributária e a taxação sobre os ricos?

Tem um estudo feito pelo economista Márcio Pochmann que demonstra que as 5 mil famílias mais ricas do Brasil são as maiores beneficiárias tanto do sistema da dívida pública quanto da estrutura tributária. Quero que essas 5 mil famílias, os milionários e os bilionários, paguem mais. Para isso, a gente precisa regulamentar o imposto sobre grandes fortunas e rever certas isenções tributárias. Há uma tributação muito pequena ao grande capital. Não é à toa que os bancos lucraram mais de R$ 70 bilhões em 2013. Então, são esses que eu quero atingir – os grandes bancos, as grandes empresas, os milionários que acumulam riqueza.

A senhora foi criticada por companheiros de partido por ter recebido contribuição da Gerdau. Como vai financiar a campanha?

Nunca abri mão de um milímetro de minhas ideias em troca de financiamento. Mesmo quem me critica sabe. O estatuto do PSOL proíbe doação de empreiteiras, bancos e empresas estrangeiras e será seguido. Vamos buscar financiamento da militância do PSOL, uma plataforma de arrecadação via internet para que pessoas possam doar e se sentir parte da construção de uma candidatura não capturada pelo poder econômico.

Qual é o maior adversário da esquerda na eleição?

São os grandes meios de comunicação, em primeiro lugar, que escondem a existência de uma proposta diferente. Um tema fundamental é a democratização dos meios de comunicação, ou seja, uma democracia que não permita simplesmente aos donos dos meios de comunicação dizer e mostrar o que querem, mas sim espaços democráticos e igualitários para todos os segmentos políticos. Em segundo lugar, o poder econômico dos grandes bancos, das grandes empreiteiras, as mesmas que lucraram com as obras da Copa – inclusive, muitas que foram superfaturadas – são as mesmas que financiam o PSDB, o PMDB, o PSB, o PT. É só olhar. Então, esse é um adversário poderoso, que turbina as grandes candidaturas e de quem nós não temos e nem queremos ter o apoio.

Não é constrangedor para a senhora fazer críticas tendo pai filiado ao PT e governador do Estado?

A minha relação com o meu pai é tão forte, nosso amor é tão grande que ele superou esses estereótipos que existem de que a filha deve ser imagem e semelhança do pai ou de que o pai deve ser o mito inquestionável. E mesmo assim a gente conseguiu manter uma relação familiar amorosa. Essa situação não me constrange. Sei que ele tem também uma visão bastante crítica do PT.

Então conte para a gente quais são as críticas dele sobre o PT.

É melhor você perguntar para ele (risos).

No Estado, quais são suas principais ressalvas à administração do PT? Discute isso em família?

A gente conversa, mas procura não transformar encontros familiares em embates políticos. Então, conversamos em nível mais superficial. Em relação ao governo do Estado, prefiro não me aprofundar muito, por haver essa relação familiar, mas acho que o Estado é refém da situação nacional.

Para o governo do Estado, a senhora terá de escolher entre seu pai e o pai de seu filho, o candidato do PSOL. É difícil separar a questão política da familiar?

Não é uma escolha entre o meu pai e o pai do meu filho, é entre o PT e uma frente de esquerda. E eu sou do PSOL, que faz parte dessa frente. Então, não há dúvida nessa escolha.

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