ZERO HORA 11/06/2014 | 06h01
por Adriana Irion
Ministério Público aponta venda de cargos na Assembleia Legislativa. Ação de improbidade foi encaminhada à Justiça pelo MP depois de apurar suposto esquema de pagamento por funções gratificadas entre ex-servidora, ex-deputado e dois funcionários do parlamento gaúcho
Investigação surgiu depois da revelação do caso de servidora que passeava com o cão durante expedienteFoto: Jean Schwarz / Agencia RBS
Dois anos depois de Zero Hora revelar o caso de uma servidora da Assembleia Legislativa que passeava com seu cachorro na Praça da Matriz durante o horário de trabalho, uma investigação do Ministério Público traz à tona a existência de um suposto esquema de pagamento por funções gratificadas (FGs).
A apuração, que resultou nesta quarta-feira em uma ação de improbidade contra quatro pessoas, mostrou que Lídia Rosa Schons, em pelo menos duas oportunidades, devolveu parte do salário como contrapartida para ocupar FGs.
A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público também constatou que, de um período de oito meses durante o qual estava lotada no gabinete do então deputado Paulo Azeredo (PDT), apenas em 11 dias Lídia usou o computador por oito horas, a jornada de trabalho prevista em lei. Em 82% do tempo analisado, ela esteve conectada à rede do parlamento por apenas quatro horas, ou seja, meia jornada. Testemunhas confirmaram ao MP que Lídia costumava ficar em casa ou fazer compras no turno da tarde.
Quando ZH denunciou o caso, em 10 de julho de 2012, Lídia atuava como atendente no gabinete de Azeredo e recebia salário bruto de R$ 24,3 mil – a remuneração da FG à época chegava a R$ 10,4 mil, a mesma destinada a cargos de diretoria. ZH flagrou Lídia passeando com seu cachorro Bob e fazendo compras em horário de trabalho, durante a tarde.
Ao concluir a apuração aberta a partir da publicação da reportagem, o MP ingressou na Justiça com ação contra Lídia, servidora aposentada. Também incluiu Azeredo, que atualmente é prefeito de Montenegro, José Renato Heck, ex-chefe de gabinete de Azeredo, e Miguelina Paiva Vecchio, que tem cargo em comissão na bancada do PDT no parlamento, mas está licenciada para concorrer a deputada federal.
Lídia e Miguelina são acusadas pelo MP de enriquecimento ilícito. Por meio de dados obtidos com a quebra do sigilo bancário, foram detectados repasses da conta de Lídia para a de Miguelina em 2011. Lídia, que ingressou no parlamento como servente e tem Ensino Fundamental completo, substituiu Miguelina, socióloga, durante um período de licença-prêmio naquele ano.
Negociação de função gratificada
À época das reportagens, ZH mostrou não só o descontrole sobre a jornada de trabalho como também a falta de critérios técnicos para distribuição de FGs. Lídia e Miguelina admitiram, em entrevistas ao jornal, que a indicação para uma FG levava em conta se a pessoa estava em dificuldades financeiras, precisando, portanto, engordar o salário.
O trabalho do MP reforçou outra suspeita: a de que FGs são negociadas com o objetivo de que as pessoas garantam tempo suficiente para incorporá-las na aposentadoria. Em contrapartida, devolvem parte da gratificação para a pessoa que as indicou ou concedeu a função.
A quebra de sigilo bancário ainda mostrou que, enquanto esteve lotada no gabinete de Azeredo, Lídia, depois de receber salário, fazia saques de altos valores. Para o MP, isso significa que ela repassava parte dos ganhos para "terceira pessoa", a exemplo do que já ocorrera no caso de Miguelina.
– Lídia vivia modicamente, uma pessoa sem patrimônio e com hábitos modestos, até no modo de vestir. Tudo indica que sacava e repassava a maior parte dos valores que recebia – diz a promotora que comandou a investigação, Martha Weiss Jung.
Conforme a ação, Azeredo e Heck praticaram atos de improbidade por terem atestado 100% da efetividade de Lídia sem que ela cumprisse todo o expediente. O MP também pede na ação a devolução de R$ 81 mil, valor atualizado do que foi pago a Lídia sem ela ter trabalhado.
Promotoria cassou valor incorporado
Em outubro de 2012, o Ministério Público já havia ingressado com outra ação relacionada a Lídia Rosa Schons, pedindo a cassação do valor da função gratificada (FG) que ela havia incorporado na aposentadoria.
A Justiça aceitou e determinou, em decisão liminar, que Lídia deixasse de receber R$ 11,2 mil.
O pedido do MP ocorreu por entender que foi irregular a concessão de uma das mais altas FGs do parlamento para uma servidora que trabalhava como recepcionista e que estava sob suspeita de não cumprir jornada integral.
A investigação concluída nesta semana comprovou que Lídia descumpria a jornada e, mesmo assim, tinha a efetividade atestada por superiores. Na ação de 2012, que tramita na 5ª Vara da Fazenda Pública, o MP também pediu a devolução de R$ 149 mil que ela teria recebido indevidamente.
Na mesma ação, a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público pediu para ser declarado nulo o ato do Legislativo que permitiu que fosse incorporada à aposentadoria de Lídia de 100% da FG. Ainda não houve decisão. O processo está em fase de instrução.
Contrapontos
O que diz João Elias Bragatto, advogado de Lídia Rosa Schons - "Não vou me manifestar antes de verificar se o assunto está sob sigilo."
O que diz Paulo Azeredo, atual prefeito de Montenegro - "Ela cumpria as oito horas, até mais, como todos funcionários. Um assessor de parlamentar trabalha muitas vezes em horários e turnos diversos. Ela fazia trabalho interno e externo. No momento em que foi feita a tomada de imagens, em parte ela estava de férias. Mesmo em férias ela ia trabalhar. Os meus funcionários trabalhavam oito horas ou até mais."
ZH deixou recado com a secretária pessoal de Miguelina Vecchio e no celular, mas não obteve retorno. José Renato Heck não quis se manifestar sobre a ação do mp.
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