EDITORIAIS
A inquietação manifestada pelos brasileiros nas últimas três semanas teve como estopim um problema de dramática atualidade: as altas tarifas e a má qualidade do serviço de transporte urbano. Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) com 3,7 mil pessoas em 212 municípios em 2011 sugere que se trata de dilema que afeta a população brasileira de forma desigual, mas extensiva. Dos entrevistados com renda familiar per capita mensal de zero a cinco salários mínimos, 99% declararam-se usuários cativos ou exclusivos do transporte público. Segundo o mesmo levantamento, a avaliação negativa do serviço cresce à medida que aumenta o tamanho da cidade: apenas 27% dos entrevistados em municípios com menos de 20 mil habitantes consideraram o transporte ruim ou muito ruim, enquanto essa mesma fatia subiu para 41% nas concentrações com mais de 100 mil habitantes.
Logo os manifestantes incluíram também na sua pauta de reivindicações outros serviços públicos deficientes, especialmente nas áreas de saúde, educação e segurança. Também nesse aspecto, mostraram ter com o restante da população uma sintonia raras vezes atingida por representantes eleitos nos parlamentos. Conforme o Datafolha, em levantamento realizado no dia 21, dois em cada três paulistanos eram favoráveis à continuidade das manifestações e propunham como principais bandeiras a saúde (40%), a educação (20%) e o combate à corrupção (17%). As demandas nessas áreas essenciais são urgentes, pois ninguém suporta mais ver filas de doentes nas emergências dos hospitais, pessoas esperando meses por consultas especializadas e cirurgias, falta de médicos em locais remotos, escolas sucateadas, professores desmotivados e mal pagos, índices constrangedores de reprovação e evasão escolar e violência desenfreada nos centros urbanos e até mesmo nas localidades interioranas.
Mais grave ainda do que essas falhas do Estado, que interferem diretamente na vida das pessoas, é a cultura da negligência que permeia a máquina pública. É sabido que, nos últimos 10 anos, o Brasil experimentou uma redução significativa em sua histórica desigualdade social. Como lembra o presidente do Ipea, Marcelo Neri, nesse período a renda dos 10% mais pobres cresceu 550% mais rápido do que a dos 10% mais ricos. É compreensível que, pelo menos nos grandes centros urbanos, o ingresso massivo de brasileiros no universo do trabalho e do consumo ocorrido na última década provoque demandas adicionais sobre o conjunto dos serviços públicos e que a percepção de suas deficiências também seja acentuada com o aumento do acesso à educação e à informação. Se o país não estiver preparado para receber esse novo contingente de beneficiários de serviços e de políticas públicas com um incremento na qualidade da saúde, da educação e da segurança, estará apenas preparando o caldo de cultura para mais descontentamento.
Mais grave ainda do que essas falhas do Estado é a cultura da negligência que permeia a máquina pública.
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