ZERO HORA Atualizada em 06/01/2015
"A gente planeja, confia e daqui a pouco perde tudo", desabafa aprovado em concurso suspenso no RS. Pelo menos 4 mil vagas de concursados em áreas como segurança e educação estão indefinidas
por Gustavo Foster
André Oliveira gastou R$ 700 em exames para ser aprovado na BM: "se não chamarem até junho, tem que fazer de novo" Foto: andré oliveira / arquivo pessoal
A suspensão de 4 mil contratações decretada por José Ivo Sartori nesta segunda-feira tem como objetivo imediato conter alguns gastos da máquina pública. Mas o impacto da medida não atinge com força somente os cofres do Estado – muda também a vida de muita gente que dedicou tempo, dinheiro e esforço para ser aprovado em concursos com milhares de candidatos.
Entre os possíveis futuros servidores do ensino público e das polícias civil e militar, há quem vai ter que esperar mais seis meses para realizar o sonho de infância, quem perdeu bolsa na faculdade e quem acabou conhecendo o noivo na caminhada.
Dos 23 anos de Franciane Nunes, pelo menos cinco foram dedicados ao sonho de se tornar policial militar. Determinada a seguir os passos do pai, ela começou a estudar para o concurso da Brigada Militar assim que saiu do colégio. Em 2009, não pode fazer a prova porque ainda não tinha carteira de habilitação, documento obrigatório para os futuros policiais militares. Três anos depois, tentou e não conseguiu passar no concurso. Em 2014, na terceira possibilidade, alcançou seu objetivo: ficou em 194º lugar no Estado. A comemoração durou até segunda-feira, quando foi anunciado o congelamento das vagas.
– É ridículo. Estou muito chateada, angustiada. Pode parecer exagero falar em replanejamento, mas já estava tudo programado na minha vida e, agora, vou ter que adiar. Não posso ficar em casa, investi tudo que eu tinha em estudos, deixei minha vida pessoal de lado, agora vou ter que aguardar. Não tem mais o que fazer, tem que esperar – resigna-se Franciane.
Sem a vaga na BM, ela conseguiu um emprego no Curso Vigor – escola preparatória para concursos, onde estudava até o dia da prova. Sem muita esperança de ser chamada – "o Estado está mal das pernas" –, ela conta com o salário que ganha trabalhando no xerox do cursinho para fechar as contas de casa.
Ainda mais complicada é a situação de André Oliveira. Até o ano passado ele era bolsista do curso de Engenharia Civil da Unisinos. Confiante no sucesso no concurso para a Brigada Militar, abdicou da bolsa e se pôs a estudar. Funcionou: ficou em 17º e ganhou sua vaga. Agora, com a suspensão, ficou sem emprego e sem faculdade.
– Eu sou casado e, para nós, foi um baque. Eu estou sem trabalhar desde setembro, estudando. E 90% dos aprovados estava que nem eu, contando com isso. Muita gente largou o emprego, largou tudo. Não tem muito como explicar, é o nosso futuro. A gente planeja, confia e daqui a pouco perde tudo – desabafa.
André conta que gastou cerca de R$ 700 com os exames obrigatórios solicitados pela BM, como urina, sangue, eletrocardiograma e testes de visão e audição. Para quem mora no interior, a conta fica ainda mais salgada:
– Teve gente que gastou mais de R$ 2 mil. E o pior é que esses testes só duram seis meses. Se a gente não for chamado até junho, tem que fazer tudo de novo.
O presidente da Associação de Cabos e Soldados da BM, Leonel Lucas, que tinha uma reunião com comando da corporação nesta terça, afirma que o encontro foi adiado para quarta-feira. O novo comandante-geral da BM, Alfeu Freitas, teria passado o dia em reunião com a equipe de governo.
Sem vaga, mas com noivo
Na Polícia Civil, são 661 concursados esperando por sua vaga. No dia 26 de dezembro, o então governador Tarso Genro autorizou a convocação dos aprovados para o curso preparatório. Em 5 de janeiro, Sartori decretou que todas as vagas seriam congeladas. Agora, os aprovados não sabem o que vai acontecer. Até segunda-feira, a avaliação era de que eles não deveriam ser chamados para iniciar o treinamento na Academia de Polícia (Acadepol), etapa que é pré-requisito para as nomeações. Porta-voz dos aprovados, Raquel Souza diz que pelo menos 300 estão desempregados ou em vias de perder o emprego.
– Quando o Tarso anunciou que nós seríamos chamados, alguns começaram a ser demitidos. Nós temos grupos, mantemos contato, nos ajudamos. Vejo o desespero de alguns colegas que tem filho, moram longe, vem de Uruguaiana e voltam sem resposta. Eu falo para o pessoal tentar ser mais racional, porque tem horas que o emocional começa a abalar. Mas, quando a conta de luz chega, não tem racional, nem emocional, tem que pagar.
Nesse processo de estudo, concurso, pressão e angústia, Raquel acabou conhecendo seu "quase noivo":
– Quando um chora, o outro abraça. Nisso, comecei a namorar um colega, estamos em vias de noivar. Ele também passou para a segunda turma. É bom que a gente está junto. Se não entrarmos agora, pelo menos nos achamos no meio do caminho – comemora Raquel, que prefere ver o copo meio cheio.
Publicado na segunda-feira, o decreto tem validade de 180 dias e foi elaborado com o objetivo de conter gastos. Além de congelar contratações, limita diárias, aquisição de material permanente e promoções. Apesar disso, o impacto financeiro da iniciativa segue desconhecido.
"A gente planeja, confia e daqui a pouco perde tudo", desabafa aprovado em concurso suspenso no RS. Pelo menos 4 mil vagas de concursados em áreas como segurança e educação estão indefinidas
por Gustavo Foster
André Oliveira gastou R$ 700 em exames para ser aprovado na BM: "se não chamarem até junho, tem que fazer de novo" Foto: andré oliveira / arquivo pessoal
A suspensão de 4 mil contratações decretada por José Ivo Sartori nesta segunda-feira tem como objetivo imediato conter alguns gastos da máquina pública. Mas o impacto da medida não atinge com força somente os cofres do Estado – muda também a vida de muita gente que dedicou tempo, dinheiro e esforço para ser aprovado em concursos com milhares de candidatos.
Entre os possíveis futuros servidores do ensino público e das polícias civil e militar, há quem vai ter que esperar mais seis meses para realizar o sonho de infância, quem perdeu bolsa na faculdade e quem acabou conhecendo o noivo na caminhada.
Dos 23 anos de Franciane Nunes, pelo menos cinco foram dedicados ao sonho de se tornar policial militar. Determinada a seguir os passos do pai, ela começou a estudar para o concurso da Brigada Militar assim que saiu do colégio. Em 2009, não pode fazer a prova porque ainda não tinha carteira de habilitação, documento obrigatório para os futuros policiais militares. Três anos depois, tentou e não conseguiu passar no concurso. Em 2014, na terceira possibilidade, alcançou seu objetivo: ficou em 194º lugar no Estado. A comemoração durou até segunda-feira, quando foi anunciado o congelamento das vagas.
– É ridículo. Estou muito chateada, angustiada. Pode parecer exagero falar em replanejamento, mas já estava tudo programado na minha vida e, agora, vou ter que adiar. Não posso ficar em casa, investi tudo que eu tinha em estudos, deixei minha vida pessoal de lado, agora vou ter que aguardar. Não tem mais o que fazer, tem que esperar – resigna-se Franciane.
Sem a vaga na BM, ela conseguiu um emprego no Curso Vigor – escola preparatória para concursos, onde estudava até o dia da prova. Sem muita esperança de ser chamada – "o Estado está mal das pernas" –, ela conta com o salário que ganha trabalhando no xerox do cursinho para fechar as contas de casa.
Ainda mais complicada é a situação de André Oliveira. Até o ano passado ele era bolsista do curso de Engenharia Civil da Unisinos. Confiante no sucesso no concurso para a Brigada Militar, abdicou da bolsa e se pôs a estudar. Funcionou: ficou em 17º e ganhou sua vaga. Agora, com a suspensão, ficou sem emprego e sem faculdade.
– Eu sou casado e, para nós, foi um baque. Eu estou sem trabalhar desde setembro, estudando. E 90% dos aprovados estava que nem eu, contando com isso. Muita gente largou o emprego, largou tudo. Não tem muito como explicar, é o nosso futuro. A gente planeja, confia e daqui a pouco perde tudo – desabafa.
André conta que gastou cerca de R$ 700 com os exames obrigatórios solicitados pela BM, como urina, sangue, eletrocardiograma e testes de visão e audição. Para quem mora no interior, a conta fica ainda mais salgada:
– Teve gente que gastou mais de R$ 2 mil. E o pior é que esses testes só duram seis meses. Se a gente não for chamado até junho, tem que fazer tudo de novo.
O presidente da Associação de Cabos e Soldados da BM, Leonel Lucas, que tinha uma reunião com comando da corporação nesta terça, afirma que o encontro foi adiado para quarta-feira. O novo comandante-geral da BM, Alfeu Freitas, teria passado o dia em reunião com a equipe de governo.
Sem vaga, mas com noivo
Na Polícia Civil, são 661 concursados esperando por sua vaga. No dia 26 de dezembro, o então governador Tarso Genro autorizou a convocação dos aprovados para o curso preparatório. Em 5 de janeiro, Sartori decretou que todas as vagas seriam congeladas. Agora, os aprovados não sabem o que vai acontecer. Até segunda-feira, a avaliação era de que eles não deveriam ser chamados para iniciar o treinamento na Academia de Polícia (Acadepol), etapa que é pré-requisito para as nomeações. Porta-voz dos aprovados, Raquel Souza diz que pelo menos 300 estão desempregados ou em vias de perder o emprego.
– Quando o Tarso anunciou que nós seríamos chamados, alguns começaram a ser demitidos. Nós temos grupos, mantemos contato, nos ajudamos. Vejo o desespero de alguns colegas que tem filho, moram longe, vem de Uruguaiana e voltam sem resposta. Eu falo para o pessoal tentar ser mais racional, porque tem horas que o emocional começa a abalar. Mas, quando a conta de luz chega, não tem racional, nem emocional, tem que pagar.
Nesse processo de estudo, concurso, pressão e angústia, Raquel acabou conhecendo seu "quase noivo":
– Quando um chora, o outro abraça. Nisso, comecei a namorar um colega, estamos em vias de noivar. Ele também passou para a segunda turma. É bom que a gente está junto. Se não entrarmos agora, pelo menos nos achamos no meio do caminho – comemora Raquel, que prefere ver o copo meio cheio.
Publicado na segunda-feira, o decreto tem validade de 180 dias e foi elaborado com o objetivo de conter gastos. Além de congelar contratações, limita diárias, aquisição de material permanente e promoções. Apesar disso, o impacto financeiro da iniciativa segue desconhecido.
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