"As pessoas vivem nas cidades e não no Estado e na União."
ZERO HORA 24 de janeiro de 2015 | N° 18052
LEANDRO FONTOURA*
Se na linguagem o uso do lugar-comum empobrece qualquer texto, na política seu efeito é mais prejudicial, com impacto sobre a sociedade. A forma como prefeitos se queixam da falta de repasses federais ou do excesso de tarefas sob a responsabilidade dos municípios, por exemplo, diz muito sobre os riscos dos clichês para a vida pública.
Prefeitos se acostumaram a repetir frases como “o dinheiro vai passear em Brasília e não volta”, “as prefeituras vivem de pires na mão”, “é preciso um novo pacto federativo” e “as pessoas vivem nas cidades e não no Estado e na União”. Diante de um lamento tão repetitivo, soluções inovadoras criadas em âmbito municipal para resolver problemas cotidianos e atingir melhores resultados passam ao largo do debate público.
O problema dos bordões na política é que, mesmo carregando uma premissa sólida, costumam simplificar a realidade a ponto de induzir à crença de que a saída para um problema complexo está em um passe de mágica, que, no fim das contas, nunca se realiza. Os lugares-comuns acabam cumprindo um papel semelhante ao de ideologias na elaboração de políticas públicas. Princípios de esquerda e de direita por vezes impedem administradores da máquina estatal de enxergar uma evidência: políticas que funcionam, avaliadas por critérios científicos, não podem ser descartadas com base em preconceitos ideológicos.
E aqui entram os prefeitos novamente. Administrações bem-sucedidas exigem uma gestão eficiente e criativa, cuja base está em uma equipe qualificada e profissionalizada. Digamos que o dinheiro pare de passear em Brasília, as prefeituras estão preparadas para gastá-lo?
Um livro publicado pela Fundação Getulio Vargas não encoraja uma resposta positiva. Em Fundamentos de Administração Pública Brasileira, Marcelo Douglas de Figueiredo Torres mostra que a burocracia municipal é a menos qualificada do setor público. Em comparação com seus colegas estaduais e federais, os funcionários de prefeituras são menos escolarizados e, por consequência, mal remunerados.
Tomando a escolaridade como fator básico para a produtividade, Torres sustenta que essa realidade tem impacto no oferecimento de serviços em áreas essenciais, como educação e saúde. Como alternativa, sugere uma ação federal que ajude a reduzir as deficiências das burocracias municipais. Sem isso, “os municípios continuarão desestruturados e ineficientes, deixando a população mais carente refém de políticas públicas mal formuladas e executadas”, alerta Torres, sem precisar usar nenhum clichê.
Jornalista, editor de Notícias de Zero Hora
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