ZERO HORA 17 de janeiro de 2015 | N° 18045
CRISE NAS FINANÇAS PÚBLICAS
GOVERNADOR, vice, secretários estaduais, magistrados, promotores, procuradores, defensores e conselheiros receberão salários em faixas que vão de R$ 19 mil até R$ 30 mil. Líder do governo diz que não sancionar projetos seria demagogia
Dois atos de características opostas do governador José Ivo Sartori colidiram logo no início da sua gestão, gerando uma onda de críticas ao peemedebista, que ainda não completou 20 dias no poder. Ao mesmo tempo em que vigora decreto determinando cortes de horas extras e suspensão de pagamentos, Sartori sancionou ontem reajustes para o topo do serviço público.
Os aumentos, de 14,6% a 64%, haviam sido aprovados pela Assembleia Legislativa no final de 2014. O impacto financeiro ficará em torno de R$ 124,1 milhões ao ano. Sartori poderia sancionar ou vetar, mas, depois de consultar parlamentares aliados em reunião na quinta-feira, obteve apoio e optou por levar adiante a medida.
A controvérsia se estabeleceu porque, além de sancionar reajustes paralelamente aos cortes de custos – que estão atingindo setores essenciais como o policiamento ostensivo –, a decisão foi tomada em meio à revelação de que o Estado deverá ter um rombo de R$ 7,1 bilhões nas contas de 2015.
– Eu poderia ser alguém bastante oportunista e demagogo e tomar uma atitude particular para só salvar uma situação pessoal. Vou pagar o preço que tiver de pagar, mas não podia tomar uma atitude irresponsável que não tivesse nenhuma relação com os outros poderes – disse Sartori.
A declaração foi dada a jornalistas na abertura da colheita do milho, em Horizontina. ZH solicitou entrevista com o governador, mas não houve resposta. Líder do governo, Alexandre Postal (PMDB) justificou os aumentos:
– Em primeiro lugar, não foi o governador que pediu o aumento. Em segundo, não havia reajuste para o governador havia oito anos. Em terceiro, é justo que o governador ganhe menos do que um deputado ou um presidente de banco? Vamos deixar de hipocrisia.
Decisão é criticada por servidores e empresários
Entidades empresariais, líderes sindicais e políticos de oposição. Saiu de todos os lados a reação à decisão do governador José Ivo Sartori de sancionar o aumento salarial para os integrantes do topo das carreiras dos três poderes. Uma das análises recorrentes é de que Sartori inviabilizou o discurso de que “todos terão de dar contribuição para o ajuste de contas”.
– O governador perdeu oportunidade de mostrar austeridade em todos os sentidos. No dia em que sai o resultado de uma auditoria sobre a grave situação financeira, sanciona aumentos – afirmou Ricardo Sessegolo, presidente do Sinduscon, entidade que representa 80 construtoras contratadas para fazer obras em creches, escolas, presídios e hospitais, ameaçadas de não receber por conta da suspensão da quitação de dívidas.
– O ajuste de contas é feito para os outros, não para eles. Enquanto isso, em Canoas, fechou uma estação dos bombeiros pelo corte de horas extras – apontou Leonel Lucas, presidente da Associação de Cabos e Soldados da BM (Abamf).
Em férias, o ex-governador Tarso Genro usou o Twitter para alfinetar o sucessor. “Não aumentei o salário do governador nem dos secretários. Aumentei a cobrança da dívida pública e pagamos o dobro dos precatórios herdados”, escreveu.
Em uma guerra de versões, aliados de Sartori culpam Tarso pela previsão de déficit.
– A oposição tinha de ficar bem quietinha pelo menos nos primeiros seis meses para refletir sobre o que eles fizeram nos últimos quatro anos – rebateu Alexandre Postal (PMDB).
Setor cultural critica anulação de edital
Osetor cultural foi surpreendido pelo cancelamento do edital que previa a produção de cinco séries para a TVE. O anúncio gerou indignação entre profissionais do setor audiovisual. Pelo edital, a Fundação Piratini, mantenedora da TVE, participaria com R$ 300,6 mil em um orçamento total de R$ 3,9 milhões oriundos do governo federal via Fundo Setorial do Audiovisual e Agência Nacional do Cinema (Ancine).
A proposta da TVE, aprovada em novembro de 2014, previa a produção de séries nos segmentos infantil, documentário turístico, documentário cultural, ficção adolescente e ficção adulta. Foram inscritos 47 projetos. Os contratos deveriam ser assinados até março.
– Não consigo entender o que aconteceu. Só posso imaginar que ninguém no governo do Estado entendeu a proposta do edital – diz o cineasta Giba Assis Brasil, presidente da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do RS (APTC-RS).
Segundo a presidente da TVE, Isara Marques, o cancelamento ocorreu por não ter sido feita pelo governo anterior a previsão orçamentária para investir os R$ 300,6 mil. A chefe da assessoria jurídica da fundação, Maria Cícera Nascimento, foi designada para comentar o episódio:
– Sem apontar de onde sairá o dinheiro, assinar o contrato é um crime de responsabilidade fiscal.
A Ancine manifestou-se por meio de nota: “Esperamos que a TVE consiga reorganizar suas atividades e retome essa iniciativa tão importante (...). Havendo interesse na parceria com o governo federal, a TVE deve encaminhar uma nova proposta ao comitê de investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual”.
Participaram desta reportagem Carlos Rollsing, Carlos Ismael Moreira e Marcelo Perrone
REAJUSTES X ENXUGAMENTO |
OS AUMENTOS GOVERNADOR |
De R$ 17.347,14 para R$ 25.322,25 (45,97%) |
VICE-GOVERNADOR E SECRETÁRIOS |
De R$ 11.564,76 para R$ 18.991,69 (64,22%) |
PROCURADOR, DESEMBARGADOR, DEFENSOR (CLASSE ESPECIAL) E CONSELHEIRO DO TCE |
De R$ 26.589,68 para R$ 30.471,11 (14,60%) |
DEPUTADOS ESTADUAIS |
De R$ 20.042,34 para R$ 25.322,25 (26,34%) |
IMPACTO DOS REAJUSTES |
-Tribunal de Justiça: R$ 63 milhões |
-Ministério Público: R$ 33 milhões |
-Defensoria Pública: R$ 19 milhões* |
-Executivo e Legislativo: R$ 5,5 milhões |
-Tribunal de Contas: R$ 2,8 milhões |
-Tribunal de Justiça Militar: R$ 864 mil |
-Total: R$ 124,1 milhões |
*Havia uma previsão de impacto de R$ 26 milhões, mas isso somente ocorreria no caso de os 459 cargos de defensor público estarem providos. Como 385 estão ocupados, a repercussão financeira fica em R$ 19 milhões. |
DECRETO |
Decisão de Sartori proíbe, por 180 dias, o governo de assumir as seguintes despesas: |
-Diárias de viagem para fora do Estado e aquisição de passagens aéreas. |
-Contratação ou renovação de consultorias. |
-Celebração de contratos de prestação de serviços. |
-Celebração ou prorrogação de convênios. |
-Celebração de novos contratos de aluguel de imóveis e de equipamentos. |
-Aquisição de material permanente e contratação de obras, exceto quando valor for menor do que R$ 3 mil. |
-Despesas de exercícios anteriores. |
OUTRAS MEDIDAS |
-O decreto suspendeu concursos e as contratações efetivas, além da criação de gratificações e promoções. |
-As horas extras de servidores foram cortadas, ficando limitadas a 60% do valor executado no mesmo período do exercício anterior. |
-Entre as consequências dos cortes de horas extras, há indicações de fragilidade no policiamento, considerando que a Brigada Militar é uma das corporações públicas com maior gasto neste item. Uma estação do corpo de bombeiros em Canoas teve de ser fechada devido ao corte de horas extras. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário