ZERO HORA 28/01/2015 | 11h23
por Bruna Vargas e Larissa Roso
Política habitacional. MP cobra ações da prefeitura de Porto Alegre para moradores de rua
Em setembro, o órgão listou cinco prioridades a serem seguidas pela administração municipal nos 45 dias subsequentes
Aparente aumento da população que vive nas vias da cidade desafiam a prefeitura, que admite problemas estruturais Foto: tade / Agencia RBS
Se a quantidade de pessoas vivendo na rua cresce a olhos vistos em Porto Alegre, as ações da prefeitura em relação a essa população se desenvolvem em câmera lenta. Uma das cenas está congelada desde setembro, quando o Ministério Público (MP) listou cinco prioridades a serem perseguidas pela administração municipal nos 45 dias subsequentes.
Quase quatro meses depois, porém, nenhuma delas foi atendida. O não atendimento dos pedidos, considerados urgentes pelo MP, culminou, em dezembro, na instauração de dois inquéritos civis: um para investigar a política pública habitacional voltada à população em situação de rua e outro para averiguar a não instalação do Centro Pop 3 (local de referência para moradores de rua durante o dia).
De junho a outubro do ano passado, foram abertos outros 10 inquéritos para verificar a atuação da prefeitura em relação ao tema.
— As negociações estão paradas. O MP vai agir independentemente do retorno da prefeitura — diz a promotora de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Liliane Dreyer Pastoriz.
Ela preferiu não detalhar que atitude o MP tomará sobre o assunto. De acordo com Liliane, não foram fornecidas informações sobre quais moradores de rua têm cadastro no programa Minha Casa, Minha Vida, se eles estão inseridos no programa de aluguel social e em projetos educacionais e profissionais, se há planos de modernização dos processos de abordagem da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e se foram estabelecidas estratégias de saúde para a população de rua.
Em reportagem publicada na última segunda-feira, ZH mostrou que a mudança do perfil e o aparente aumento da população que vive nas vias da cidade desafiam a prefeitura, que admite problemas estruturais. Especialistas entendem que as soluções possíveis para a população de rua não costumam ter o objetivo final de zerar o número de sem-teto nas cidades. Entretanto, é consenso que a falta de vagas em albergues, serviços de saúde e higiene de qualidade, refeições gratuitas ou a preços simbólicos e programas de capacitação e reinserção tornam a situação problemática.
Prefeitura promete maior controle
O vice-prefeito Sebastião Melo, que se reuniu com a promotora no fim de setembro, diz desconhecer o fato de a documentação não ter sido entregue, mas assegura que o MP deverá receber os dados solicitados “de imediato”. Questionado sobre a modernização dos processos da Fasc, respondeu:
— O que o MP quer dizer com modernização? O que nós tratamos da humanização.
Melo afirma que a prefeitura realizou, na semana passada, uma reunião com representantes de diferentes órgãos e da Guarda Municipal para acertar medidas com vistas a melhorar o “monitoramento urbano” da Capital. A ideia é equipar agentes da Fasc e da guarda com rádios e telefones, para que comuniquem imediatamente o surgimento de barracos em locais público. Dessa forma, acredita, o município impedirá que novas pessoas se instalem nas vias públicas.
Veja vídeo com depoimentos dos moradores de rua
— É controlar o espaço público — argumentou, afirmando que as abordagens deverão ser feitas de forma “humanizada”.
O próximo passo, conforme o vice-prefeito, será a busca da prefeitura por convênios com clínicas terapêuticas para viabilizar tratamento aos usuários de drogas. A promotora Liliane critica a postura de Melo em relação ao que chama de “políticas de higienização”, citando como exemplo um convite recebido para participar da “fiscalização e desocupação preventiva e necessária a fim de preservar a vida em comunidade”, nas margens do Arroio Dilúvio, de onde, em dezembro, foram retirados barracos.
— Não participei porque foi contra tudo que estávamos tratando em reuniões. Derrubaram todos os barracos, mas horas depois eles retornaram com a roupa do corpo para o talude. Não resolveu o problema. Por isso é preciso uma ação coordenada.
O presidente da Fasc, Marcelo Soares, diz que o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da População Adulta em Situação de Rua, grupo com representantes da prefeitura, do MP e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, se reúne mensalmente para discutir alternativas e políticas públicas.
Melhora na estrutura, benefícios a todos
Autora da dissertação de mestrado Morar na Rua: Há Projeto Possível?, defendida na Universidade de São Paulo (USP), a arquiteta e urbanista Paula Rochlitz Quintão observa que as políticas públicas sempre preveem a retirada das pessoas de calçadas e praças, o que seria um equívoco. Viver na rua ou indo e vindo, apesar de serem condições malvistas pela sociedade, pode ser uma escolha. Criar uma estrutura para atender esses indivíduos traz benefícios ao coletivo:
— As pessoas não conseguem ver que, se a situação daquele morador melhora, melhora o entorno. É melhor ter um sujeito banhado, que comeu. Por mais que ele durma na esquina da sua casa, ele pode entrar no mercado de trabalho.
Para a enfermeira Themis Maria Dresch Dovera, vice-coordenadora do programa Universidade na Rua, da UFRGS, é impossível a administração municipal dar conta de todos que perambulam por Porto Alegre. Em um cenário ideal, haveria mais albergues, centros de convivência bem equipados e atividades lúdicas, além de funcionários capacitados para lidar com esses andarilhos. Como esse cenário está longe de virar realidade, há outras medidas eficientes, segundo ela.
— Cada um de nós precisa adotar o morador de rua da sua rua. O que você faz por eles? Tem de dar oportunidade — afirma Themis, que paga R$ 5, nas segundas, quartas e sextas-feiras, para que um homem varra o pátio e a calçada da sua casa, além de R$ 10 semanais pela lavagem do carro.
ONG de São Paulo, o Projeto Quixote acompanha crianças e adolescentes, promovendo ações nas áreas de arte, educação e saúde. O vínculo entre os educadores terapêuticos e os chamados refugiados urbanos permite que o trabalho possa evoluir para o restabelecimento dos laços com a família, que também pode passar a ser atendida, ou o encaminhamento a um abrigo.
— A rua não é o problema, o problema é de onde essas crianças vêm. A rua é um problema secundário. Nosso objetivo é buscar um caminho que reduza o sofrimento delas — diz Lucas Carvalho, coordenador do Moinho da Luz, uma das unidades do Quixote, na região da Cracolância, no centro da capital paulista.
por Bruna Vargas e Larissa Roso
Política habitacional. MP cobra ações da prefeitura de Porto Alegre para moradores de rua
Em setembro, o órgão listou cinco prioridades a serem seguidas pela administração municipal nos 45 dias subsequentes
Aparente aumento da população que vive nas vias da cidade desafiam a prefeitura, que admite problemas estruturais Foto: tade / Agencia RBS
Se a quantidade de pessoas vivendo na rua cresce a olhos vistos em Porto Alegre, as ações da prefeitura em relação a essa população se desenvolvem em câmera lenta. Uma das cenas está congelada desde setembro, quando o Ministério Público (MP) listou cinco prioridades a serem perseguidas pela administração municipal nos 45 dias subsequentes.
Quase quatro meses depois, porém, nenhuma delas foi atendida. O não atendimento dos pedidos, considerados urgentes pelo MP, culminou, em dezembro, na instauração de dois inquéritos civis: um para investigar a política pública habitacional voltada à população em situação de rua e outro para averiguar a não instalação do Centro Pop 3 (local de referência para moradores de rua durante o dia).
De junho a outubro do ano passado, foram abertos outros 10 inquéritos para verificar a atuação da prefeitura em relação ao tema.
— As negociações estão paradas. O MP vai agir independentemente do retorno da prefeitura — diz a promotora de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Liliane Dreyer Pastoriz.
Ela preferiu não detalhar que atitude o MP tomará sobre o assunto. De acordo com Liliane, não foram fornecidas informações sobre quais moradores de rua têm cadastro no programa Minha Casa, Minha Vida, se eles estão inseridos no programa de aluguel social e em projetos educacionais e profissionais, se há planos de modernização dos processos de abordagem da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e se foram estabelecidas estratégias de saúde para a população de rua.
Em reportagem publicada na última segunda-feira, ZH mostrou que a mudança do perfil e o aparente aumento da população que vive nas vias da cidade desafiam a prefeitura, que admite problemas estruturais. Especialistas entendem que as soluções possíveis para a população de rua não costumam ter o objetivo final de zerar o número de sem-teto nas cidades. Entretanto, é consenso que a falta de vagas em albergues, serviços de saúde e higiene de qualidade, refeições gratuitas ou a preços simbólicos e programas de capacitação e reinserção tornam a situação problemática.
Prefeitura promete maior controle
O vice-prefeito Sebastião Melo, que se reuniu com a promotora no fim de setembro, diz desconhecer o fato de a documentação não ter sido entregue, mas assegura que o MP deverá receber os dados solicitados “de imediato”. Questionado sobre a modernização dos processos da Fasc, respondeu:
— O que o MP quer dizer com modernização? O que nós tratamos da humanização.
Melo afirma que a prefeitura realizou, na semana passada, uma reunião com representantes de diferentes órgãos e da Guarda Municipal para acertar medidas com vistas a melhorar o “monitoramento urbano” da Capital. A ideia é equipar agentes da Fasc e da guarda com rádios e telefones, para que comuniquem imediatamente o surgimento de barracos em locais público. Dessa forma, acredita, o município impedirá que novas pessoas se instalem nas vias públicas.
Veja vídeo com depoimentos dos moradores de rua
— É controlar o espaço público — argumentou, afirmando que as abordagens deverão ser feitas de forma “humanizada”.
O próximo passo, conforme o vice-prefeito, será a busca da prefeitura por convênios com clínicas terapêuticas para viabilizar tratamento aos usuários de drogas. A promotora Liliane critica a postura de Melo em relação ao que chama de “políticas de higienização”, citando como exemplo um convite recebido para participar da “fiscalização e desocupação preventiva e necessária a fim de preservar a vida em comunidade”, nas margens do Arroio Dilúvio, de onde, em dezembro, foram retirados barracos.
— Não participei porque foi contra tudo que estávamos tratando em reuniões. Derrubaram todos os barracos, mas horas depois eles retornaram com a roupa do corpo para o talude. Não resolveu o problema. Por isso é preciso uma ação coordenada.
O presidente da Fasc, Marcelo Soares, diz que o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da População Adulta em Situação de Rua, grupo com representantes da prefeitura, do MP e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, se reúne mensalmente para discutir alternativas e políticas públicas.
Melhora na estrutura, benefícios a todos
Autora da dissertação de mestrado Morar na Rua: Há Projeto Possível?, defendida na Universidade de São Paulo (USP), a arquiteta e urbanista Paula Rochlitz Quintão observa que as políticas públicas sempre preveem a retirada das pessoas de calçadas e praças, o que seria um equívoco. Viver na rua ou indo e vindo, apesar de serem condições malvistas pela sociedade, pode ser uma escolha. Criar uma estrutura para atender esses indivíduos traz benefícios ao coletivo:
— As pessoas não conseguem ver que, se a situação daquele morador melhora, melhora o entorno. É melhor ter um sujeito banhado, que comeu. Por mais que ele durma na esquina da sua casa, ele pode entrar no mercado de trabalho.
Para a enfermeira Themis Maria Dresch Dovera, vice-coordenadora do programa Universidade na Rua, da UFRGS, é impossível a administração municipal dar conta de todos que perambulam por Porto Alegre. Em um cenário ideal, haveria mais albergues, centros de convivência bem equipados e atividades lúdicas, além de funcionários capacitados para lidar com esses andarilhos. Como esse cenário está longe de virar realidade, há outras medidas eficientes, segundo ela.
— Cada um de nós precisa adotar o morador de rua da sua rua. O que você faz por eles? Tem de dar oportunidade — afirma Themis, que paga R$ 5, nas segundas, quartas e sextas-feiras, para que um homem varra o pátio e a calçada da sua casa, além de R$ 10 semanais pela lavagem do carro.
ONG de São Paulo, o Projeto Quixote acompanha crianças e adolescentes, promovendo ações nas áreas de arte, educação e saúde. O vínculo entre os educadores terapêuticos e os chamados refugiados urbanos permite que o trabalho possa evoluir para o restabelecimento dos laços com a família, que também pode passar a ser atendida, ou o encaminhamento a um abrigo.
— A rua não é o problema, o problema é de onde essas crianças vêm. A rua é um problema secundário. Nosso objetivo é buscar um caminho que reduza o sofrimento delas — diz Lucas Carvalho, coordenador do Moinho da Luz, uma das unidades do Quixote, na região da Cracolância, no centro da capital paulista.
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