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domingo, 30 de outubro de 2011

CESA - ARMAZENADORA DE DÍVIDAS

ADRIANA IRION, JOSÉ LUÍS COSTA E MARTA SFREDO - ZERO HORA 30/10/2011

Criada nos anos 50 para guardar os grãos colhidos pelos produtores rurais gaúchos, a Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa) hoje tem outra especialidade: armazena dívidas e ações judiciais. Só em 2010, o governo do Estado precisou repassar R$ 33 milhões para fechar as contas da empresa. Em três páginas, ZH apresenta como a estatal se tornou um exemplo de péssima gestão pública.

Todos os prédios e os carros que pertencem à Cesa estão penhorados, as contas bancárias enfrentam sequestros diários de recursos pela Justiça, o número de ações trabalhistas é cinco vezes maior do que o de funcionários e dívidas acumuladas em reais equivalem a quase nove anos de receita.

– O que encontrei foi uma empresa que está, no mínimo, há 20 anos abandonada pelo poder público – desabafa Jeronimo Oliveira Junior, presidente desde janeiro.

Até tentativas de sanear a empresa geraram, em vez de soluções, novos problemas. No ano passado, foi feito um acordo para repassar à Superintendência do Porto de Rio Grande a unidade local da Cesa. O porto pagou R$ 6,3 milhões de um total de R$ 77 milhões. Não houve tempo de completar o negócio no governo anterior, e o atual mudou de ideia. Mais uma conta foi espetada na extensa lista de pendências, já que a Cesa usou o dinheiro e agora precisa devolvê-lo.

– A cada quatro anos, empresas públicas deixam de existir e começam de novo. A Cesa tem dificuldades em cumprir objetivos, não consegue remunerar bons funcionários, que ficam no mesmo barco dos que não querem ou não podem prestar melhores serviços – avalia Mario Lopes, um dos sócios da Serra Morena, empresa privada que atua na mesma área da Cesa e prepara expansão dos negócios.

Para frear o prejuízo, até o cafezinho foi cortado nos dois andares da administração, em Porto Alegre. Quando a ordem de compra de 20 quilos de café e 80 quilos de açúcar chegou ao presidente, foi barrada.

– A Cesa é mal administrada. Os governos nomeiam políticos, não gestores. Não tem ninguém lá que possa fazer um estudo de viabilidade econômica – reclama Lourival Pereira, funcionário aposentado da companhia e presidente do Sindicato dos Auxiliares de Administração de Armazéns Gerais no Estado (Sagers).

Um dos raros consensos entre administração e sindicato é a falta de pessoal. Faltam profissionais como um contador para fazer o balanço da companhia. No departamento jurídico, que enfrenta mais de 500 ações e um passivo potencial superior a R$ 30 milhões, trabalham um advogado contratado em regime emergencial e dois estagiários.

– Havia uma terceirizada cuidando da contabilidade, mas foi embora em 2007.

Ex-diretor da Cesa em duas gestões, José Carlos Celaro hoje é dono de uma empresa de armazenagem, a Qualitas. Saiu na década de 90, durante um Programa de Demissão Voluntária, e não tem ações contra a companhia.

– Há 15, 20 anos, começaram a faltar recursos, e foi dada prioridade à folha. À medida que perdeu estoques, faltaram recursos. Na minha empresa, o volume de ações trabalhistas é muito menor. O Estado é visto como uma fonte inesgotável, todo mundo quer tirar um pouco.

Presidente da Cesa de 2009 a 2010, Juvir Mattuella avalia que os problemas da empresa são antigos, mas admite que a situação se agravou no período que a dirigiu:

– Houve uma violenta queda de receita, até hoje não sei por quê. A Cesa está falida há anos. Se fosse uma empresa privada, já teria fechado. Como técnico, eu me desfaria da Cesa.

Ele garante ter feito o possível para salvar a Cesa. O relato dá a medida da precariedade:

– Havia um débito grande com o governo federal. Chegou um momento em que a Receita ia colocar em leilão três unidades da companhia. Consegui sustar por amizade com o procurador-geral da Fazenda, que era filho de um colega da universidade.

Exasperado com a falta de recursos, o atual presidente afirma que quer permitir aos gaúchos “enxergar a caixa preta” da Cesa:

– Não basta um discurso de defesa, com esse caos à frente. Precisamos ter coragem para perguntar se o Estado cumpre sua função armazenando 1% do total disponível e mantendo um prejuízo de R$ 33 milhões, que poderiam ser usados em escolas, hospitais, estradas. Esse é o debate, o resto é poesia. Como está hoje, a Cesa não tem nenhuma função.

O custo de um prédio fantasma

O imponente prédio de sete andares na área central de Passo Fundo é um exemplo concreto da agonia que vive a Cesa. Decadente, com cada vez menos clientes e incapaz de cobrir os próprios gastos, a filial tem um dos piores resultados entre as 22 unidades da Cesa no Estado. A contabilidade é toda em vermelho.

Em setembro, a ocupação atingiu apenas 16,9% da capacidade. Só com energia elétrica e manutenção, a estrutura consumiu mais do que arrecadou. O gasto total no mês foi de R$ 35,8 mil, quase cinco vezes maior do que a receita. E o balanço de 2009 (último ano com dados conhecidos) fechou com R$ 466,5 mil de prejuízo, bancados pelo Tesouro.

Em capacidade de estocagem, a filial de Passo Fundo está entre as menores da Cesa e é uma das seis que o governo pretende vender para tentar revitalizar a companhia. As razões para a decadência da filial começam na localização, dentro da cidade. O prédio foi erguido nos anos 1950, em 2,5 hectares de campo com conexão com a linha férrea.

Aos poucos, o pavilhão está cada vez mais perto do centro urbano, cercado de moradias e estabelecimentos comerciais. O intenso movimento de veículos na Avenida Brasil Leste atrapalha a entrada e saída de caminhões no pátio da companhia. Congestionamentos afugentam produtores que optam por guardar os grãos em depósitos com mais facilidade de acesso, fora da cidade. O preço alto para estocagem – 39,8% acima do mercado por causa dos custos operacionais embutidos na tarifa Cesa – também espanta clientes.

A falta de investimentos é mais um quesito. Se obtivesse clientela para ocupar toda sua estrutura, mesmo assim a Cesa não poderia fazê-lo. Anos atrás, um dos 16 silos teve a parede rachada, e para evitar danos maiores, a capacidade de armazenagem foi reduzida de 9,5 mil para 7 mil toneladas.

Além disso, a secagem de grãos é inviável por falta de reparos. Se o secador fosse ligado, lançaria uma nuvem de poeira que poderia cobrir pátios e piscinas dos vizinhos. Os filtros de pó estão com as telas de proteção rasgadas desde o ano passado.

Estudo levou a direção da Cesa a descartar a hipótese de reformular a planta de Passo Fundo. Além de resultados operacionais negativos, um dos motivos para fechar a filial é a convicção de que a companhia não obteria licença ambiental para as obras.

No dia 13, dois dos quatro funcionários foram demitidos e um terceiro, transferido. Restou apenas o operador de pesagem Valdevino Nepomuceno, 56 anos, responsável por zelar pelo prédio fantasma que não recebe mais produtos, e ainda guarda 1,1 mil toneladas de trigo e aveia, até os donos retirarem as cargas. Depois, Valdevino vai trancar as portas, apagar a luz, e a unidade será vendida.

– São 29 anos trabalhando neste lugar e não sei o que farei daqui para frente – resigna-se o funcionário.

A Cesa pretende transferi-lo para outra unidade ainda não definida.

Processos trabalhistas geram guerra

Para quitar o que deve hoje em ações trabalhistas perdidas na Justiça, a Cesa teria de usar quase todo o valor de sua receita anual, de R$ 20 milhões. Desde 2008, a empresa acumulou uma dívida de R$ 31,7 milhões em 124 processos. Do total, falta pagar R$ 17,7 milhões.

E a avalanche de cobranças não para. Há outras 522 tramitando. Apenas uma, de autoria do Sindicato dos Auxiliares de Administração de Armazéns Gerais (Sagers), pode resultar num rombo de R$ 60 milhões.

Presidente da estatal, Jeronimo Oliveira Junior diz que a Cesa foi prejudicada por não ter tido defesa nos processos e por articulações que permitiriam que direitos fossem definidos por influência de funcionários para depois serem cobrados na Justiça por eles próprios:

– A defesa da empresa era pífia. Valores cobrados em ações nem eram periciados.

– É impossível defender o indefensável. Eles rasgam a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), descumprem acordos. O fato de dizerem que existe uma quadrilha pode gerar várias ações – contra-atacam advogados dos servidores.

Mas quais seriam as causas para tantas pendências judiciais? Só este ano, com a Cesa sob nova gestão, ao menos 130 novos processos surgiram. Para comparar, a Serra Morena, empresa privada que atua em armazenagem e tem trabalhadores ligados ao mesmo sindicato da estatal, responde a apenas quatro ações trabalhistas com um quadro de 200 empregados e uma receita de R$ 200 milhões – 10 vezes maior que a da Cesa.

– As ações são por causa de falta de pagamento de salário, de atrasos, de falta de pagamento do fundo de garantia e de contratações equivocadas – diz Paulo Roberto da Rosa, diretor de assuntos funcionais do Sagers.

O clima beligerante ameaça intensificar as disputas. O sindicato ingressou com ações por causa da demissão de três dirigentes da entidade.

– Estão tratando funcionários aos gritos, fazendo acusações. Se dizem que tem uma quadrilha, estão incluindo o Judiciário, que é quem decide as ações – afirma Rosa.

Depósito de sucata

Sem recursos para sustentar a pesada folha de pagamento mais as ações judiciais, a Cesa simplesmente parou de pagar outros compromissos. Com isso, estocou dívidas e abandonou a manutenção das unidades, como mostram as imagens abaixo. Só até 2009, data do balanço mais recente, o prejuízo acumulado chega a R$ 348,7 milhões. A perda de relevância da companhia fica expressa na capacidade de estocagem de 600 mil toneladas num Estado que armazena ao menos 24 milhões de toneladas.


ENTREVISTA - “Há um esquema que saqueia a Cesa”. Luiz Fernando Mainardi Secretário da Agricultura

Secretário da Agricultura, Luiz Fernando Mainardi também preside o conselho de administração da Cesa. Neste outubro que concentra leilões de gado em todo o Estado, Mainardi tem dividido a agenda entre feiras gaúchas e gabinetes do Planalto, em busca de uma solução para a empresa que tem 99% de participação do Estado, com a Conab como sócia minoritária. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

ZH – Qual é o projeto do governo gaúcho para a Cesa?

Mainardi – É fazê-la superavitária, para que iniciemos o conjunto de melhoramentos, de obras e de compra de equipamentos de modernização das instalações e da gestão.

ZH – Há intenção de fechar a Cesa?

Mainardi – Não. Mas se fechássemos, não haveria impacto na regulação de grãos do Estado. No Rio Grande do Sul, há uma capacidade instalada de armazenamento de 24,5 milhões de toneladas, e a Cesa tem 600 mil toneladas. Isso dá pouco mais de 2%, não interfere em nada. O que a Cesa tem feito é dar um prejuízo inaceitável.

ZH – Nos R$ 33 milhões retirados do Tesouro não está incluído o pagamento de ex-autárquicos, que seria de competência do Estado?

Mainardi – Estamos buscando a forma legal de transferir a folha de ex-autárquicos para a folha geral do Estado. Mas, se descontarmos esse gasto, ainda teremos um déficit de R$ 21 milhões, também inaceitável.

ZH – Como tornar a Cesa superavitária?

Mainardi – Vamos terminar com o jogo de apropriação do patrimônio da Cesa por alguns. Há um esquema montado que saqueia a Cesa, uma quadrilha que se instalou há alguns anos e gera enormes prejuízos. Parece que as gestões da Cesa sempre foram as piores sob o ponto de vista da relação trabalhista, e não foram. Criou-se uma fábrica de ações trabalhistas. É um escândalo, uma vergonha. Queremos evitar esse saque à Cesa. Em segundo lugar, queremos uma gestão responsável, para que possa fechar os exercícios seguintes com superávit, que se reverta em melhorias na Cesa.

ZH – A contratação para a Cesa via Irga pode gerar novas ações trabalhistas no futuro, como aponta o sindicato?

Mainardi – Desistimos de fazer contratações pelo Irga. Vamos comprar horas do pessoal da Emater. O sindicato não quer que ninguém trabalhe na Cesa. Eles denunciaram o advogado que contratamos, e que faz um belíssimo trabalho em defesa da Cesa. Eles gostariam que lá estivesse um advogado que fizesse acordos com eles. Não temos pessoal para administrar a Cesa. As pessoas foram se aposentando, alguns ficaram com altíssimos salários, ganhando aposentadoria e da empresa, com salários médios de R$ 10 mil, sem trabalhar. Todas as iniciativas que tomarmos para recuperar a Cesa terão a oposição desse sindicato.

ZH – O sindicato diz que três demitidos são dirigentes sindicais, o que é proibido pela legislação.

Mainardi – Não é verdade. Eles têm 14 nesse sindicato, e todos são da Cesa, sete titulares e sete suplentes. Eles representam os trabalhadores dos armazéns e silos de todo o Estado, só que todos são da Cesa para garantir estabilidade. Se fosse para demitir sindicalistas, teríamos demitido os 14 que fazem parte do sindicato, não trabalham e só criam condições para que a Cesa continue sendo saqueada.

ZH – Qual o papel da Conab na recuperação da Cesa?

Mainardi – É fundamental, estratégico. A Conab é uma das acionistas da Cesa. É decisiva, porque hoje, das cerca de 1,9 milhão de toneladas de grãos que a Conab mantém no Estado, cerca de 130 mil estão armazenados na Cesa. É muito pouco. Elevando para no mínimo 400 mil toneladas, torna a Cesa superavitária.

ZH – O senhor diz que não haveria impacto se a Cesa fechasse, mas líderes rurais a consideram formadora de preço e reguladora de mercado. Por que há essa diferença?

Mainardi – Não consigo compreender como a Cesa forma preço e regula mercado se armazena 2% de toda a capacidade do Rio Grande do Sul. Será que 2% é tão importante assim? Claro que a Cesa tem importância, como no caso do pequeno produtor de arroz. Se deixar o produto na Cesa, e não na indústria, ele pode escolher melhor quando e para quem vender, mas isso não interfere no preço do arroz, não é decisivo.

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